“Todas as resoluções que votamos constituem um vasto programa de renovação das nossas práticas de governo em nível de diocese e de Igreja na França. Transmitiremos ao Santo Padre, depois de as ter reelaborado, as recomendações da CIASE sobre a Igreja universal. Decidimos juntos pedir ao Papa, visto que fomos nomeados por ele, que viesse em nosso auxílio, enviando alguém de sua confiança para discutir conosco a forma como tratamos e estamos tratando as vítimas e seus agressores”. Este é o ponto forte do discurso do presidente da Conferência Episcopal francesa, Mons. Éric de Moulins-Beaufort, no encerramento desta manhã da assembleia plenária dos bispos franceses em Lourdes que colocou no centro das discussões - também feitas em conjunto com as pessoas vítimas - os abusos cometidos na Igreja da França.
A reportagem é publicada por Agência SIR, 08-11-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Um mês após a publicação do relatório choque, os 120 bispos católicos reunidos em Lourdes discutiram uma série de medidas para combater a criminalidade contra os menores na Igreja. “Fomos obrigados a reconhecer que a nossa Igreja é um lugar de crimes graves, de ataques terríveis à vida e à integridade de crianças e adultos. Isso não pode acontecer”, disse hoje o presidente dos bispos franceses. O que a Comissão Ciase descreveu em seu Relatório “não é a nossa Igreja. Não nos tornamos sacerdotes para participar, mesmo contra nossa vontade, de atos homicidas. Não somos cristãos para manter vivo um organismo perigoso para os outros. Nossa reação como bispos foi, portanto: este mal cometido, este mal existente, devemos assumi-lo. Devemos assumi-lo para libertar os que sofreram por isso e libertar a Igreja para que possa ser a Igreja de Jesus de Nazaré”. Sexta-feira passada, D. de Moulins-Beaufort havia anunciado pessoalmente à imprensa a decisão dos bispos de reconhecer a "responsabilidade institucional" da Igreja pelos abusos cometidos pelos sacerdotes e no âmbito religioso. Uma decisão que foi definida como necessária para “empreender um caminho de reconhecimento e reparação” e para abrir às vítimas uma possibilidade de “mediação e ressarcimento”.
“Fizemos isso - explicou hoje o presidente dos bispos -“pelo que a Ciase colocou na nossa frente”; “fizemos isso porque os fiéis, mergulhados na vergonha, o esperavam de nós”, mas “o fizemos sobretudo porque sentimos o olhar de Deus sobre nós”. “Fizemos pensando em cada uma daquelas crianças, meninos, meninas, adolescentes, que choram em segredo no fundo de sua alma e até o último dia da vida”. A decisão de sexta-feira e as medidas adotadas no final da assembleia "marcam um passo decisivo". São fruto do trabalho de muitas pessoas que hoje se juntaram aos bispos em Lourdes.
“É preciso dizer também - confessa de Moulins-Beaufort - que recebemos um grande impulso do Santo Padre durante as nossas visitas ad limina, impulso reforçado por nossas celebrações junto ao túmulo dos Apóstolos que nos colocaram de volta ao centro da nossa missão". Foram dias de "trocas densas e intensas", mesmo que breves. “O horário de trabalho comum tem sido limitado pelo tempo, esmagado pela massa de questões a serem levadas em consideração: as 45 recomendações contidas no Relatório Ciase. Entre todas, a pergunta: “por que tantos abusos e violências sexuais na Igreja Católica?”.
Em Lourdes, os bispos decidiram "constituir uma série de grupos de trabalho para refletir sobre os diversos aspectos do nosso governo diocesano ou nacional e apresentar-nos propostas". “Esses grupos serão liderados por um leigo, composto por membros do povo de Deus vindos de diferentes estados de vida”. Um processo que coincidirá com o caminho sinodal em que está empenhada toda a Igreja Católica. Na França, esse percurso começa com o “choque do relatório CIASE e é obrigada a olhar para o seu lado obscuro”. “Parece providencial para nós”, diz D. de Moulins-Beaufort. "A misericórdia de Deus revela o que é nossa vergonha, mas também nos permite ser libertados, talvez um dia curados, indicando ser um caminho de cura".
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