10 Setembro 2018
"Devemos proteger nossas crianças de predadores. A crise dos abusos sexuais deixou isso claro. Mas também devemos proteger nossas crianças desses que demonizam as pessoas por causa de suas orientações sexuais", escreve J.D. Long-García, jornalista, em artigo publicado por America, revista dos jesuítas dos Estados Unidos, 07-09-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
Ouvimos muito sobre a crise dos abusos sexuais nos púlpitos, mas, domingo passado, o padre da minha paróquia passou do ponto. Para explicar melhor, dois de nossos últimos quatro padres foram removidos do sacerdócio por indiscrições sexuais. Os relatos das vítimas partem nossos corações. Muitos de nós nos sentimos traídos e derrotados por perder padres que guiaram nossa paróquia durante anos. De alguma forma, sem dúvidas pela graça, muitas das famílias da paróquia continuaram a vir à missa.
Nosso novo padre não mencionou nada disso. Pelo contrário, ele elogiou a carta do Arcebispo Carlo Maria Viganò, que acusa uma série de líderes de igreja, incluindo o próprio Papa Francisco, de terem acobertado acusações de má-conduta sexual contra o ex-Cardeal Theodore McCarrick. Essa não é a hora de deixar a igreja, disse ele, mas de reformá-la.
Após algumas fracas palavras sobre gostar de membros da comunidade L.G.B.T. e reconhecer a cruz que eles carregam, nosso padre trouxe à tona o relatório de John Jay sobre os abusos sexuais no clero, que foi divulgado por bispos americanos em 2005. O relatório mostra que que 81% dos sobreviventes eram homens, disse ele, então, e que a causa dos abusos sexuais era o “homossexualismo predatório”. O Arcebispo McCarrick tinha intenções pró-L.G.B.T., disse, e há outros como ele. Eles são culpados, disse, pelos abusos de crianças na igreja.
“É hora de todos os falsos pastores serem removidos de suas posições de poder,” disse ele. “Qualquer bispo, padre ou padre de ordem religiosa que apoia e é ativo na cultura homossexual precisa ser removido de seu posto.”
Uma versão dessa última frase também surgiu durante a hora da oração. Alguns fiéis se retiraram.
Depois da missa, troquei algumas breves palavras com minha família e meus amigos sobre sair de nossa paróquia, a qual frequento desde que minha família se mudou para este país há cerca de trinta anos. É irônico isso, após dois pastores serem removidos por causa de abuso sexual, estamos considerando sair por causa de um padre homofóbico. Meu filho de 11 anos de idade estava comigo, mas parecia mais interessado em encontrar seus amigos que vinham à missa.
“Você sabe por que estamos tão chateados com o Padre D.?” Perguntei a ele mais tarde quando ficamos a sós. Ele não sabia.
“Você lembra do que ele disse em sua homilia?”. Ele não sabia.
Eu expliquei. Expliquei que alguns padres, não todos, mas alguns, abusaram de crianças. Esses padres ameaçaram as crianças para que elas não contassem isso para ninguém.
Esses padres enganaram famílias e acabaram com a confiança que a comunidade tinha neles. Eu expliquei como alguns bispos, não todos, mas alguns, acobertaram esses padres.
Como esses bispos impediram que os padres fossem punidos pela polícia. Expliquei como alguns dos bispos que acobertaram os padres ainda não foram punidos.
“Você sabe o que significa ser gay ou lésbica, certo?” Ele sabia. Conversamos sobre isso outra vez. “Você sabe que nós não podemos julgar pessoas que são diferentes do que somos. Jesus não quer isso. Ele quer que amemos todos, mesmo as pessoas que são diferentes.” Ele sabe. E sabe que essas pessoas que são gays ou lésbicas ou bissexuais não escolhem ser assim.
“Bem, o que o Padre D. disse não foi muito legal com as pessoas que são gays ou lésbicas. Foi maldade. Ele estava basicamente dizendo que as pessoas que são gays são o motivo pelo qual os abusos aconteceram. E isso não está certo. E isso não é o que Jesus quer. E é ainda pior porque ele é nosso pastor e disse essas coisas."
Acredito que ele tenha entendido.
O abuso de crianças acontece tanto dentro como fora da Igreja Católica. De modo geral, garotas têm muito mais tendência a serem abusadas sexualmente do que garotos. A ideia de que o “homossexualismo predatório” é a causa da crise de abusos sexual na igreja é absurda. É um velho mito que não tem relação alguma com os fatos. É perigoso.
Ao longo dos anos, a Igreja Católica tomou medidas para se tornar mais receptiva para com a comunidade L.G.B.T. Eu tenho orgulho disso. O que nosso pastor parece reclamar é que ser receptivo com a comunidade L.G.B.T. é, de alguma forma, causar abuso sexual. Ainda assim, os abusos sexuais diminuíram ao longo dos anos que a igreja se tornou mais receptiva.
Existem alguns católicos, como nosso pastor, querem explorar a crise dos abusos sexuais para promover ideias anti-L.G.B.T.. Não podemos deixar que isso aconteça. Não podemos voltar a isso.
Devemos proteger nossas crianças de predadores. A crise dos abusos sexuais deixou isso claro. Mas também devemos proteger nossas crianças desses que demonizam as pessoas por causa de suas orientações sexuais. No fim das contas, temos de nos esforçar para sermos como Jesus Cristo. Nossas crianças aprenderão com o nosso exemplo.
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Não podemos deixar que a crise dos abusos sexuais nos conduza à homofobia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU