05 Março 2021
Óbitos por covid batem novo recorde e seguem em alta. Mas para agradar mercados financeiros, Senado rejeitou única medida capaz de assegurar lockdows efetivos. Auxílio pode ser de apenas R$ 250 — mas disputa segue na Câmara.
A reportagem é de Maíra Mathias e Raquel Torres, publicada por Outras Palavras, 04-03-2021.
Tudo indica que a pandemia no Brasil começou uma nova temporada de recordes sucessivos. Ontem o Ministério da Saúde confirmou 1.910 óbitos em 24 horas, um aumento de 16% em relação ao número divulgado pela pasta na véspera – que, por sua vez, tinha sido o maior até então.
Um pronunciamento de Jair Bolsonaro em cadeia nacional de rádio e TV estava previsto para as 20h30, mas foi cancelado, assim como o discurso que deveria ter acontecido na terça-feira. Mesmo sem aparecer, o presidente não escapou aos panelaços registrados em ao menos sete capitais: Rio, São Paulo, Porto Alegre, Salvador, Belo Horizonte, Curitiba e Brasília.
“Para a mídia, o vírus sou eu”, disse ele a apoiadores no Palácio da Alvorada, ainda de manhã. “Criaram pânico, né? O problema está aí, lamentamos. Mas você não pode entrar em pânico”, continuou, mais uma vez se pronunciando contra os fechamentos.
Mas ele tem a solução: um grande plano que só não foi posto em prática porque o STF não deixou… Pois é. A provocação veio após o pedido de secretários de saúde para que haja um toque de recolher nacional: “Se eu tiver poder para decidir, eu tenho o meu programa, o meu projeto, pronto para botar em prática no Brasil. Agora, preciso ter autoridade. Se o Supremo Tribunal Federal achar que pode dar o devido comando dessa causa a um poder central, que eu entendo ser legítimo e meu, eu estou pronto para botar o meu plano em prática”, afirmou o presidente. Desnecessário dizer que ele não deu nenhuma pista sobre o que seria tal “plano”.
Sua fala se refere, claro, ao famoso episódio do ano passado, quando o Supremo decidiu que estados e municípios têm autonomia para tomar as medidas de isolamento necessárias. Apesar de a Corte nunca ter retirado a responsabilidade da União de realizar ações e coordenar o enfrentamento à covid-19, o fato tem sido usado por Bolsonaro desde então para jogar na conta exclusiva dos gestores locais todos os problemas da pandemia, desde o desemprego até as mortes.
Os governos de São Paulo e Minas Gerais decretaram ontem quarentenas, além da prefeitura de Fortaleza.
No caso paulista, o estado inteiro entrará na fase vermelha no sábado, o que significa que estabelecimentos não essenciais como academias e restaurantes não podem ser abertos ao público. A decisão é que as escolas sigam abertas – o que aconteceu também no lockdown alemão, por exemplo. Tudo isso durará 15 dias, mas segundo a colunista Mônica Bergamo, médicos que aconselham o governador João Doria (PSDB) acreditam que o prazo terá que ser prorrogado. “A razão: o número de internações seguirá crescendo nos próximos dias, com pressão sobre todo o sistema de saúde e elevação da taxa de ocupação das UTIs do estado. Estudos mostram que em cerca de duas semanas o colapso pode ser total”, diz a coluna.
Em Minas, a região Noroeste, que tem como polo Patos de Minas, e a região Triângulo Norte, cujo polo é Uberlândia, entram hoje em quarentena. O governador Romeu Zema (Novo) criou uma nova “onda” no plano do estado, na qual a adesão é obrigatória para os municípios. Ao todo, as duas regiões têm 60 cidades. As medidas restritivas duram 15 dias, com fechamento do comércio não essencial, a autorização de circulação de pessoas apenas para atividades essenciais, a imposição de toque de recolher entre 20h e 5h, a suspensão de cirurgias eletivas, a proibição de reuniões presenciais, mesmo para pessoas da mesma família que não morem juntas, o uso obrigatório de máscaras e a instalação de barreiras sanitárias.
No Ceará, o governador Camilo Santana (PT) e o prefeito de Fortaleza, José Sarto (PDT), anunciaram que a capital cearense entra em “isolamento social rígido” a partir de amanhã. Na prática, o comércio considerado não essencial não poderá funcionar, mas os detalhes serão conhecidos com a publicação do decreto hoje. Por lá, a quarentena terá duração de 14 dias.
Bolsonaro, é claro, não perdeu mais uma chance de sabotar as medidas. A apoiadores disse: “No que depender de mim nunca teremos lockdown”.
A linhagem americana B.1.2, que circula nos Estados Unidos desde outubro do ano passado, foi identificada pela primeira vez no Brasil no dia 1º de março. Ela foi detectada em Minas Gerais no teste PCR de um médico de 29 anos, que já havia contraído o novo coronavírus. Ele havia acabado de voltar de uma viagem ao Rio de Janeiro, onde informou ter tido contato com estrangeiros.
E dados preliminares divulgados pelo Instituto de Medicina Tropical da USP indicam que a variante brasileira P.1. já é a predominante em Araraquara (SP), município que ficou marcado pelo recente colapso na saúde. Os pesquisadores analisaram 57 amostras coletadas de pacientes que foram atendidos em uma unidade básica de saúde entre 25 de janeiro e 23 de fevereiro. Resultado: 93% deles foram infectados com a P.1.
Sem o fim dos pisos da saúde e da educação, o Senado aprovou, em primeiro turno, a PEC Emergencial. Do jeito como está, o projeto sustenta a reedição do auxílio emergencial ao autorizar que os gastos com o benefício não fiquem sujeitos a regras fiscais.
O dia foi um carrossel de emoções para a equipe econômica que teve que lutar contra a intenção de lideranças partidárias de dar o mesmo tratamento ao Bolsa Família, retirando os R$ 34,9 bilhões previstos este ano para o programa do teto de gastos. Detalhe: a proposta tinha o aval de integrantes do Palácio do Planalto.
“Nos bastidores, o time de Guedes precisou agir e travou uma verdadeira batalha com a ala política em torno da questão. A revolta foi tão grande que houve ameaça de novas baixas na equipe”, diz o Estadão. O ministro da Economia ligou para o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e para Arthur Lira (PP-AL), da Câmara e argumentou que a flexibilização aumentaria o clima de desconfiança no mercado, já magoados pela troca na presidência da Petrobras. Veio deste último um sinal mais concreto. “Não há a intenção nem a vontade, nem eu acredito que aconteça nenhuma votação de PEC no Senado e na Câmara que ameace o teto de gastos”, disse Lira a jornalistas.
Depois disso, a equipe econômica conseguiu influenciar mais o relatório de Márcio Bittar (MDB-AC), que apresentou um limite para os gastos com o auxílio emergencial: R$ 44 bilhões.
Antes da votação do texto-base, porém, vários partidos tentaram desmembrar a PEC, propondo que a autorização para o auxílio acontecesse imediatamente, mas deixando toda a parte das contrapartidas fiscais para uma discussão que seguisse os trâmites normais nas comissões parlamentares. A proposta do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) foi rejeitada.
“A derrota dessa estratégia levou senadores da oposição a votarem contra a PEC, mesmo sendo a favor do auxílio emergencial”, relata a agência Senado. Com isso, o placar ficou 16 votos contra e 62 a favor – bem além dos 49 necessários. Na sequência, foram votados os destaques, que são as propostas de mudanças no texto principal. Todos foram rejeitados, incluindo um do PT, que definia em R$ 600 o valor do auxílio.
A análise em segundo turno, necessária para a aprovação de uma PEC, ficou para hoje a partir das 11h. Depois, a proposta segue para a Câmara.
É possível que a Câmara tenha mais força para influenciar o valor do auxílio emergencial. Isso porque começa a circular a notícia de que a equipe econômica quer gastar menos do que tem. Ao invés dos R$ 44 bilhões, a projeção gira em torno de R$ 35 bilhões e R$ 36 bilhões. O auxílio seria pago em quatro parcelas de R$ 250, com esse valor aumentando no caso das mulheres com filhos (R$ 375) e diminuindo para pessoas que moram sozinhas (R$ 150). Segundo O Globo, a justificativa de Guedes & cia é que “os valores das parcelas são suficientes para repor a perda de renda da população mais vulnerável”. O governo projeta atender 46 milhões de pessoas ainda em março.
O El País Brasil relata a articulação pluripartidária promovida pelo Fórum pela Democracia em torno da manutenção do valor de R$ 600 para o benefício: “Na terça-feira o grupo realizou um ato com presença de polos opostos do espectro ideológico: do deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP), integrante do Movimento Brasil Livre (MBL), à sua colega Fernanda Melchionna (PSOL-SP). Do presidente nacional do PSDB, Bruno Araújo, à deputada federal Erika Kokay (PT-DF). A entidade é tão plural que poderia até ser chamada de ‘frente ampla pelo benefício ampliado’, uma vez que conta com representantes do PT, Cidadania, MDB, PCdoB, PDT, Podemos, PSB, PSD, PSDB, PSOL, PV, Rede e outros”. Na ocasião, lideranças partidárias prometeram apresentar destaques à PEC Emergencial ou mesmo um texto substitutivo para melhorar o valor do benefício.
Ontem, o general Eduardo Pazuello fez um anúncio animador a membros da Confederação Nacional dos Municípios: o Ministério da Saúde havia acertado a compra de 99 milhões de doses da vacina da Pfizer e estava negociando um montante indefinido com a Janssen. Ele afirmou que pretendia fechar ainda ontem o negócio com a Pfizer.
Depois, porém, o ministro revelou que não é bem assim e que na verdade o tema ainda está em negociação. Ele e outros membros da pasta tiveram uma reunião ontem com representantes da Pfizer (um detalhe nada surpreendente apontado pelo repórter Matheus Vargas, do Estadão, é que o pessoal do ministério estava todo sem máscara, mesmo dividindo mesa em um ambiente fechado). Neste momento, o que existe de mais concreto é a publicação de avisos de dispensa de licitação no Diário Oficial. O impulso para a compra acontece após a aprovação pelo Congresso da lei que autoriza o poder público a assumir responsabilidade pelos efeitos adversos causados pelos imunizantes.
Segundo Pazuello, as tratativas envolvem 138 milhões de doses de ambos os imunizantes, mas com entregas pingadas até dezembro. O número foi divulgado num vídeo em que o ministro comenta a situação atual da pandemia no Brasil, sem jamais mencionar os últimos recordes. Na gravação, diz apenas que ontem foi um “dia difícil para os brasileiros”, mas o Ministério da Saúde não é uma “máquina de fabricar soluções”, e sim “seres humanos focados na resolução de problemas”.
Depois de muita pressão, agora o governo federal parece finalmente inclinado a tentar fechar os acordos possíveis para a compra de vacinas. Mas gestores não pretendem pagar para ver e, como o Congresso facilitou a aquisição direta, aumentaram sua movimentação nesse sentido.
Nove estados do Nordeste acertaram os termos de compra de 25 milhões de doses da Sputnik V. Não se trata, ainda, da produção do laboratório brasileiro União Química – são doses importadas da Rússia. O contrato ainda não foi assinado.
Enquanto isso, a prefeitura de São Paulo anunciou que vai formalizar a compra de cinco milhões de doses do imunizante da Janssen, tendo feito ontem uma primeira reunião com executivos da empresa.
E mais de 640 municípios já aderiram ao consórcio liderado pela Frente Nacional de Prefeitos, que vai negociar a compra em bloco. Nesse caso específico, a ideia não é comprar imediatamente, mas ter uma carta na manga caso o plano nacional não vá adiante.
Vale lembrar que a vacina da Janssen e a Sputnik V ainda não foram autorizadas pela Anvisa. A MP 1.026 prevê a aquisição antes do registro, mas precisa ser sancionada por Bolsonaro.
Quanto às Sputnik V, a colunista d’O Globo, Bela Megale aponta que a agência brasileira está esperando há mais de um mês por uma reunião com a embaixada da Rússia. O órgão mandou em janeiro uma lista de perguntas para serem enviadas à agência sanitária do país e havia a expectativa de que uma conversa por videoconferência acontecesse no fim daquele mês, mas ainda não houve resposta.
O laboratório Bharat Biotech informou ontem, em comunicado à imprensa, os primeiros dados dos ensaios de fase 3 com a Covaxin. Foi apontada uma eficácia global de 81% após duas doses. Trata-se ainda de um resultado preliminar, baseado em 43 infecções identificadas entre os voluntários – o protocolo estabelece um mínimo de 130 para que se faça a análise final. Além disso, como é de praxe em comunicados do tipo, há poucos detalhes.
De todo modo, o percentual é um bom presságio. Os testes foram feitos na Índia com 25,8 mil pessoas divididas em grupos iguais para receber a vacina ou um placebo. No primeiro grupo houve sete infecções sintomáticas; no segundo, 36.
Até o momento, o laboratório não entrou com nenhuma solicitação na Anvisa para o uso emergencial no Brasil, mas já foi feito um pedido de certificação da fábrica indiana que produz a Covaxin. Técnicos da agência estão lá neste momento, realizando a inspeção.
Depois do sucesso contra a covid-19, vacinas de mRNA podem vir a ajudar a proteger de uma das doenças infecciosas que mais matam mundo: a malária.
Mesmo após décadas de pesquisa – e mesmo com ela provocando 400 mil óbitos anuais, geralmente de crianças –, até agora só existe um imunizante aprovado para combatê-la. A vacina só tem eficácia de cerca de 30% e, ainda por cima, precisa de quatro doses, o que dificulta muito a aplicação em regiões mais pobres. O fato de que a doença não afeta os países ricos ajuda a explicar a falta de avanços.
Mas tem também outro problema: o parasita causador da malária possui várias táticas para escapar da imunidade. Com sua ação, o organismo não consegue produzir direito as células T, que protegem contra patógenos encontrados previamente. O uso das vacinas de mRNA pode dar certo porque, em vez de injetar no corpo um vírus morto ou inativado, elas têm apenas as instruções para que o organismo fabrique as células de defesa.
A novidade é que uma patente acaba de ser concedida para uma vacina contra a malária que usa essa abordagem. A pesquisa, porém, é antiga: segundo a matéria da Vox, já faz dois anos que foi testada em camundongos por pesquisadores da Universidade de Yale, com bons resultados. O estudo não fez muita vista na época, mas agora, com as portas abertas para esse tipo de tecnologia durante a pandemia de covid-19, as coisas mudaram. O próximo passo são os testes em seres humanos, então ainda pode dar tudo errado. Mas, se os resultados forem favoráveis, podem ser uma mudança e tanto na prevenção da doença.
A Controladoria-Geral da União (CGU) aceitou uma denúncia do deputado federal bolsonarista Alcíbio Nunes (PSL-RS) e abriu um processo contra professores universitários. O motivo? Eles fizeram críticas a Jair Bolsonaro. Entre os alvos do processo está Pedro Hallal, ex-reitor da Universidade Federal de Pelotas e epidemiologista responsável pelo Epicovid-19, o estudo sorológico que investiga o número real de infectados pelo SARS-CoV-2 – que foi abandonado pelo Ministério da Saúde por decisão do general Pazuello e, posteriormente, patrocinado por uma fundação privada.
Hallal optou por não seguir com o processo, mas assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) em que não reconhece a culpa, mas se compromete a não descumprir, durante dois anos, o artigo da lei 8.112 que proíbe que funcionários públicos promovam manifestação de apreço ou desapreço na repartição.
As críticas aconteceram no contexto das eleições para a UFPel, quando Bolsonaro não nomeou o primeiro colocado da lista tríplice. Mas Hallal já tinha ganhado a atenção do presidente antes, por conta da pandemia. “Três de quatro pessoas que morreram até hoje no Brasil de covid não deveriam ter morrido se o governo não tivesse cometido tantos erros. E obviamente, tenho que manter a minha posição científica. Não vou mudar minha posição científica por causa desse processo, ou de qualquer outro”, diz em uma entrevista à Agência Pública na qual detalha o caso.
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Em meio às mortes, governo bloqueia volta dos R$ 600 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU