21 Fevereiro 2020
Com a "renúncia" de Reinhard Marx e Annegret Kramp-Karrenbauer, a Igreja Católica e a CDU perdem dois líderes do progressismo da Alemanha católica. Agora, estão à procura de um sucessor.
O comentário é de Simone M. Varisco, publicado por Caffè Storia, 20-02-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Há passos para trás destinados a ter consequências. Um é aquele do cardeal Reinhard Marx, arcebispo de Munique e atual presidente da Conferência Episcopal alemã, que, em vista a assembleia geral da Igreja na Alemanha, que ocorrerá em Mainz de 2 a 5 de março, anunciou que não se colocará à disposição para um segundo mandato à presidência da Conferência Episcopal. Oficialmente para dedicar-se à arquidiocese de Mônaco e "abrir espaço para os jovens" (atualmente o cardeal alemão tem 66 anos, certamente não é um recorde na Igreja), mas o que deve estar pesando sobre a decisão pode ser especificamente a profunda crise que a Igreja católica na Alemanha está enfrentando, cada vez mais reduzida aos mínimos termos (exceto na arrecadação, mas é apenas uma questão de tempo) e obtusamente tentada por soluções que a história e o protestantismo já demonstraram levar ao fracasso, das indiscriminadas "aberturas" na onda de pensamento dominante às versões "light" da doutrina católica.
O clima que caracteriza o fim da presidência de Marx não é, de fato, entre os mais serenos. É certo que o início de um processo de renovação traz consigo resistências e descontentamentos, mas a Igreja alemã aparece atravessada por trincas demasiado profundas em alguns temas cruciais para que possam ser desqualificadas como uma mera oposição à mudança - o gênero e o acompanhamento (quanto realmente pastoral?) das pessoas homossexuais, o sacerdócio para as mulheres, a abolição do celibato sacerdotal, para citar apenas alguns.
Forçadas ao limite do cisma, que não conta com o apoio do Papa Francisco, como demonstra o freio imposto à ordenação sacerdotal de homens casados e mulheres contidos na exortação apostólica Querida Amazônia, divulgada nos últimos dias. Na verdade, escândalos sexuais e malversações financeiras parecem ter afastado o povo de Deus da Igreja muito mais do que o suposto atraso doutrinário do universo católico, enquanto o início de um biênio de consultas sinodais na Alemanha dá a impressão de seguir por trilhos pré-determinados.
Se na Igreja é hora de mudanças (para trás), também na política na Alemanha os movimentos não faltam. Causou discussão, devido ao impacto no cenário político alemão, a escolha de Annegret Kramp-Karrenbauer, a "delfina católica" da chanceler Angela Merkel e uma das principais candidatas a colher seu legado na CDU e no país, ao renunciar à condução dos democratas-cristãos alemães e à corrida para a chancelaria federal em vista das eleições de 2021.
Quem fez Kramp-Karrenbauer tomar essa decisão foi o caso Turíngia, com a CDU envolvida por polêmicas por ter votado o novo governador da Land junto à AFD, o partido da extrema direita. Uma sintonia fortemente criticada por Kramp-Karrenbauer, segundo a qual "a AFD vai contra tudo o que a CDU representa". Um veto, no entanto, que não conseguiu o acordo dos diferentes membros dos democratas-cristãos, confirmando a profunda crise de identidade dos conservadores na Alemanha.
Apesar disso, conforme a tradição, não faltam os vínculos da CDU com a Igreja católica alemã. Justamente Annegret Kramp-Karrenbauer no passado gerou polêmica por algumas declarações sobre a religião. Dois anos atrás, em uma entrevista à Christ & Welt, suplemento do Die Zeit, AKK havia declarado, com relação à ordenação de mulheres, "esperar" que "logo as mulheres possam se tornar sacerdotes". Uma posição reiterada há alguns meses em uma entrevista à revista Publik-Forum, na qual a ex-delfina de Merkel argumentava que o acesso das mulheres ao sacerdócio e a abolição do celibato sacerdotal para os homens poderiam incentivar as vocações. Voltando ao tema algumas semanas atrás, para o RedaktionsNetzwerk Deutschland, Kramp-Karrenbauer especificou que "a decisão de viver sem família é um obstáculo grande demais para muitos" homens e que a ordenação de mulheres deveria passar pelo "primeiro passo" de sua admissão ao diaconato. Annegret Kramp-Karrenbauer demonstra, assim, que conhece perfeitamente o que fermenta - sem que seja explicitamente declarado - em alguns ambientes da Igreja, tanto alemães como outros: uma receita tão simplista quanto ruinosa.
Nada a surpreender, considerando que Kramp-Karrenbauer está entre os membros do Zentralkomitee der deutschen Katholiken (ZDK), o Comitê Central de Católicos Alemães, uma das organizações católicas laicas mais poderosas da Alemanha, que conta entre seus membros com numerosos políticos e outros membros proeminentes da sociedade alemã. Seu atual presidente é Thomas Sternberg, político da CDU, o mesmo partido de Annegret Kramp-Karrenbauer e Angela Merkel. Apesar de uma história de dissenso em relação ao ensinamento da Igreja sobre numerosas questões (entre as mais conhecidas, em 2015, o favor expresso pelo Comitê pela bênção às uniões homossexuais nas igrejas na Alemanha), o Comitê Central de Católicos Alemães continua sendo um interlocutor privilegiado para os bispos alemães e seu presidente. Seu, por exemplo, é o papel principal na resposta da Igreja alemã à crise dos abusos sexuais contra menores, à qual, como afirmado repetidamente pelo ZDK, faz corresponder uma resposta "radical" e de "ruptura". Mas também são suas as análises das razões da crise, identificadas principalmente no celibato sacerdotal e - resolutamente - não na homossexualidade generalizada, em detrimento das evidências oferecidas por outros estudos.
Vários comentaristas indicam justamente no Comitê Central dos Católicos Alemães o principal protagonista do caminho sinodal em curso na Alemanha. Com resultados que parecem óbvios, quando se olha para a reação do Comitê à Querida Amazônia. “Com sua exortação apostólica pós-sinodal sobre o Sínodo da Amazônia, o Papa Francisco continua no caminho que ele escolheu. Dirige-se a todo o povo de Deus e a todas as pessoas de boa vontade em uma linguagem clara e compreensível, até emotiva", escreve o ZDK em um comunicado. "Infelizmente, não encontra coragem para implementar verdadeiras reformas em questões relativas à ordenação de homens casados e às capacidades litúrgicas das mulheres, que são discutidas há 50 anos".
A decepção para aqueles que são julgados como "passos à frente" que não se confirmaram, é palpável e a condenação em relação ao Papa assume tons tipo 1517. “Após a publicação do Lineamenta sobre o Sínodo da Amazônia e as deliberações em Roma, as expectativas em relação a medidas específicas em direção à reforma, particularmente em relação ao acesso ao ofício sacerdotal e ao papel das mulheres, eram muito altas. Lamentamos muito que o Papa Francisco não tenha dado um passo adiante em sua carta. Pelo contrário, reforça as posições existentes da Igreja Romana [sic!, römischen Kirche] tanto em termos de acesso ao sacerdócio quanto de participação de mulheres nos ministérios”.
Sobre o tema, o Comitê Central de Católicos Alemães também pode contar com a interpretação dada à Querida Amazônia pelo cardeal Marx. Embora não se afastando abertamente de Francisco o presidente em saída da Conferência Episcopal alemã não pretende fechar as portas às ambições teutônicas de arquivar o celibato clerical. "Quem espera decisões concretas e instruções para agir, não as encontrará na exortação pós-sinodal", admitiu Marx, enfatizando a natureza do "quadro de reflexão" do documento e garantindo que as recomendações para mudança que emergiram no sínodo amazônico "ainda estão em discussão".
Com a "renúncia" síncrona do cardeal Reinhard Marx e Annegret Kramp-Karrenbauer, a Igreja alemã e os cristãos-democratas estão em condições de procurar novas personalidades capazes de conduzi-los para fora da crise. Para a Igreja na Alemanha, da mesma forma que as organizações que a orbitam, o presente ainda fala de riqueza e poder, mas as igrejas cada vez mais vazias colocam mais de uma nuvem no horizonte e soluções modernistas aparecem certeiras no papel, mas bem diferentes disso nas realizações.
Na frente política, também é confirmada na Alemanha a busca de uma vertente religiosa entre os partidos conservadores. As características do novo líder, no entanto, parecem mais incertas do que nunca. Se a escolha recaísse sobre um líder católico forte, de fato, para a CDU, seria um distanciamento da atitude acomodada que caracterizou os anos da liderança luterana de Angela Merkel e uma adesão, talvez, às instâncias mais inovadoras defendidas pela maioria da Igreja católica alemã. Com um risco no horizonte: que, cúmplice da recente evolução do conservadorismo europeu e estadunidense em chave tradicionalista, a polêmica política também possa envolver também o plano religioso, exacerbando as divisões já presentes também na Igreja católica.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Reinhard Marx e Annegret Kramp-Karrenbauer. A Alemanha progressista está a um passo (atrás) - Instituto Humanitas Unisinos - IHU