04 Agosto 2017
Quando Luis Fernando Ortiz, de 22 anos, voltou para a casa da sua avó em janeiro, as coisas não estavam exatamente do mesmo jeito como mantinha na lembrança. A pequena residência, de dois andares, na Cidade do México, bairro de Iztapalapa, enfrenta grandes problemas. O pátio está cheio de lixo, brinquedos de plástico, peças de metal e pedras. Há rachaduras no muro de concreto. O fornecimento de água se restringe a poucas horas por dia.
“Não é grande coisa, mas é a minha casa agora”, diz Ortiz examinando o quintal. “É aqui onde tenho de começar uma nova vida”.
A reportagem é de Jan-Albert Hootsen, publicada por America, 02-08-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Ortiz nunca pediu por esta vida nova, tendo sido lançado para dentro dela em maio do ano passado, quando a polícia de Kentucky, onde vivia com a família já havia 12 anos, bateu à sua porta. Os vizinhos tinham informado um “incidente doméstico” que já tinha terminado quando os policiais chegaram.
“Era só uma discussão, não houve nenhuma briga nem nada. Mas quando os policiais chegaram, começaram a me questionar”, lembra Ortiz. “Pediram a minha carteira de identidade e o número da seguridade social. Eu não tinha nenhum desses documentos, então eles me levaram”.
O medo de uma abordagem assim sempre houve na família do jovem, a qual chegou aos EUA como migrantes indocumentados quando ele tinha apenas 10 anos de idade. A mudança para os EUA fazia parte da busca por uma vida nova, uma vida melhor, no lado norte da fronteira, e, durante os doze anos que Ortiz morou em Kentucky, as coisas ocorreram bem. Ele foi à escola, casou-se e teve um filho, e seus dois irmãos nasceram no país já como cidadãos americanos.
Mas quando a polícia descobriu que Ortiz era um migrante sem documentos, uma mudança repentina e brutal aconteceu. Ele foi detido e mandado a um centro de detenção, onde ficou por oito meses. Frequentemente, Ortiz acreditou que acabaria sendo libertado. “Eu já estava em processo de tirar os meus documentos, já que a minha esposa era americana e eu tinha passado muitos anos no país”, diz à America. “Eu falei isso à polícia, mas eles não deram atenção”.
Em 24 de janeiro, Ortiz foi deportado para o México, de volta ao país onde nasceu, e do qual quase nada conhecia.
“Retornei para o bairro onde cresci aqui na Cidade do México. O local está muito estranho, porque na verdade eu não sei como este país funciona”, diz. “Tudo o que tinha quando vim para cá era uma sacola plástica, e é isso o que tive para recomeçar a minha vida. Foi difícil. Tive a sorte de poder voltar para a casa da minha avó, mas outros têm menos sorte”.
Estranhos em terra estranha. Os mexicanos que viveram a maior parte de suas vidas nos Estados Unidos e voltaram para o país de origem são cada vez mais comuns na Cidade do México. Após seis meses de Trump no poder e com uma Casa Branca querendo livrar os EUA de seus migrantes indocumentados, o México se vê diante de um fenômeno novo: integrar os deportados que “voltam” para um país do qual pouco conhecem.
Nos primeiros cinco meses desde que Trump virou presidente, o Departamento de Imigração deportou mensalmente, em média, 17 mil migrantes indocumentados, ou 5 mil a menos do que os três últimos meses do mandato de seu antecessor. As autoridades migratórias citam atrasos nos tribunais federais de imigração como sendo a principal causa para redução no número de deportações. No entanto, as detenções aumentaram, de um número pouco acima dos 9.000 mensais em média sob Obama nos últimos três meses de governo para mais de 13 mil hoje.
Além disso, as circunstâncias dos mexicanos enviados para o lado sul da fronteira mudaram em níveis significativos quando comparadas com o governo anterior, diz Eunice Rendón, ex-diretora do Instituto Federal para os Mexicanos no Exterior, e que atualmente coordena o Agenda Migrante, entidade que organiza fóruns nos dois países para debater o tema da migração mexicana aos EUA.
“O número de mexicanos deportados durante a presidência de Obama era mais alto do que o atual: estima-se que 3.8 milhões foram deportados nos últimos dez anos”, conta Rendón à America. “Mas temos de perceber que as características dos deportados mexicanos mudou. Com Obama, a grande maioria eram pessoas que haviam recém cruzado a fronteira e foram imediatamente mandadas de volta. Devido à retórica de Trump, este grupo [que tenta travessias na fronteira] tornou-se bem menor, mas hoje vemos famílias inteiras que vivem nos Estados Unidos sendo mandadas de volta”.
Estas novas deportações são, como Luis, estrangeiros no próprio país de origem. A maior parte viveu anos ou, até mesmo, décadas nos EUA, integrou-se por completo à sociedade americana, em geral fala inglês melhor do que o espanhol e tem dificuldades em navegar nas complexidades da sociedade mexicana.
“Reintegrar alguém que viveu menos de cinco anos nos Estados Unidos é um desafio bem menor do que reintegrar alguém que já viveu por lá quarenta anos ou que passou a infância toda neste país”, diz Rendón. “Dificilmente estas pessoas mantêm laços familiares no México, não possuem diploma nem comprovantes de experiência profissional e, por vezes, falam mal o idioma espanhol”.
Com Ortiz acontece exatamente isso. “É estranho; é um mundo diferente aqui”, diz ele. “Não sei nada sobre a história do México. Sei da história dos Estados Unidos, mas nada sobre o país em que moro hoje. Nem o meu espanhol não é perfeito. Às vezes, eu tenho dificuldade para me expressar”.
Para complicar ainda mais as coisas, os deportados que viveram a maior parte de suas vidas nos EUA sofrem discriminação no México. Ainda que por vezes se sentiam cidadãos de segunda classe no lado norte da fronteira, aqui as pessoas muitas vezes não os consideram mexicanos “de verdade”. Ortiz contou que ele, também, percebe que não se encaixa na sociedade onde nasceu. Com o seu jeito de se vestir, de falar e com as suas tatuagens, a sua aparência e seu sotaque diferem dos habitantes da Cidade do México de mesma faixa etária.
“As pessoas daqui me olham como se eu fosse estranho. Nos Estados Unidos, eu era discriminado pela cor da minha pele. Mas então eu venho para cá e também não me sinto integrado”, completa. “As pessoas me criticam por causa da maneira como me visto, pelo jeito como falo. Me olham como se eu não fosse daqui. A maioria pensa: ‘Volta para os Estados Unidos’.
Os críticos dizem que o governo mexicano demorou para agir no que diz respeito a estas pessoas. Em março, o presidente Enrique Peña Nieto aprovou uma lei que visa facilitar a integração desta população ao sistema educacional mexicano. Com um crescimento econômico reduzido e com aproximadamente a metade da população vivendo no – ou abaixo do – nível de pobreza, o México ainda se encontra relativamente mal equipado no sentido de reintegrar indivíduos como Ortiz.
Na Cidade do México, centenas de deportados passaram, pois, a depender dos serviços de agências não governamentais, como a New Comienzos, grupo fundado há dois anos por Israel Concha para auxiliar os recém-deportados a navegar no mundo novo e complexo que é a sociedade mexicana. A New Comienzos ajuda estas pessoas a pôr os seus documentos em dia, oferece aulas de espanhol e auxilia na busca de empregos – especialmente em call centers, onde os deportados bilíngues têm chances de achar vagas imediatamente.
“Esta volta é bastante difícil. Embora tenhamos nascido no México, crescemos nos Estados Unidos e acreditamos na cultura americana. Aqui é um sistema diferente”, diz Concha, de 38 anos.
Concha foi deportado dos EUA em julho de 2014. Viveu mais de três décadas no Texas depois que os pais o trouxeram aos EUA quando tinha apenas 2 anos de idade. Ele chegou a ter uma empresa bem-sucedida, que alugava limusines, ônibus e táxis, na qual chegou a empregar cidadãos americanos, quando foi detido por excesso de velocidade e acabou sendo mandado para o México.
“Para muitos de nós, é uma situação difícil. Desde a questão do crime e da segurança, que é pior aqui no México, a não poder provar a nossa cidadania”, diz. “Não conseguimos provar o nosso endereço, e temos de trazer duas testemunhas para tirar os documentos, mas não conhecemos ninguém aqui. É preciso um acompanhamento psicológico. Muitos ficaram detidos e foram afastados de seus familiares por longos anos. Há muitos serviços que estas pessoas precisam”.
Para muitas das pessoas deportadas, as políticas anti-imigratórias de Trump, hoje, significam que o Sonho Americano é um objetivo distante, e várias delas temem que uma vida mais difícil no México seja o futuro imediato a enfrentar. Ortiz, que conseguiu um emprego com a ajuda da New Comienzos, diz estar ciente de que talvez tenha de permanecer no México por tempo indefinido. Apesar das conversas diárias com a sua família em Kentucky, o jovem espera construir um futuro melhor para si.
“Eu quero fazer alguma coisa por mim mesmo, talvez começar um negócio, acabar a faculdade e provar às pessoas daqui que, não importa quem somos, ainda podemos ser alguém”, diz. “No México, é mais difícil conseguir ter uma formação e um bom emprego, mas vejo, sim, um futuro para mim aqui. Talvez, mais tarde, eu tenha condições de voltar e pedir cidadania americana, nas no momento, com Trump, não vejo isso acontecendo”.
Ortiz suspira novamente. “É doido que uma pessoa com esse tipo de poder possa mudar tanta coisa”.
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Mexicanos deportados dos EUA para o México são estranhos em terra estranha - Instituto Humanitas Unisinos - IHU