29 Novembro 2019
Alguma coisa Ross Douthat está tramando. Ele, em seus últimos escritos, mostrou-se subversivo. Escreveu uma crítica do papado de Francisco que atraiu considerável atenção. Menos notado, no entanto, tem sido a sua crítica ao catolicismo como praticado e entendido por pessoas alinhadas ao conservadorismo americano. Eis uma crítica, entretanto, que muitos dos críticos de Douthat deveriam ouvir.
Isso porque Douthat está convidando os conservadores à humildade. Os últimos artigos publicados por ele são um bom exemplo disso.
O comentário é de Bill McCormick, padre jesuíta e professor visitante da Universidade de Saint Louis nos departamentos de ciência política e filosofia, publicado por America, 25-11-2019. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Em dois textos datados de 9 de novembro sobre o “catolicismo conservador”, Douthat sustenta que este papado vem revelando as fraquezas do catolicismo conservador que ele quer destacar. [Faz parte da política editorial da revista America evitar descrever os irmãos católicos em termos como “conservadores” ou “progressistas”, isso em se tratando de contexto eclesiástico, já que tais termos podem priorizar uma divisão política em detrimento da comunhão eclesial. No entanto, visto que são os termos da análise de Douthat, o presente artigo emprega-os como ponto de partida para a discussão]. Os conservadores, escreve Douthat, “acreditam que João Paulo II definiu permanentemente os debates sobre o celibato, o divórcio, a intercomunhão e a ordenação das mulheres”. O Papa Francisco está ponto em aberto muitos destes debates.
Muitos católicos estão descontentes com essa mudança, e Douthat junta-se a eles nesse sentido. Na realidade, enquanto alguns criticam a entrevista que ele fez com o Cardeal Burke, [1] Douthat crê que ela confirma a “posição tênue” do cardeal e seus apoiadores. Como escreve Douthat, os conservadores estão na difícil posição de um “catolicismo ortodoxo contra o papa”. Este aparente conflito entre a tradição e a autoridade papal, segundo ele, força os conservadores a escolher entre a tradição (chamando o papa de cismático) e o apoio ao papa (praticando um ultramontanismo sem princípios).
Consequentemente, os conservadores se viram diante de uma crise de autoridade. Como também escreve o articulista, “eu não acho que estamos mais próximos de uma resposta definitiva ao que acontece do que o catolicismo conservador quando este não mais parece ter o papado ao seu lado”.
Eis a simples lição que Douthat quer que os conservadores tirem a partir do que escreve: o “consenso” que achavam que tinham é muito mais frágil e reversível do que percebiam.
Vale ler estes dois artigos de Douthat como parte de um projeto que inclui a palestra proferida por ele em 2015 ao First Things e seu livro, de 2018, intitulado “To Change the Church” (Como mudar a Igreja). O alvo do autor, nestas reflexões, é aquilo que, no prefácio de “To Change the Church”, chama de “inevitabilismo”: a crença de que o nosso lado vencerá e que o outro lado perderá. Muitos católicos, de acordo com Douthat, acreditam que a história católica inevitavelmente inclina-se para o seu lado.
Há várias dimensões nesta ideia, mas, ao rejeitá-la, Douthat tenta realizar diferentes coisas.
Em primeiro lugar, como já vimos, Douthat denuncia o triunfalismo “católico conservador”. Ele acentua a questão de que a Igreja muda mais vezes do que muitos dos conservadores estão dispostos a admitir, e os conservadores precisam reconhecer que o apoio às suas ideias, incluindo o apoio por parte de lideranças eclesiais, irá diminuir e se diluir.
Em segundo lugar, Douthat está convidando os conservadores para um projeto intelectual: retornarem aos seus princípios e não supor que o projeto deles vencerá só porque as lideranças certas estão a trabalhar. Ao invocar o agora santo John Henry Newman, Douthat fala dos conservadores que “a Igreja já mudou no passado mais do que eles estão muitas vezes prontos a admitir” e dos tradicionalistas afirma que “a Igreja precisou mudar mais do que eles estão prontos a permitir”. Douthat critica o catolicismo conservador como um “empreendimento preservacionista mais do que um empreendimento dinâmico”.
Aqui, o paralelo com os conservadores políticos americanos, em geral, é forte. A aparência do catolicismo conservador depois de São João Paulo II e do Papa Bento XVI assemelha-se, em certo aspecto, à questão que os conservadores americanos têm feito na era Trump, muito tempo depois de Reagan ou Bush. O passado tem de ser um recurso, sim, mas só se reconhecermos que ele inclui falhas bem como momentos de sucesso.
Em terceiro lugar, Douthat convida os conservadores a um projeto moral. O problema do inevitabilismo não é somente intelectual. “Onde os católicos conservadores têm o poder de resistir àquilo que parecem ideias falsas ou inovações desastrosas”, escreve, “eles devem mesmo resistir”. Mas, para Douthat, parte do abandono do triunfalismo é o reconhecimento da “insuficiência das estratégias e da sabedoria humanas”, uma humildade para com o esforço humano que caracteriza o conservadorismo do tipo burkeano. Os conservadores precisam reconquistar este conjunto de virtudes se quiserem abandonar o triunfalismo, acolhendo o presente como “uma purgação possível (...) e um motivo para acolher a admoestação poética de T.S. Eliot: ‘There is yet faith, but the faith and the hope and the love are all in the waiting’ (Há no entanto fé, mas a fé e a esperança e o amor estão todos em espera).”
Esta espera empresta aos conservadores a visão de uma igreja e de uma história salvífica maior do que eles próprios. Os católicos, hoje, frequentemente se dividem em enfatizar a natureza humana, ou enfatizar a natureza divina da Igreja. Mas Douthat fala primeiramente ao segundo grupo. Se estiverem certos de que a Igreja superará tudo por ser divina, talvez eles possam lembrar que a Igreja sobreviverá até mesmo às pautas que eles apresentam.
Em suma, eis uma das melhores coisas que Douthat diz: é perigoso e errado confundir a nossa própria pauta com aquela da Igreja – ou, mais ainda, com a pauta de Deus para a Igreja.
Por fim, Douthat está implicitamente denunciando o triunfalismo dos católicos não conservadores. Há muito de um “inevitabilismo” em toda a Igreja, incluindo entre os que apoiam o Papa Francisco de formas pouco úteis. Para certos católicos, a Igreja tem estado “no lado errado da história religiosa” há décadas, se não séculos. Após os reveses dos últimos papados, eles enxergam o presente papado como uma justificativa da própria esperança sofredora de que “um tipo de cristianismo progressista é o destino ao qual o catolicismo, mais cedo ou mais tarde, chegará”.
Mas se todos os católicos pensarem desse jeito, então iremos apagar, mais ainda, o nosso senso comunitário por meio do batismo dentro do Corpo de Cristo. Pelo contrário, veremos a Igreja mais como uma arena na qual devemos reafirmar as próprias vontades em detrimento às dos nossos inimigos. O serviço e o poder, na Igreja, seriam entendidos, principalmente, como um equilíbrio do poder dos nossos amigos e dos inimigos. A maior parte da vida da Igreja reduzir-se-ia a uma prova final sobre a qual tribo católico cada um pertence.
Em vez de ser fermento no mundo, nós nos tornaríamos apenas um exemplo a mais do conflito e do rancor.
Concordo com parte do que escreve Douthat. Mas acolho, sem reservas, o seu convite para que os conservadores adotem a humildade. Em última instância, o conservadorismo aconselha à receptividade em detrimento da atividade porque acha que a bondade é algo dado aos seres humanos, não feito por eles.
Como dá a entender a citação de T.S. Eliot acima, o desafio mais profundo posto por Douthat não é a humildade, mas a esperança. De fato, no fim a Igreja vencerá. O inevitabilismo compreende isso muito bem. Mas tal vitória não vem via esforços humanos, e sim na cruz. E essa batalha já foi vencida.
Nota:
[1] Cardinal Burke: ‘I’m Called the Enemy of the Pope, Which I Am Not’: A conversation with Cardinal Raymond Burke, disponível aqui.
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EUA. Crítico do Papa Francisco convida convida os católicos conservadores à humildade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU