02 Mai 2018
O leigo analisa a importância e os alcances do encontro, no Vaticano, do Pontífice com Juan Carlos Cruz, James Hamilton e José Andrés Murillo, vítimas dos abusos de Karadima, convidados pelo próprio Francisco.
A entrevista é de Sergio Rodríguez, publicada por La Tercera, 29-04-2018. A tradução é de André Langer.
“É um passo muito importante para a Igreja, particularmente para a Igreja chilena, que há algumas décadas vem sofrendo com esse grave problema que nos aconteceu, e que as autoridades eclesiásticas daqui não foram capazes de enfrentar a verdade, a honestidade, a diligência e o rigor necessários”.
Direto. É assim que Benito Baranda se posiciona sobre o significado que, na sua opinião, tem a presença, neste momento, de três vítimas de Karadima no Vaticano, convidadas pelo próprio Papa Francisco.
Entre sexta-feira e hoje [domingo], Juan Carlos Cruz, José Andrés Murillo e James Hamilton estão hospedados na residência do Vaticano em Santa Marta. Lá estão tendo encontros pessoais com o Pontífice, em que ele vai “pedir perdão pelo que eles sofreram”, como explicou o diretor de imprensa da Santa Sé, Greg Burke, e ouvir o seu testemunho sobre o ex-pároco de El Bosque e como foram tratados pelo clero local.
Entre os próximos dias 14 e 17 de maio, será a vez dos 33 bispos da Conferência Episcopal, também convocados por Francisco.
Baranda acompanhou a questão de perto. Leigo, próximo ao mundo jesuíta e atual presidente executivo internacional da Fundação América Solidária, ele foi o facilitador (coordenador) do Estado para a visita do Papa Francisco. E considera que a ordem dos encontros – primeiro as vítimas e depois os bispos – não é mera casualidade.
“O Papa faz um gesto que não lembro de outro na história da Igreja. Ele está indicando para a Igreja do mundo e do Chile que as vítimas precedem suas autoridades, que somos todos iguais como batizados e que não por ter uma posição de autoridade tem maiores privilégios dentro da Igreja. Pelo contrário, deve-se servir e ouvir os outros (…). Esse sinal que o Papa está dando é devastador para o que virá depois com os bispos chilenos. O Papa disse: OK, vou ouvi-los, mas primeiro vou ouvir aqueles que foram vítimas de membros da Igreja e, além disso, por causa da gestão que ocorreu em uma crise muito profunda, mas que as pessoas que dirigiam a Igreja não quiseram ver, negaram ou não foram capazes de enfrentar”, disse.
Que projeções você vê?
O que está acontecendo vai permitir que comecemos a enfrentar como Igreja o que nos aconteceu. E não continuar ocultando, negando ou fazendo de verdugos as vítimas, mas efetivamente identificando-as como pessoas que foram brutalmente abusadas e prejudicadas pelo poder de sacerdotes e bispos.
É também uma sacudida na Igreja universal?
A estrutura da Igreja, que é monárquica, tem dificuldades para dialogar. Isso não significa que muitos cardeais, bispos, sacerdotes e religiosos do Chile e do mundo não tenham grande capacidade de diálogo com suas comunidades. Eles existem e são muito valiosos. Mas o diálogo deveria ser a grande força da Igreja, junto com o amor, e isso se constrói aproximando as pessoas, todas, na diversidade que somos. Na estrutura eclesial e no modo como a Igreja no Chile tem sido governada nos últimos anos, esse diálogo retrocedeu. Basta passar pelas paróquias e ver o que acontece em algumas dioceses, não em todas, mas o isolamento de alguns sacerdotes é grande.
Você acha que uma questão de fundo é a legitimidade da hierarquia católica?
No passado, a legitimidade de uma autoridade era dada por quem a designava. Hoje, essa é apenas uma parte, mas não tudo. A autoridade também é dada pelo comportamento e pela comunidade, quando vê que seu cargo os representa de uma maneira boa. Essa legitimidade no Chile foi se perdendo. Por algumas razões, passamos de uma das Igrejas mais confiáveis à menos confiável. Em qualquer outro campo, de negócios, política, esporte, todas as autoridades já teriam voado. Este é um fracasso retumbante dos líderes.
Não basta mais apenas a nomeação do Papa para um bispo?
A nomeação de um bispo é feita pelo Papa, mas na sociedade contemporânea, uma parte vital da legitimidade é dada pelo nosso comportamento. Isso vale para todos, pais, mães, empresários, políticos, todos, também para a Igreja, a quem se exige uma concordância com o Evangelho. E isso aconteceu com a nossa Igreja. Em vez de olhar tanto para fora e criticar a sociedade, as decisões que tomamos como cidadãos, as autoridades eclesiásticas deveriam ter olhado mais para si mesmas e ter sido capazes de ouvir. Mas, graças a isso, veio a decisão do Papa. Porque as vítimas de Karadima que estão hoje no Vaticano não foram ouvidas com a mesma celeridade e profundidade pelos líderes da Igreja chilena.
Há três meses, em janeiro, o Papa tinha outro discurso sobre os denunciantes e até falou de difamação, o que ele posteriormente retificou. Como você viveu esse momento?
No Chile, a trajetória do Papa começou oficialmente no Palácio La Moneda. E foi ali, não na catedral ou em uma missa, mas no Palácio do Governo, que ele pediu perdão pelos membros da Igreja Católica. Esse início e os diálogos mais privados que teve com outras pessoas foram muito auspiciosos. No entanto, a “derrapada” em Iquique lançou um manto de dúvidas. A reação imediata do arcebispo de Boston, Sean O'Malley, que viajou ao Peru, deve ter levado o Papa a duvidar e a pensar que havia algo mais profundo. E enviou uma terceira pessoa de sua confiança para ver o que estava acontecendo. Não deixou esse assunto nas mãos dos informantes de costume.
O Papa ouvirá mais pessoas?
Pelas características do Papa, esses antecedentes serão muito importantes, mas deve haver outros (...). Conhecendo os bispos, particularmente oito deles mais de perto, eu sei que eles não são apenas pessoas que estavam certas de que Barros nunca deveria ter sido bispo, mas também que essa questão deveria ter sido encarada de maneira diferente. Eu penso que muitos, mais do que acreditamos, conversaram sobre isso com o Papa e passaram a ele informações (...). Eu tenho esperança. O caso de Karadima é a ponta de um iceberg que reflete o distanciamento com os jovens, com os pobres, um entrincheiramento doutrinal. Isso permitiu que se apagasse o fogo de estar disponível para os demais.
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Chile.“Este sinal do Papa é devastador para o que virá depois com os bispos”. Entrevista com Benito Baranda - Instituto Humanitas Unisinos - IHU