04 Junho 2020
O filósofo de Princeton Michael Walzer adverte: “O assassinato de George Floyd pode ser o evento da reeleição de Trump. A menos que surja uma liderança capaz de transformar o protesto em um movimento político não violento”.
A entrevista com Michael Walzer é editada por Paolo Mastrolilli, publicada por La Stampa, 03-06-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Existe nos EUA um problema de racismo sistêmico?
Sim, obviamente. Não está claro por que um episódio produz dias de fúria, por que há décadas a polícia mata cerca de mil estadunidenses por ano. Mas depois tudo se acalma, e os agentes voltam a matar. Especialmente os negros, mas também os hispânicos e brancos. Esses protestos não parecem diferentes ou mais eficazes do que aqueles do passado.
Além dos homicídios feitos pela polícia, há um racismo é sistêmico?
Sim. Os agentes não apenas matam o dobro de negros, mas o coronavírus também os atingiu mais. Temos uma subclasse negra muito vulnerável. O Movimento dos Direitos Civis criou uma classe média afro-americana, mas não resolveu os problemas das pessoas negras nas cidades, onde ainda estão expostas a enormes perigos.
Se esse protesto não for suficiente, o que poderia ser útil?
É deprimente o quanto seja desorganizado, sem liderança e disciplina. Lembro-me das manifestações dos anos 1960, onde os black marshall impediam a violência. Os protestos de hoje expressam uma raiva legítima, mas ficou provado que cada incidente de saque empurra os EUA para a direita.
Então, Trump se beneficia?
O homicídio de Floyd poderia reelegê-lo. É animador ver tantas pessoas boas na praça, mas a incapacidade da esquerda de controlar a violência e os saques é assustadora. A comunidade negra é desorganizada, não há nenhum líder como Martin Luther King ou seus representantes, e os partidários brancos são ainda mais inexistentes.
O que você acha de Trump sendo fotografado com a Bíblia?
Tenho certeza que ele nunca a leu. Na marcha de Selma, no entanto, havia líderes religiosos protestantes, católicos e judeus: onde eles estão hoje? Eles deixam Trump representar a fé?
Donald Trump, erguendo uma Bíblia, em frente à Igreja Episcopal de St. Johns (Foto: Ninian Reid | Flickr CC)
Mas mostrar a Bíblia funciona para a sua base.
Claro. E os verdadeiros líderes religiosos ficam em silêncio, permitindo que ele se aproprie da fé para seus propósitos políticos.
Donald Trump e Melania Trump no Santuário São João Paulo II. Foto: CNS
Como você julga a mobilização dos militares?
Isso cria um sério problema constitucional, poderiam recusar.
Qual seria a reação dos cidadãos estadunidenses?
Se houvesse um embate entre Trump e os generais, acredito que o povo ficaria do lado dos militares.
E se os militares obedecessem?
Haverá dezenas de causas, e talvez até essa Suprema Corte atual não apoiaria Trump quanto ao uso interno de soldados.
Uma liderança séria poderia transformar o protesto em um movimento político para mudar o país nas urnas?
É o que é necessário, mas há poucos sinais deste tipo. É certo que parte da violência vem da extrema direita, há prova disso, mas muito também vem da esquerda. Eles pensam que estão servindo à causa da revolução e, em vez disso, jogam a favor da direita.
E se o protesto levar os negros a votar?
Isso pode mudar o resultado das eleições presidenciais ou equilibrar os eleitores brancos suburbanos que deixarão os democratas por causa da violência. Uma forte participação de negros teria conquistado a vitória para Hillary em 2016, e os jovens também serão cruciais.
Biden poderia ser o líder que unifica esse movimento?
Estou cruzando os dedos. Não possui a força, o carisma e a eloquência de Obama, mas se o surto de violência não muda as coisas, há a possibilidade de representar os EUA que as pessoas querem. Eu gostaria que fosse mais transformador, mas também precisamos de normalidade, valores americanos, para restaurar nossa reputação no mundo. Talvez ele consiga.
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“Se o protesto continuar violento, Trump vencerá as eleições”. Entrevista com Michael Walzer - Instituto Humanitas Unisinos - IHU