09 Julho 2020
"Cabe perguntar com as estátuas de quem se substituirão aquelas removidas. Que pessoa, de fato, poderia esperar escapar do machado de um julgamento póstumo, mesmo de séculos? Deveríamos nos render à ideia de abandonar completamente a celebração de homens mortais com estátuas e monumentos? Pouco mal, se parássemos nisso. Mas não seria o caso tomar nota que somos criaturas imperfeitas, e que a única perfeição terrena é aquela falsa e mutável proposta pelas ideologias do momento?", questiona Simone M. Varisco, em artigo publicado por Caffè Storia, 08-07-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
A Igreja Ortodoxa Russa lança o alarme: o movimento Black Lives Matter está revelando sua natureza anticristã. É realmente assim?
Certamente os ataques a Constantino - através de sua estátua - não ajudaram. O imperador, venerado como santo pelas igrejas ortodoxas (para a Igreja Católica, é apenas sua mãe, Helena) e entre os símbolos mais caros para o cristianismo oriental, é acusado pela vertente britânica do movimento Black Lives Matter de ter promovido a escravidão. No centro da disputa, justamente, a estátua de Constantino, o Grande, que fica perto da catedral de York Minster, na Grã-Bretanha. Contestações que, entre outras coisas, colocaram o imperador do século IV na pouco invejável posição do mais antigo "indesejável", destronando por mais de um milênio o "jovem" Cristóvão Colombo. Era de se esperar, como previsto nessas mesmas páginas há algum tempo.
Seja como for, o Patriarcado Ortodoxo de Moscou não aceitou o fato muito bem, e pela boca de Mons. Savva (Tutunov), vigário do Patriarca de Moscou, lançou o anátema: "Nos Estados Unidos, Grã-Bretanha e outros países - disse Mons. Savva através do seu canal Telegram - o movimento Black Lives Matter se torna cada vez mais anticristão e, ao mesmo tempo, hostil à nossa civilização”. Palavras fortes, com as quais o vice-diretor do Patriarcado de Moscou pretende destacar como a verdadeira natureza do movimento BLM "está se tornando cada vez mais evidente".
Enquanto isso, o Reitor da catedral de York Minster informou que a permanência no local da estátua de Constantino será examinada à luz das críticas movidas pelos ativistas. Mas na Grã-Bretanha o imperador não é o único a arriscar um despejo póstumo. O arcebispo de Canterbury e primaz da Igreja Anglicana, Justin Welby declarou que as estátuas atualmente presentes na Catedral de Westminster e na Abadia de Canterbury serão objeto de avaliação para determinar sua idoneidade para se manter no lugar.
No âmbito das demonstrações do Black Lives Matter, surgiram elementos religiosos desde os primeiros dias de protesto nos Estados Unidos. Vários pastores da comunidade cristã afro-americana haviam destacado o inédito envolvimento das comunidades evangélicas "brancas", tradicionalmente mornas em relação às lutas contra o racismo. Além disso, numerosos expoentes da Igreja Católica nos Estados Unidos haviam formalmente aderido ao movimento de protesto, indicando as reivindicações iniciais contra qualquer forma de discriminação baseada na etnia como sendo em sintonia com a universalidade do Evangelho.
Agora, referir-se ao movimento Black Lives Matter como um bloco homogêneo seria, no entanto, um erro. Com o passar das semanas e a difusão para outros países, inclusive os europeus, o movimento mudou profundamente, gerando ramificações cujos objetivos agora parecem distantes da luta pacífica inicial contra o racismo. Por exemplo, se relatam atos de vandalismo ou contestação direcionada contra comunidades cristãs, incluindo a comunidade católica. Nas últimas semanas, nessas mesmas páginas, havia se tratado de ataques sofridos por muitas igrejas católicas nos Estados Unidos e no México, que se misturavam com reivindicações de supostas conquistas da civilização ocidental, aborto e gênero acima de tudo.
Como era previsível, também a iconoclastia laicista, a luta contra as estátuas dos "inimigos" dos nossos atuais valores civis - figuras históricas na maioria antigas de séculos - rapidamente entrou em colisão com o mundo cristão, especialmente o mundo católico. Regurgitação de tinta misturada com ignorância. No começo, foi a pincelada de tinta com que se cobriu todas as nuances de espiritualidade do homem Cristóvão Colombo, crente. Depois começaram as contestações contra São Junipero Serra, missionário espanhol da Ordem dos Frades Menores, fundador de várias missões na Califórnia, proclamado santo pelo Papa Francisco em 2015, mas acusado - com um simplismo embaraçoso - de ter desempenhado um papel no genocídio cultural (se não físico) dos nativos americanos. Nos últimos dias, uma missão católica na Califórnia, em San Jose, em Fremont, foi vandalizada com pichações sobre o tema.
E o que dizer das acusações - por mais ridículas que sejam, após mais de setecentos anos - contra Luís IX, rei da França, venerado pela Igreja como um santo em virtude de sua obra em favor dos pobres? Ele teria queimado cópias manuscritas de textos religiosos judaicos e exibido comportamento islamofóbicos. Em ambos os casos, atitudes cheias de significados religiosos, políticos e sociais na Idade Média, que é difícil julgar à luz dos parâmetros atuais.
Cada vez mais frequentemente, grupos de fiéis cristãos, às vezes com o apoio de seus respectivos bispos, se veem tendo que se opor à deriva iconoclasta laicista. Aconteceu em Breda, nos Países Baixos, depois que alguns vândalos picharam as letras "BLM" (Black Lives Matter) em um ícone de Nossa Senhora de Częstochowa, veneração particularmente cara pela comunidade polonesa e não só (que, nesse caso, a Nossa Senhora é notoriamente "negra" e que o ícone foi colocado em memória da libertação da cidade dos nazistas, são detalhes).
Além disso, aconteceu com o arcebispo de São Francisco, D. Salvatore J. Cordileone, contatado por dezenas de fiéis em 27 de junho para uma oração a São Miguel Arcanjo após a demolição de uma estátua de São Junipero Serra no Golden Gate Park. E, ainda, com o bispo de Madison, Estados Unidos, Mons. Donald J. Hying, após a destruição de algumas imagens de Cristo e da Virgem Maria pelas mãos de supostos ativistas do Black Lives Matter. "Algumas estátuas deveriam ser transferidas para museus ou depósitos? Talvez. Deveríamos deixar que seja um grupo de vândalos a tomar essa decisão por nós? Não", escreveu o bispo em uma carta.
As nossas sociedades, como é evidente há anos, estão cada vez mais orientadas para parâmetros constantemente variáveis, totalmente relativos e relativísticos. Antigamente se chamariam "valores", mas o termo agora é inaplicável. As atuais reivindicações iconoclastas também são o produto desse tipo de sociedade. À luz disso, cabe perguntar com as estátuas de quem se substituirão aquelas removidas. Que pessoa, de fato, poderia esperar escapar do machado de um julgamento póstumo, mesmo de séculos? Deveríamos nos render à ideia de abandonar completamente a celebração de homens mortais com estátuas e monumentos? Pouco mal, se parássemos nisso. Mas não seria o caso tomar nota que somos criaturas imperfeitas, e que a única perfeição terrena é aquela falsa e mutável proposta pelas ideologias do momento?
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Black Lives Matter é um movimento anticristão? Para a Igreja ortodoxa russa, sim - Instituto Humanitas Unisinos - IHU