Começaram os encontros pessoais e individuais, na Casa Santa Marta, entre o Papa Francisco e as vítimas dos abusos sexuais e de poder do sacerdote chileno Fernando Karadima. O anúncio foi feito ontem pelo diretor da Sala de Imprensa do Vaticano, Greg Burke.
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada por Vatican Insider, 28-04-2018. A tradução é de André Langer.
“O Santo Padre iniciou na tarde desta sexta-feira, 27 de abril, os encontros pessoais com as vítimas dos abusos cometidos no Chile”, escreveu o porta-voz do Vaticano em uma nota enviada aos jornalistas e na qual explicou que “não há a previsão de emitir nenhum comunicado oficial sobre o conteúdo dos mesmos, por desejo expresso do Papa: sua prioridade é ouvir as vítimas, pedir perdão e respeitar a confidencialidade dessas conversas”.
“Neste clima de confiança e reparação do sofrimento – acrescentou Burke – a vontade do Papa Francisco é deixar os convidados falarem o tempo que for necessário, para que não haja horários fixos nem conteúdos pré-estabelecidos”.
As três vítimas já estão na Casa Santa Marta. São Juan Carlos Cruz, James Hamilton e José Andrés Murillo. Em um comunicado anterior, de 25 de abril, o Papa agradeceu-lhes por “terem aceitado o convite” e manifestou seu desejo de “pedir perdão, compartilhar sua dor e vergonha pelo que sofreram e, sobretudo, ouvir todas as suas sugestões com a finalidade de evitar a repetição de tais eventos repreensíveis”.
O primeiro dos três a se reunir ontem à tarde com o pontífice no Vaticano foi José Andrés Murillo. A conversa durou muito tempo. No final, Murillo declarou: “Falei durante duas horas com o Papa. De maneira respeitosa e sincera, expressei a importância de entender os abusos como abusos de poder, a necessidade de assumir a responsabilidade, o cuidado e não apenas o perdão”.
Murillo está atualmente com 43 anos e foi vítima de abusos cometidos pelo padre Karadima quando tinha entre 18 e 20 anos, quando se encontrou com o pároco de El Bosque em Santiago do Chile para pedir conselhos sobre sua vocação. Em vez de orientação espiritual e bons conselhos, o que encontrou e sofreu foram abusos sexuais.
“Nesse contexto de direção espiritual começou o assédio sexual – contou Murillo. No começo, eram carícias. Naquela época, não conseguia perceber o que estava acontecendo. Eu não podia acreditar e negava a mim mesmo. Eu até pensava que era eu quem estava interpretando mal os fatos, até que suas ações foram ficando cada vez mais evidentes. Em certa ocasião, enquanto conversávamos sobre as minhas dúvidas vocacionais, ele tentou me apalpar e me masturbar. Eu fiquei completamente congelado; depois tentei me desvencilhar dele, comecei a chorar e saí do seu quarto”.
“Foi difícil para perdoar-me a mim mesmo por não ter me defendido de maneira mais radical. Senti que Karadima estava tentando me transformar de vítima em cúmplice, e isso me parece o mais grave”. Atualmente, Murillo é escritor e filósofo, além de fundador e responsável por uma organização para vítimas de abusos, Para a Confiança.
Os encontros entre as vítimas acontecem um mês antes dos encontros que Francisco terá com todo o episcopado chileno, convocado a Roma pelo Papa após ler os resultados da investigação realizada pelo arcebispo maltês Charles Scicluna, que esclareceu a gravidade dos abusos e seus encobrimentos.
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