16 Dezembro 2017
Dois titãs do discurso público teológico se reuniram diante de uma casa lotada, no Sheen Center, em Nova York, no dia 13 de dezembro. Mas sem nenhuma agressão.
A reportagem é de Peter Feuerherd, publicada por National Catholic Reporter, 14-12-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Embora discordassem, foram civilizados. De fato, o padre jesuíta James Martin e o colunista Ross Douthat, do New York Times, foram francamente amigáveis. E esse era o ponto.
Os dois discutiram sobre como o debate teológico pode ser feito na esfera pública – incluindo os recintos mais desagradáveis e repletos de trolls das mídias sociais – de uma forma que lance luz e não tanto ódio.
O objetivo era ajudar a criar “as condições em que o debate de verdade seja possível”, disse o padre jesuíta Matthew Malone, editor da revista America e moderador do encontro. O evento foi intitulado “Civilidade na América”, com foco na religião, particularmente o catolicismo contemporâneo.
Malone definiu o tom afirmando que há “muitos gritos” nas discussões teológicas, que frequentemente refletem o tom briguento da política estadunidense. “Mas não há muitos argumentos, no sentido estrito da palavra.”
Douthat e Martin participaram de discussões online e de textos públicos em que discordaram sobre para onde a Igreja está indo, particularmente sobre o impacto do Papa Francisco. Douthat, uma voz conservadora nas páginas de opinião do Times, argumentou que o papa encorajou uma interpretação excessivamente frouxa da doutrina católica, particularmente ao ir ao encontro dos católicos divorciados em segunda união.
Martin, através de livros, artigos e mídias sociais, defende regularmente que o papa está simplesmente oferecendo a mensagem do Evangelho da misericórdia e da reconciliação, mantendo firme a tradição católica quando se trata de questões voláteis sobre matrimônio, divórcio e o status dos católicos homossexuais.
Douthat argumentou que existe um lugar na praça pública para um debate determinado e corajoso sobre questões importantes.
“Há espaço para uma ponta de polêmica”, disse, observando que ele vê o seu trabalho como um contrapeso, um apoio aos conservadores nos recintos majoritariamente liberais das páginas de opinião do Times. Esse contrapeso inclui o encorajamento daqueles que buscam um defensor dos pontos de vista tradicionais.
Essa ponta de polêmica – que, no caso dele, incluiu as colunas recentes criticando os pontos de vista do Papa Francisco na Amoris laetitia sobre a vida familiar e uma reflexão menos do que favorável sobre o fundador da Playboy, recentemente falecido, Hugh Hefner – é uma forma, disse ele, de “defender o seu caminho à verdade”.
Martin disse que papel dele é diferente.
Como padre jesuíta, ele vê o seu papel na esfera pública tanto quanto o de alguém que faz uma homilia. Ele disse que tenta refletir sobre o Evangelho e o ensino da Igreja naquilo que ele diz e escreve, observando que isso pode ser controverso.
Quando ele escreve sobre a política em relação aos refugiados, disse Martin, é com o sentido da mensagem bíblica de que o estrangeiro deve ser bem-vindo. Isso tem implicações políticas no clima atual, mas ele disse que o objetivo não é transformar filiações políticas, mas fazer com que os católicos reflitam maduramente sobre a sua fé.
Ele vê o seu papel no sentido de “confortar os aflitos e afligir os confortáveis”, como parte do seu ministério jesuíta. Embora seu papel não seja o de entrar na disputa política partidária, “se eu tuitar algo que tenha implicações políticas, isso não me incomoda”.
São os argumentos que chamam a atenção, disse Martin. Ele observou que o seu recente livro, Building a Bridge, era composto por duas partes, uma reflexão sobre a necessidade do diálogo com os católicos gays e outra parte sobre a oração. A atenção se concentrou quase que exclusivamente na primeira, disse ele.
Douthat, jornalista polemista, argumentou que, às vezes, o seu papel “é irritar aqueles que sempre discutem com você”.
Como você sabe se não foi longe demais?, perguntou Malone.
Para Martin, suas regras incluem não escrever ou tuitar quando está com raiva, não atacar as pessoas pessoalmente e apenas se comunicar sobre tópicos sobre os quais ele sabe algo.
Mesmo assim, disse, as mídias sociais e outras mensagens dele podem provocar raiva. “Eu posso dizer que Jesus Cristo é o Filho de Deus e receber tuítes raivosos perguntando por que eu não gosto do Espírito Santo”, disse.
“O tuitar teológico é muito perigoso”, acrescentou.
Douthat observou que as opiniões dele sobre temas isolados – como a indissolubilidade do matrimônio – estão ligadas a uma visão de mundo mais ampla, conectada com a sua visão da fé católica. Martin disse que prefere evitar polêmicas em larga escala e escrever mais na forma de parábolas que desafiam o seu público a se envolver com os Evangelhos.
Ambos os debatedores concordaram que Francisco liderou uma era de fermentação teológica na Igreja.
Para Douthat, o papa foi longe demais, muitas vezes.
“O que pode mudar e o que não pode?”: segundo Douthat, esse é a maior questão na Igreja hoje, já que os teólogos e outros ponderam sobre até onde a doutrina pode ser transformada. Ele disse que o catolicismo corre o risco de perder as suas amarras éticas ao abraçar uma postura sobre questões morais mais parecida com a Igreja Episcopal do que com a linha mais rigorosa dos papas anteriores.
Ele disse que aqueles que querem mudanças na Igreja abraçaram uma espécie de subserviência às visões papais, que ele descreveu como uma caricatura do pior tipo dos estereótipos protestantes sobre os católicos.
Tanto Martin quanto Douthat concordaram que as partes opostas na Igreja, agora, inverteram os caminhos de lealdade ao papado, em que aqueles que buscam mudanças abraçam Francisco, enquanto os tradicionalistas agora regularmente questionam o papa de maneiras nunca pensáveis com os seus antecessores.
Para Martin, o papa encorajou a discussão sobre tópicos que anteriormente eram considerados fechados. Isso levou a discussão intraeclesial para o ar livre, criando uma sensação de sublevação em alguns círculos da Igreja.
Malone observou que, apesar das divisões, os católicos permaneceram unidos por uma cosmovisão comum, que reconhece as profundas exigências do Evangelho. “Não há católicos bons”, disse Malone, citando um político de Nova York dos anos 1960. “Só há católicos que tentam fazer o bem.”
Depois do fim do evento, Douthat e Martin ainda podiam ser vistos no palco, em uma discussão animada. Para os dois titãs do discurso teológico, a discussão certamente continuará.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Outro debate é possível na Igreja: James Martin e Ross Douthat dialogam ''civilizadamente'' em público - Instituto Humanitas Unisinos - IHU