20 Setembro 2017
“Aqueles que enfatizam a incompatibilidade de que homens gays ou de que mulheres lésbicas vivam de forma significativa dentro da Igreja estão ignorando a natureza multidimensional da vida cristã das virtudes, ou a pecaminosidade de todos nós, ou ambas as coisas.”
A opinião é de Dom Robert W. McElroy, bispo da diocese de San Diego, nos EUA. O artigo foi publicado no sítio da revista America, 18-09-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O Pe. James Martin é um ilustre autor jesuíta que passou a vida construindo pontes dentro da Igreja Católica e entre a Igreja e o mundo mais amplo. Ele tem sido particularmente eficaz ao levar a mensagem do Evangelho à geração do milênio. Quando examinamos o vasto fosso existente entre os jovens adultos e a Igreja nos Estados Unidos, fica claro que não poderia haver um esforço missionário mais admirável pelo futuro do catolicismo do que o campo que o Pe. Martin perseguiu apaixonada e eloquentemente ao longo das últimas duas décadas. Existem poucos evangelizadores que se engajaram nesse campo com mais coração, habilidade e devoção.
No ano passado, o Pe. Martin empreendeu um projeto particularmente perigoso nesse trabalho de evangelização: construir pontes entre a Igreja e a comunidade LGBT nos Estados Unidos. Ele empreendeu tal projeto sabendo que as questões teológicas relativas à homossexualidade constituíam talvez o elemento mais volátil da vida eclesial na cultura estadunidense.
Foi essa mesma grande volatilidade que estimulou o Pe. Martin a escrever o seu novo livro, Building a Bridge: How the Catholic Church and the LGBT Community Can Enter into a Relationship of Respect, Compassion and Sensitivity [Construindo uma ponte:: como a Igreja Católica e a comunidade LGBT podem estabelecer uma relação de respeito, compaixão e sensibilidade]. Usando uma metodologia que é totalmente consonante com o ensinamento católico, empregando a Escritura, a rica herança pastoral da Igreja e um realismo não adulterado que deixa claros tanto a dificuldade quanto o imperativo de estabelecer um diálogo mais profundo, o Pe. Martin abre uma porta para proclamar que Jesus Cristo e a sua Igreja buscam abraçar plena e imediatamente homens e mulheres da comunidade LGBT.
Building a Bridge é um livro sério, e qualquer obra como essa envolve críticas e diálogo substantivos. Isso é particularmente verdadeiro com um assunto complexo como a relação entre a comunidade LGBT e a Igreja. Muitas análises dos argumentos do Pe. Martin apontaram para problemas importantes que não têm respostas fáceis e para a realidade de que o diálogo sempre deve prosseguir tanto no respeito quanto na verdade.
Mas, ao lado dessa crítica legítima e substantiva ao livro do Pe. Martin, surgiu, tanto nas publicações católicas quanto nas mídias sociais, uma campanha para vilipendiar o Pe. Martin, para distorcer o seu trabalho, para rotulá-lo como heterodoxo, para assassinar o seu caráter pessoal e para aniquilar tanto as ideias quanto o diálogo que ele iniciou.
Essa campanha de distorção deve ser desafiada e exposta pelo que ela é – não principalmente em prol do Pe. Martin, mas porque esse câncer de vilificação está penetrando na vida institucional da Igreja. Várias instituições importantes já cancelaram a presença do Pe. Martin como palestrante. Diante de intensas pressões externas, essas instituições trouxeram paz, mas, ao fazerem isso, elas aderiram e reforçaram táticas e objetivos que são profundamente prejudiciais à cultura católica nos Estados Unidos e à pastoral da Igreja para os membros das comunidades LGBT.
O ataque concertado ao trabalho do Pe. Martin foi movido por três impulsos: a homofobia, uma distorção da teologia moral católica fundamental e um ataque velado ao Papa Francisco e a sua campanha contra o julgamento excessivo na Igreja.
Os ataques contra Building a Bridge utilizam uma intolerância de longa data dentro da Igreja e da cultura dos Estados Unidos contra membros da comunidade LGBT. As pessoas que lançam esses ataques retratam a reconciliação da Igreja e da comunidade LGBT não como uma meta digna, mas como uma grave ameaça cultural, religiosa e familiar. A relação homossexual não é vista como um pecado entre outros, mas como um pecado excepcionalmente degradado a ponto de as pessoas LGBT deverem ser efetivamente excluídas da família da Igreja. Linguagem e rótulos pejorativos são usados regular e estrategicamente. As questões complexas da orientação sexual e do seu discernimento na vida do indivíduo são rejeitadas e ridicularizadas.
O ataque coordenado contra Building a Bridge deve ser um alerta à comunidade católica para que olhe para dentro de si mesma e se purifique da intolerância contra a comunidade LGBT. Se não fizermos isso, construiremos um fosso entre a Igreja e os homens e mulheres LGBT e suas famílias. Ainda mais importante, construiremos um fosso crescente entre a Igreja e o nosso Deus.
O segundo impulso corrosivo da campanha contra Building a Bridge decorre de uma distorção da teologia moral católica. O objetivo da vida moral católica é padronizar as nossas vidas de acordo com a de Jesus Cristo. Devemos modelar o nosso eu interior e exterior a partir das virtudes da fé, amor, esperança, misericórdia, compaixão, integridade, sacrifício, oração, humildade, prudência e muitas mais. Uma dessas virtudes é a castidade. A castidade é uma virtude muito importante da vida moral cristã. O discípulo é obrigado a limitar a atividade sexual genital ao matrimônio.
Mas a castidade não é a virtude central da vida moral cristã. O nosso chamado central é a amar o Senhor, nosso Deus, com todo o nosso coração e amar o próximo como a nós mesmos. Muitas vezes, nossas discussões na vida da Igreja sugerem que a castidade tem um papel singularmente poderoso na determinação do nosso caráter moral ou da nossa relação com Deus. Mas ela não tem.
Essa distorção da nossa fé aflige muitas das nossas discussões sobre sexualidade em geral, e sobre homossexualidade em particular. O prisma esmagador pelo qual devemos olhar para as nossas vidas morais é que todos somos chamados a viver as virtudes de Cristo; todos conseguimos viver magnificamente algumas delas e fracassamos em outras. Aqueles que enfatizam a incompatibilidade de que homens gays ou de que mulheres lésbicas vivam de forma significativa dentro da Igreja estão ignorando a natureza multidimensional da vida cristã das virtudes, ou a pecaminosidade de todos nós, ou ambas as coisas.
O terceiro impulso por trás da campanha contra Building a Bridge deriva de uma rejeição da teologia pastoral que o Papa Francisco trouxe ao coração da Igreja. Em relação à questão da homossexualidade, em particular, muitos daqueles que atacam o Pe. Martin simplesmente não podem perdoar o Santo Padre por ter pronunciado aquela histórica frase no avião: “Quem sou eu para julgar?”. A polêmica em torno de Building a Bridge, na realidade, é um debate sobre se estamos dispostos a banir o julgamento excessivo da vida da Igreja. O Papa Francisco nos lembra continuamente que o Senhor chamou incessantemente os discípulos a rejeitar a tentação de julgar os outros, precisamente porque é um pecado tão fácil para todos nós e um pecado tão prejudicial para a vida da Igreja.
O fosso entre a comunidade LGBT e a Igreja não se baseia principalmente na orientação. É um fosso criado pelo julgamento excessivo de ambos os lados. Esse é o verdadeiro ponto de partida para um diálogo entre a Igreja Católica e a comunidade LGBT nos Estados Unidos hoje. O Pe. Martin deveria ser agradecido por ter apontado para essa realidade, e não rejeitado.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Ataques contra o Pe. James Martin expõem um câncer dentro da Igreja Católica. Artigo de Robert W. McElroy, bispo de San Diego - Instituto Humanitas Unisinos - IHU