24 Junho 2020
Como o Mosteiro das Pobres Claras, em Londres, permanece criativamente fiel à vida litúrgica da Igreja.
O artigo é de Patricia Rumsey, membra do Mosteiro das Pobres Clares, no norte de Londres, publicado por La Croix International, 22-06-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Como comunidade monástica, a liturgia é muito importante em nossas vidas. Na verdade, ela forma a estrutura da nossa vida diária. Com firmeza, endossamos as palavras que Anton Baumstark (1872-1948) usou para abrir o seu livro Liturgia comparada: “Na liturgia, tomamos consciência do coração vivo da Igreja”, escreveu ele, destacando a importância da oração pública do povo de Deus.
Então, quando ouvimos que a Inglaterra entraria em isolamento social geral (lockdown), que as igrejas deveriam ser fechadas e que não haveria mais celebrações públicas num futuro próximo, começamos a nos perguntar. Talvez a mais premente das perguntas que fizemos foi: “Como tantas outras pessoas, assistiremos às celebrações eucarísticas transmitidas on-line?” Depois de conversar em comunidade por longas horas sobre isso, decidimos que proceder assim seria regredir para um estilo de liturgia pré-Vaticano II.
Em vez de ser o Povo de Deus reunido em torno da mesa em união com o Cristo para louvar e agradecer ao Pai por sua bondade, a congregação estria reduzida a um conjunto de espectadoras invisíveis e silenciosas.
Ou, como uma querida amiga sucintamente expressou: “Isso parece ignorar todo o significado da Eucaristia e põe os leigos firmemente de volta em sua tarefa de serem os ‘observadores de nós, camaradas, a fazer as coisas importantes’”.
Decidimos que, como comunidade monástica, nossa oração diária é a Liturgia das Horas – o Ofício Divino, Opus Dei – durante o qual nos unimos com Senhor, “constantemente a fazer intercessão por nós” perante o Pai.
Portanto, a coisa liturgicamente lógica a fazer, na ausência de uma celebração eucarística, foi extrair mais das nossas celebrações do Ofício Divino. Fizemos isso estendendo as leituras para incluir as leituras do missal.
A pergunta a seguir foi: “O que faremos na Semana Santa e no Tríduo Pascal?”
Estando a Arquidiocese de Westminster incapaz de nos fornecer um capelão, dependemos do clero paroquial local (que já está sobrecarregado). Um amigo, membro da Sociedade Missionária de São José de Mill Hill, havia, ainda antes do isolamento social imposto pela Covid-19, tinha se oferecido para celebrar a Semana Santa conosco. Essa celebração já não seria mais possível.
Contudo, não tínhamos a intenção de renunciar à celebração do Mistério Pascal, o ponto alto do ano litúrgico e “o penhor de nossa redenção”, simplesmente porque não teríamos um clérigo no meio de nós. E assim começou uma série de celebrações cuidadosamente pensadas.
O Domingo de Ramos foi comparativamente simples.
Nós nos reunimos na Sala do Capítulo, seguimos as orações previstas para o culto no missal, distribuímos os ramos, os abençoamos com água benta e formamos a nossa procissão habitual de volta ao Coro monástico. Em seguida, sentamos em círculo e fizemos uma leitura dramática da Paixão, trazendo-a, vividamente, à vida.
A Quinta-feira Santa é especial, pois nela sempre fazemos as nossas próprias celebrações comunitárias. Nós nos reunimos na Sala do Capítulo no final da tarde, celebramos a comunidade que formamos, tanto em seus aspectos positivos quanto negativos.
Solenemente, proclamamos o lava-pés segundo o relato do Evangelho de São João e, então, a abadessa passou a lavar os pés de cada irmã e antes de lavarmos os pés umas das outras para cumprir as palavras de Jesus.
Depois disso, realizamos um jantar solene no refeitório, que foi lindamente decorado com flores e toalhas de mesa brancas. A abadessa serviu cada irmã com um pão partido e vinho caseiros.
Tudo isso fizemos como de costume e, depois, fomos para o Coro das Vésperas da Ceia do Senhor, o que concluímos levando o Sacramento em procissão do tabernáculo do Coro para o Altar de Repouso. Na sequência, cantamos as Completas (Oração Noturna) e houve, como sempre, uma vigília no Altar de Repouso.
A Sexta-feira Santa apresentou certa dificuldade. Após as duas primeiras leituras, novamente realizamos uma leitura solene e dramatizada da Paixão do Evangelho de João, o que foi seguido pela oração universal do missal.
De acordo com os costumes, carregamos solenemente uma simples cruz de madeira, acompanhada de castiçais, ao longo do Coro até a proclamação de Ecce Lignum Crucis. Prosseguimos com a veneração comunitária da cruz e, mais tarde, cantamos novamente as Completas como a nossa última oração litúrgica do dia.
O Sábado de Aleluia precisou de mais reflexão e planejamento. Ele é tradicionalmente um dia vazio, em termos litúrgicos. É um dia de espera e vazio; para nós, é um dia de limpar a casa e de preparação para a grande festa que está por vir.
Reunimo-nos para a Vigília da Páscoa no crepúsculo de uma tarde de abril, em um pátio do lado de fora do Coro. Aí, começamos a bênção milenar do novo fogo e da Vela Pascal. O ritual, embora tão familiar, ainda tem o poder de despertar emoções primordiais no fundo do coração.
Em seguida, nos dirigimos para dentro do Coro com a grande Vela Pascal e nossas próprias luzes menores, para o alegre canto de Lumen Christi, que entoamos com entusiasmo incomparável, alcançando o clímax no glorioso Exultet da Páscoa.
Na sequência, fizemos as leituras da Vigília e, após, bênçãos da nova água benta. Este ano foi mais fácil entender o seu significado original: agradecer a Deus por uma parte fundamental de sua criação, em vez da imposição de alguma qualidade quase mágica extrínseca por um ato de poder da parte de um clérigo.
Renovamos as nossas promessas batismais com toda a alegria de sempre. A celebração concluiu com a proclamação solene da Páscoa e com o canto da coleta de dízimo pascal.
O Domingo de Páscoa começou com uma celebração gloriosa das Laudes (Oração da Manhã) e, depois, com um café da manhã muito festivo.
Decidimos que, considerando todas as coisas, a nossa celebração do Mistério Pascal fora extremamente satisfatória e, sob muitos aspectos, o seu significado chegou até nós talvez mais claramente do que nunca.
Isso porque tivemos de pensar no significado das cerimônias, tanto litúrgica quanto teologicamente, além de planejar e executá-las por nós mesmas.
Estas coisas certamente nos convenceram de que uma mulher pode presidir as celebrações com a mesma eficiência de um homem. E, tendo em mente o papel que as mulheres desempenharam durante a primeira Semana Santa, elas talvez o façam de maneira ainda mais apropriada.
O título original deste artigo era “Uma Páscoa sem padres”, porque não temos um capelão, um presbítero, ligado à nossa comunidade. Mas, depois de uma conversa com um amigo teólogo, percebi que a ceia de Páscoa nunca foi uma atividade sacerdotal. Pelo contrário, sempre foi, como no tempo de Jesus, uma celebração de cada lar, entre os membros da família.
Portanto, esse é um relato de como um lar, uma família religiosa, dentro da casa mais ampla de Deus, o oikoumene, celebrou o Mistério Pascal feliz e com sucesso, sem a presença de um presbítero.
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Liturgia em quarentena: o mistério pascal sem um presbítero - Instituto Humanitas Unisinos - IHU