21 Agosto 2020
“Encontrando esperança na nova América” foi o tema do congresso de verão do Instituto Napa deste ano, nos Estados Unidos, uma reunião de elite que reúne filantropos católicos conservadores, lideranças leigas e prelados do alto escalão. Mas, nas mais de 40 sessões do congresso virtual de 2020, a virtude da esperança, que aparecia no título, parecia estar em falta.
A reportagem é de Christopher White, publicada por National Catholic Reporter, 19-08-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Pelo contrário, o medo provou ser um tema dominante nas falas deste ano, a maioria das quais foram pré-gravadas e publicadas online nos dias 14 e 15 de agosto, quando os participantes foram alertados sobre o potencial “sequestro do movimento dos direitos civis”, enquanto as tensões raciais persistem em todo o país, e a ascensão do “grande governo”, evidenciada por certas medidas tomadas para combater a disseminação do coronavírus.
A lista dos oradores deste ano incluiu o biógrafo papal George Weigel, o cardeal australiano George Pell, o fundador do Focus, Curtis Martin, e o ex-senador Rick Santorum, muitos dos quais advertiram, nas palavras de Weigel, que “os Estados Unidos têm ouvido uma falsa história sobre si mesmos” por parte das elites seculares, e que os cristãos estão cada vez mais sob ataque na praça pública.
Weigel encorajou os participantes a se prepararem para fazer uma “boa defesa legal” nos próximos anos, especialmente na luta pela liberdade religiosa. Da mesma forma, Santorum disse que, para proteger a “fragilidade da liberdade”, os católicos devem possuir o mesmo nível de paixão que “os Antifa e outras organizações de esquerda e ateias”.
Fundado em 2010, o Instituto Napa se inspira no seu ex-conselheiro eclesial, o recém-aposentado arcebispo Charles Chaput, da Filadélfia, que, no artigo “Os católicos e a próxima América”, alertou contra a crescente ameaça da secularização.
Em resposta, na última década, os católicos se reuniram a cada verão no elegante Meritage Resort and Spa, uma propriedade do cofundador do Napa, Tim Busch, para a tripla missão de participar de liturgias, formação da fé e fraternidade, atraindo multidões de cerca de 700 participantes.
A fraternidade se mostrou especialmente desafiadora este ano, já que os participantes – que normalmente desembolsam mais de 2.000 dólares por pessoa, além das taxas de hotel de cerca de 500 dólares por noite e estão acostumados a recepções noturnas com vinho à vontade das adegas Trinitas, de propriedade da família Busch, além de charutos – foram forçados a sintonizar em seus laptops ou aparelhos de televisão em casa.
O preço de inscrição para o evento neste ano, apenas 189 dólares, foi consideravelmente menor do que nos anos anteriores, mas era possível escolher um pacote de grupo por 1.000 dólares. Aqueles que optaram por esta última opção receberam uma caixa de vinho Trinitas e charutos.
Busch observou que foi informado de uma dessas reuniões no norte da Virgínia que contou com 75 pessoas presentes (embora ele não tenha mencionado se isso estava em conformidade com as diretrizes do Estado sobre grandes reuniões de grupos).
Busch também pôde divulgar as linhas exclusivas de sua vinícola por meio de comerciais durante o evento. Já tendo feito vinhos exclusivos para os papas Bento e Francisco, ele deve lançar até o fim do ano uma nova linha: “The Two Popes”.
Embora os participantes do Instituto Napa estejam acostumados a aproveitar o sol da Califórnia, o mais próximo a que os participantes deste ano puderam chegar dessa experiência foi através das apresentações iniciais pré-gravadas de Busch, o presidente do Napa, o padre jesuíta Robert Spitzer, o diretor executivo, John Meyer e o mestre de cerimônias Pe. Ambrose Criste, gravadas nos estúdios da EWTN, em Orange County.
Essas quatro sessões de meia hora prepararam o palco para as falas dos outros apresentadores, sendo que o quarteto ofereceu suas principais conclusões e destacaram temas sobrepostos – entre eles, a condenação da organização Black Lives Matter como ateia e marxista, e um alerta de Criste de que “provavelmente não se trata de raça, em absoluto, se você aprofundar a questão”.
Em uma palestra intitulada “Despertar estadunidense: política identitária e outras aflições do nosso tempo”, o professor de governança da Universidade de Georgetown, Joshua Mitchell, alertou que os Estados Unidos transferiram a sua religião para o âmbito da política, no qual a identidade está no centro de todas as principais decisões e debates.
“Deus não está em lugar algum no esquema de contabilidade da política identitária. Nem o perdão, que apagaria todas as contas e nos deixaria sem contas a acertar”, disse ele, observando especificamente que “homens heterossexuais brancos” devem suportar a culpa de todas as transgressões passadas.
Embora ele tenha feito a ressalva de que não estava dizendo que os homens brancos heterossexuais são todos inocentes, ele disse que “o que quer que a lei diga sobre a nossa inocência, a presunção da política identitária é de que o homem ou, melhor, o homem heterossexual branco é culpado”.
“Esta é uma reversão perigosa das normas legais que a tradição anglo-americana levou séculos para desenvolver e firmar”, alertou. “Todos os outros – mulheres, negros, hispânicos, pessoas LGBTQ – têm seus pecados de omissão ou de comissão encobertos ao usar esse grupo como bode expiatório.”
Outra palestra, de Louis Brown, diretor executivo da Fundação Christ Medicus, ofereceu uma condenação abrangente de uma “cultura da morte” nos Estados Unidos – uma cultura na qual, segundo ele, 19 milhões de bebês afro-americanos são abortados a cada ano, policiais são todos demonizados, e os distúrbios levaram a um “sequestro do movimento pelos direitos civis”.
O “Projeto 1619”, do New York Times, também foi o assunto de várias críticas dos oradores. O historiador da Universidade de Princeton Allen C. Guelzo rotulou os esforços da iniciativa para datar a fundação estadunidense como o ano em que os primeiros escravos africanos chegaram à colônia da Virgínia (em vez da data histórica de 1776) é um exagero “egrégio” que “tem muita paixão e pouca realidade”.
Ele também alertou que o projeto “nos deixa com a suspeita de que o capitalismo está de alguma forma contaminado pela escravidão”, o que contribuiu para a adoção do socialismo pelos estadunidenses mais jovens.
Weigel também criticou o projeto, acrescentando que “os efeitos dessa narrativa distorcida da história estadunidense estão por toda parte. Eles são inconfundíveis e onipresentes”.
Outro orador, Robert Woodson Sr., que lidera uma contrainiciativa, “1776 Une”, disse que o “Projeto 1619”, assim como a reação atual em torno da recente morte de George Floyd, um homem negro desarmado que foi morto por um policial em Minnesota em maio, são exemplos de como “a esquerda” explora o “passado racista” do país.
Woodson disse que, como conservador negro, ele apoiou a intervenção do governo nos anos 1960, mas disse que os liberais agora tentam “convencer os Estados Unidos de que os problemas enfrentados hoje pelos negros dos centros urbanos são uma consequência do legado da escravidão e da discriminação”. Ele disse que rejeita a ideia de racismo sistêmico, dizendo aos participantes: “Eu não sei o que isso significa”, e disse que os Estados Unidos “precisam ser definidos pela promessa que fizeram”.
Embora os congressos anteriores do Napa tenham destacado mais os debates eclesiais internos, como os recentes sínodos do Vaticano e os escândalos dos abusos clericais, apenas alguns palestrantes deste ano discutiram assuntos internos da Igreja.
O bispo auxiliar de Los Angeles, Robert Barron, usou seus comentários para repreender os tradicionalistas católicos que têm questionado a legitimidade do Concílio Vaticano II.
“O Concílio é um ensino estabelecido”, disse ele, afirmando que agora é a hora de continuar “com a grande obra do Vaticano II”. Ele lamentou o questionamento de um concílio ecumênico e a depreciação relacionada ao Papa Francisco, particularmente evidenciada nas redes sociais, como um declínio no estado do debate católico.
Pell, que saiu da prisão em abril, depois que o mais alto tribunal da Austrália rejeitou as condenações por abuso sexual contra ele, disse aos participantes que, durante seus 13 meses atrás das grades, ele se ocupou com a redação de um diário e com o acompanhamento das notícias mundiais e dos assuntos da Igreja.
O cardeal australiano mencionou especificamente o monitoramento dos últimos acontecimentos do Brexit, descrevendo-se como um “grande apoiador” dos esforços do Reino Unido para deixar a União Europeia, e disse que, embora estivesse inicialmente preocupado com o Sínodo dos Bispos para a Amazônia em outubro passado no Vaticano, “pelo que eu posso ver, não houve muitos danos”.
Pell também agradeceu ao público estadunidense pelo apoio que ele recebeu durante a prisão por parte de “muitos, muitos amigos” dos Estados Unidos, incluindo cartas que recebeu dos cardeais Timothy Dolan, Roger Mahony, Edwin O’Brien e Raymond Burke.
Ele encorajou os participantes a permanecerem firmes diante dos “tempos difíceis para a Igreja”, dizendo que a Igreja global depende da Igreja nos Estados Unidos.
“Quanto mais você se adapta ao mundo, mais rápido a Igreja Católica fecha as portas”, disse ele.
Embora as disputas internas da política da Igreja possam ter ficado em segundo plano neste ano, muitas das conversas ofereceram refrões semelhantes que encorajaram os católicos a se engajarem na vida política do país, para não serem expulsos dela.
“O presidente Trump tem sido absolutamente destemido na questão da vida”, disse Roger Severino, diretor do Escritório dos Direitos Civis do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos. “Ele é um defensor dos nascituros. A forma como ele fala sobre a vida vem do coração, e ele dá continuidade a isso por meio de suas políticas.”
Antecipando as eleições deste ano, Santorum, um comentarista regular da CNN, disse aos participantes que espera que as lideranças da Igreja sejam rápidos em denunciar os políticos que discordam do ensino da Igreja sobre o aborto ou o casamento, mas não quer que eles “se envolvam em programas agrícolas e projetos de desenvolvimento econômico e a moral de todas essas coisas”.
“Eu acho isso altamente problemático e inapropriado. Eu acho que, muitas vezes, a Conferência dos Bispos se envolve em questões que, francamente, não são absolutos morais e são áreas de julgamento prudencial”, alertou.
“E, francamente, acho que eles deveriam ficar longe dessas coisas. As questões mais estreitas e claras que são ensinamentos inequívocos da Igreja são o caminho no qual a Igreja tem a maior autoridade e, como resultado, tem a maior persuasão”, continuou. “Quando eles passam para o campo de uma variedade de outras questões, como os tratados de proliferação nuclear, você apenas dilui a sopa e a torna ineficaz.”
Em uma das únicas três palestras proferidas por mulheres, Mary Hasson, que dirige o Fórum de Mulheres Católicas no Centro de Ética e Políticas Públicas, disse aos participantes que o mundo moderno rejeitou o significado do corpo, como evidenciado pelos debates atuais sobre o aborto e os direitos dos transgêneros.
“Pelo fato de as mulheres estarem tão confusas sobre quem nós somos, os homens ficam muito confusos sobre quem eles são também, porque o feminismo atacou essa ideia da masculinidade também”, lamentou ela, dizendo que a revolução sexual se deveu em grande parte ao fato de que a sociedade “perdeu Deus de vista”.
“Ao rejeitar a maternidade com a adoção da pílula e do aborto como meios de autonomia e de igualdade, as mulheres se alienaram de si mesmas”, disse ela.
Tim Gray, presidente do Instituto Augustine, encorajou os participantes a entenderem a sua cidadania como o elemento central da sua identidade, que, em última análise, está no céu, mas requer ousadia no mundo atual.
“Nosso papel é tornar o projeto estadunidense fiel a Deus”, disse ele.
“Não podemos capitular diante de uma multidão secular”, disse Gray, alertando que os cristãos devem “permanecer firmes” para evitar mais perseguições. “Estamos dispostos a nos levantar para dizer que o casamento é entre um homem e uma mulher? Estamos dispostos a dizer que o Natal é Cristo?”
“Se não nos pronunciarmos, correndo o risco de perder nossos empregos ou de deixar as pessoas desconfortáveis, quando falaremos?”, perguntou Gray aos participantes.
Como a pandemia da Covid-19 forçou o cancelamento de várias conferências e eventos durante estes meses, o Instituto Napa divulgou um vídeo em maio insistindo que seu congresso marcado para julho continuaria sendo presencial.
“Que oportunidade para nos reunirmos como família católica para compartilhar a amizade e participar de belas liturgias”, disse Busch na época. “Este congresso nos dará algo pelo que esperar. E nós tomamos todas as precauções para que ele seja mais seguro do que nunca.”
No entanto, quando o governador da Califórnia, Gavin Newsom, instituiu novas diretrizes para grandes encontros em julho, o congresso foi forçado a mudar para um formato virtual.
Mesmo assim, ao longo das sessões, os painelistas alertaram que o fechamento de igrejas – e até mesmo de muitas lojas e eventos – durante a pandemia foi um exemplo da ameaça do “grande governo”, que os católicos podem esperar que vai aumentar, caso os progressistas tenham sucesso.
“Se você quer alguma pista do que está por vir, veja o que aconteceu quando a Covid apareceu”, alertou Santorum. “Você viu um medo real nos corações dos estadunidenses. E, junto com isso, um tremendo aumento no governo, afirmando poder e autoridade sobre as pessoas. E as pessoas obedeceram. Agora, com bons motivos, em muitos casos, por causa da preocupação com a pandemia. Mas uma das coisas mais interessantes é que alguns dos políticos mais populares dos Estados Unidos são os que mais controlam, que ‘querem’ proteger as pessoas, reafirmando o mandato do governo.”
O bispo Thomas Paprocki, de Springfield, Illinois, usou a sua fala para aplicar a linguagem tradicional da teologia moral católica dos “meios ordinários versus meios extraordinários” – frequentemente aplicada quando se trata dos cuidados no fim da vida – à pandemia.
“Será que temos a obrigação moral de fechar a nossa sociedade, de exigir que as pessoas fiquem em casa, de tirar os empregados dos seus trabalhos, de mandar as empresas à falência, de prejudicar a cadeia de abastecimento alimentar e de impedir que os fiéis vão à igreja?”, perguntou ele.
“Eu diria que não. Isso seria impor meios excessivamente pesados e extraordinários. Embora algumas pessoas possam adotar voluntariamente tais meios, apenas os meios ordinários que não são indevidamente onerosos são moralmente exigidos para preservar a vida tanto por parte dos indivíduos quanto da sociedade como um todo.”
No entanto, se o evento “Encontrando esperança na Nova América” trazia advertências de que a liberdade pode ser rapidamente retirada e de que o projeto estadunidense é frágil, Busch ofereceu a sua própria declaração de otimismo questionável aos espectadores em casa.
“Eu não sou cientista, mas, ao ler todos os cientistas e assim por diante, nós, nos Estados Unidos, estamos nos aproximando da imunidade coletiva e podemos superar esse problema médico até o fim de setembro ou outubro”, disse ele, apesar dos relatórios médicos dizerem o contrário.
“O maior problema vai ser: nós acreditamos nisso?”
Embora o congresso de outubro do Instituto Napa sobre “Woke Capitalism” [capitalismo desperto] também tenha mudado para um formato virtual, Busch assegurou aos participantes que, no próximo ano, ele espera recebê-los de volta ao Napa Valley.
“Estamos prestes a superar isso”, garantiu ele. “E eu acho que esses confinamentos vão chegar ao fim nas próximas semanas.”
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Cristãos sob ataque: o temor dos conservadores católicos dos EUA - Instituto Humanitas Unisinos - IHU