15 Mai 2018
Para editorialista do NYT, papa argentino seria responsável por aprofundar divisões do catolicismo de forma imprevisível.
O comentário é de Reinaldo José Lopes, jornalista, publicado por Folha de S. Paulo, 13-05-2018.
To Change the Church
Autor: Ross Douthat. Ed. Simon & Schuster.
R$ 49,67 (e-book, 257 págs.)
Uma nota de rodapé num tipo de documento papal que a maioria dos fiéis nem sabe que existe seria suficiente para desencadear um novo cisma entre os católicos, colocando em jogo centenas de anos de doutrina da Igreja?
Tal possibilidade precisa ser levada a sério, afirma Ross Douthat, 38, editorialista do New York Times e autor de uma história nuançada, ainda que bastante pessimista, do que foram os primeiros cinco anos do papado de Francisco.
“To Change the Church: Pope Francis and the Future of Catholicism” (“Mudar a Igreja: Papa Francisco e o Futuro do Catolicismo”), livro publicado recentemente nos EUA, tem uma série de méritos. O mais importante é uma mistura inusitada de partidarismo e capacidade de enxergar múltiplos ângulos de uma questão que é rara no jornalismo brasileiro (ou mundial).
Explico: Douthat, nascido numa família protestante que chegou a flertar com movimentos pentecostais antes de se converter ao catolicismo quando ele era adolescente, tem simpatia declarada pelas vertentes mais conservadoras da Igreja Católica.
Do ponto de vista dele, a missão da hierarquia católica é preservar o que os teólogos chamam de “depósito da fé”: o conjunto original das crenças cristãs, legado tanto pelos textos bíblicos quanto pela tradição que não consta das Escrituras.
Os papados de João Paulo 2º (1978-2005) e Bento 16 (2005-2013) foram marcados pela busca da estabilidade, contra o que pareciam ser os excessos ligados ao Concílio Vaticano 2º, encontro de bispos realizado de 1962 a 1965 que permitiu que o catolicismo fizesse as pazes com as ideias de liberdade religiosa, diálogo ecumênico e justiça social.
Sob esses papas, em especial com Bento 16, o retorno à tradição católica dava a impressão de ser um porto seguro.
Decreta-se a vitória dos conservadores, portanto? Só se for uma vitória de Pirro, admite Douthat. Daí a esperança despertada pelo conclave que fez do argentino Jorge Bergoglio papa Francisco.
A iconografia da humildade e da misericórdia nos primeiros meses de seu pontificado prometia mitigar a associação entre fé católica e conservadorismo político, sem abrir mão do depósito da fé.
Para Douthat, porém, Francisco deixou de ser essa promessa ao defender que era possível oferecer a comunhão a fiéis divorciados que se casaram de novo. Essa possibilidade teria colocado em risco justamente o depósito da fé. Isso porque contraria a aparente proibição absoluta do adultério, e a defesa da indissolubilidade do casamento, feita por Jesus nos Evangelhos.
Sem jamais alterar oficialmente a doutrina católica, e depois das reações contrárias de muitos bispos durante os sínodos, Francisco publicou a exortação apostólica “Amoris Laetitia”, em 2016, com suas recomendações para a vida familiar católica.
Uma nota de rodapé do documento sugere que, em certas ocasiões, católicos divorciados em segunda união poderiam comungar, e certas conferências de bispos mundo afora têm interpretado o texto dessa maneira.
Para o escritor, a maneira como o papa conduziu a questão cria uma instabilidade que pode se propagar para outras questões centrais da doutrina católica sobre a vida familiar e sexual, como a união entre pessoas do mesmo sexo, hoje condenada pela igreja. Em vez de sanar as divisões do catolicismo, Francisco seria responsável por aprofundá-las de forma imprevisível, acusa ele.
Em diversos aspectos, em especial no que diz sobre homossexualidade, aborto e gênero, Francisco tem reafirmado a tradição católica, ainda que sempre a tempere com o ideal da misericórdia. Além disso, é duvidoso que o fiel comum tenha qualquer crítica substancial a fazer ao “Amoris Laetitia”. Nas condições atuais, um “cisma franciscano” seria muito mais um arranhão do que a amputação de um membro para a igreja.
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Livro sobre 5 primeiros anos de Francisco traça análise pessimista - Instituto Humanitas Unisinos - IHU