25 Agosto 2020
"A pandemia de coronavírus expôs os limites dos cristãos de se reunirem em igrejas para rezar e celebrar a liturgia", escreve Bill Grimm, padre e missionário Maryknoll que vive no Japão, em artigo publicado por La Croix International, 24-08-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Assim como os cristãos no século XXI são herdeiros dos apóstolos e mártires da Igreja primitiva, os cristãos do Japão são herdeiros dos mártires e cristãos daquele país desde o começo do século XVII até o final do século XIX.
Os Vinte e Seis Mártires do Japão foram crucificados em 1597 em Nagasaki. (Imagem: Divulgação)
Isso é verdade, quer nós os fiéis modernos sejamos japoneses ou não, católicos ou não. A Igreja dentro da qual vivemos e realizamos os nossos cultos de adoração sofreu perseguição tão recentemente que eu conheço uma mulher cujo avô morreu como mártir. O restante de sua família – pais, irmãos e irmãs, tios e tias, primos e primas, sobrinhos e sobrinhas – sumiu em 09-08-1945, quando a bomba atômica explodiu sobre o bairro católico de Nagasaki. Ela era a única da família que estava fora da cidade naquele dia.
Durante os séculos de perseguição, os cristãos no Japão não tinham igrejas, não contavam com clérigos ou religiosos, não havia missas, nem instituições religiosas, tampouco estruturas diocesanas ou contato com o restante da Igreja no país ou fora. O que tinham era uns aos outros e um compromisso de manter, tão bem quanto possível, a fé que lhes fora passada e passá-la adiante às próximas gerações, mesmo sob o risco de morte.
Eram pobres, oprimidos e viviam em perigo perpétuo, porém rezavam e ajudavam os necessitados. Sob várias formas, essa foi a Idade de Ouro do cristianismo no Japão.
Esses cristãos sabiam que a igreja não era algum lugar para onde ir, mas algo para ser, algo a fazer.
Essa pandemia de coronavírus é uma oportunidade de aprendermos ou reaprendermos o mesmo hoje. Estamos tendo que ser fiéis sem muito daquilo que pensávamos ser essencial, simbolizado num prédio e no que vai em seu interior. Mas Deus está ainda conosco, estejamos nós em um prédio decorado com uma cruz ou não. A questão de fundo é: estamos nós com Ele?
Ao redor do mundo, há cristãos a clamar pela reabertura das igrejas para que possam exercitar o seu cristianismo. Ignoram o fato de que, confrontados com uma doença altamente contagiosa, a coisa mais cristã a fazer é proteger os demais seguindo o conselho dos especialistas na área da saúde.
Jesus jamais disse a seus seguidores para que se reunissem semanalmente em um lugar particular. Ele disse, isto sim, que seremos julgados por termos respondido, ou não, a ele em nossos irmãos e irmãs necessitados. Disse que, quando rezássemos, deveríamos nos retirar para um lugar particular e orar, em segredo, ao Pai que vê o que acontece, também em segredo.
Quando falou com a Samaritana junto ao poço, Jesus disse que os lugares não importam, que o que importa é a adoração “em espírito e em verdade”. A mulher lhe perguntou onde deveria adorar, no templo do Monte Gerizim ou no templo de Jerusalém. Sua resposta basicamente foi: “Nenhum dos dois”.
Nesse caso, precisamos de construções afinal, dado que podemos e devemos rezar em qualquer lugar e a qualquer momento? Sim e não.
Originalmente, os cristãos se reuniam nas casas. Além de perseguidas, as comunidades cristãs eram pequenas o suficiente para não precisar de construções especiais e eram pobres demais para erguê-las.
Com o tempo, na medida em que cresciam em número, as casas se modificaram para permitir encontros maiores. Os restos da construção mais antiga que conhecemos estão em Dura-Europos, na Síria. Seus afrescos, a arte cristã mais antiga que sobreviveu até nossos dias, estão em um museu na Universidade Yale, nos EUA.
Com o passar dos anos, conforme as comunidades cresciam, tais construções foram sendo adaptadas e erguidas para um uso litúrgico. A configuração com três alas (corredores) comum nas igrejas vem das basílicas (salões públicos) que foram transformadas em igrejas ou lhes serviram de modelo arquitetônico.
Desse modo, temos prédios nos quais nos reunimos em nome de Jesus de forma que o nosso discipulado possa ser confirmado, nutrido, confrontado, reafirmado e confortado.
Mas o discipulado é algo importante. Sem ele, os encontros não valem quase nada. E é esse o motivo por que esta pandemia é uma oportunidade para cada um de nós. O discipulado não exige um tipo especial de edifício ou um tipo particular de reunião.
Prédios, encontros aos domingos, orações públicas e hinos são os acompanhamentos da religião, mas não a essência do cristianismo.
O cristianismo não é uma religião. Ele tem ornamentos, mas a sua realidade mais básica é uma relação com Deus através de Jesus Cristo. Essas armadilhas “religiosas” ajudam em nosso compromisso e na celebração desta relação, mas não são a própria relação.
Agora que o perigo de contágio torna indisponíveis as igrejas e os encontros com um grande número de pessoas, somos convidados a nos concentrar naquilo que realmente é a nossa fé. É a oração, o serviço e a confiança que celebramos com os outros quando podemos, mas que devemos viver independentemente das circunstâncias.
Pouco a pouco, podemos nos reunir para dividir a Palavra, repartir o Pão e partilhar a fé. Podemos ser igreja, como foram os cristãos perseguidos do Japão.
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É legal termos, mas não precisamos de igrejas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU