25 Julho 2016
Elena tinha 11 anos quando um membro de uma gangue em seu país natal, Honduras, lhe disse para ser sua namorada.
"Eu tive que dizer sim", explicou Elena, atualmente com 14 anos. "Se tivesse dito não, ele teria matado toda minha família."
Elena sabia dos riscos, porque uma de suas amigas, Jenesis, também foi chamada para ser namorada de um membro da gangue, mas recusou. Por acaso, Elena viu o que aconteceu depois, enquanto Jenesis se afastava dos membros da gangue cambaleando nua e sangrando.
"Ela foi estuprada e baleada no estômago", Elena lembra em um tom sem emoção de uma criança que já viu demais. Ela faz uma pausa e então acrescenta: "Não sabemos se ela sobreviveu. Alguém disse que ela morreu no hospital."
O artigo é de Nicholas Kristof, jornalista americano, em artigo publicado por International New York Times e reproduzido por portal Uol, 24-07-2016.
Quanto a Elena, ela disse que seus deveres como namorada de um membro da gangue envolviam trabalhar como entregadora de drogas e vigia, assim como intimidades que ela não quis discutir. A esta altura em nossa conversa, sua mãe e irmã mais nova começaram a chorar.
Após anos de brutalidade, Elena e sua família fugiram neste ano quando a gangue ameaçou matá-las para tomar a casa delas.
"Eu apenas queria manter minhas filhas seguras", explica a mãe, Brenda, 39, falando aqui onde estão, perto da fronteira da Guatemala.
Mas elas não estão seguras, em parte por causa de uma política apoiada pelo presidente Barack Obama e pelas autoridades mexicanas, de devolver um grande número de refugiados desesperados para os países dos quais fugiram. Nos últimos cinco anos, os Estados Unidos e o México devolveram 800 mil refugiados à América Central, incluindo 40 mil crianças.
Se outros países devolvessem à força pessoas para morrerem, nós protestaríamos. Mas como nós americanos nos preocupamos com refugiados cruzando em grande número nossas fronteiras, nós ajudamos a pagar para que o México os intercepte ao longo de sua fronteira sul e os envie de volta para casa, até mesmo crianças como Elena, onde podem ser estupradas ou mortas.
Em geral, sou fã do governo Obama, mas isto é simplesmente imoral.
Como já escrevi anteriormente, a política foi elaborada depois que os Estados Unidos foram tomados por uma enxurrada de refugiados centro-americanos no início de 2014. Obama conversou com o presidente mexicano para discutir como tratar do fluxo, e impôs obsequiosamente uma repressão para deter esses refugiados antes que pudessem chegar aos Estados Unidos. O México deporta a maioria deles para seus países de origem, e, portanto, os Estados Unidos são cúmplices quando são aterrorizados, estuprados e assassinados.
A imigração está entre os mais complicados dos desafios, e há um risco real de que o acolhimento de algumas crianças crie um incentivo que resulte em outras crianças colocarem suas vidas em risco para realizar a perigosa jornada ao norte.
Não estou argumentando que os Estados Unidos deveriam escancarar suas portas a todos os centro-americanos e, de qualquer forma, Obama é restringido pelo Congresso. Mas historicamente, os centro-americanos encontravam refúgio no sul do México, e agora é desnecessário e cruel que os Estados Unidos assumam a iniciativa e trabalhem de forma tão diligente para tornar esse refúgio inacessível.
Não se trata de Honduras e El Salvador serem regimes tirânicos. Em vez disso, o problema é que as gangues criminosas estão fora de controle. A taxa de homicídios em El Salvador no ano passado, de mais de 100 mortes por 100 mil habitantes, representa uma taxa de mortalidade aproximadamente da mesma magnitude que a da guerra civil brutal do país nos anos 1980 (apesar de recentemente ter ocorrido uma queda nos homicídios).
Um produtor rural, Guillermo, 58, me disse que tudo o que ele e sua família queriam era permanecer na fazenda deles em El Salvador, cultivando hortifrútis. Então duas gangues chegaram lá e começaram a se apossar das terras, matando aqueles que ficavam em seu caminho.
Em uma fazenda vizinha, cinco pessoas foram massacradas, incluindo um bebê de 8 meses, a mãe do bebê e um avô que veio de visita dos Estados Unidos. Então a gangue chamou a filha de Guillermo, ordenando que a família partisse, caso contrário seria chacinada. Eles partiram, com Guillermo levando um tiro de raspão enquanto fugiam, e após uma jornada aterrorizante, eles agora estão no sul do México.
Não posso confirmar os detalhes da história de Guillermo, ou as de outros refugiados com os quais conversei. Mas seus relatos são consistentes e batem com os de organizações de direitos humanos.
Estes não são imigrantes econômicos. São refugiados e merecem proteção. Em vez disso, os Estados Unidos e o México estão em conluio para envio de pessoas como essas de volta às gangues que querem matá-las. (Guillermo pode ter sorte. Ele parece ser a exceção que obterá asilo para permanecer no México, graças à ajuda de um centro de direitos humanos.)
Outro homem, Emilio, 23, me mostrou as ameaças que ainda continua recebendo das gangues. Emilio fugiu de El Salvador, deixando seu negócio de roupas para trás, quando membros de gangue invadiram sua casa, fizeram sua família refém e disseram que matariam seus dois filhos pequenos a menos que pagasse dinheiro de proteção. Agora, Emilio está escondido no México com sua esposa e filhos, e recebendo ameaças de morte.
"Sabemos onde você está com sua vadia e filhos", dizia uma mensagem no Facebook que recebeu de um membro da gangue. "Vamos enviar pessoal até aí, traidor. Você entende, por não nos ter dado o dinheiro, vocês quatro estão mortos."
Mas o México não faz uma triagem séria da maioria das pessoas para avaliar o status de refugiado antes de enviá-las de volta. Nos Estados Unidos em 2014, apenas 3% dos menores detidos foram deportados; no México, foram 77%, segundo o Instituto de Políticas de Migração. "Menos de 1% das crianças que são detidas pelas autoridades de imigração mexicanas são reconhecidas como refugiadas ou recebem proteção formal do México", aponta a ONG de direitos humanos Human Rights Watch. E com o aumento de detenções e deportações pelo México não houve um aumento proporcional no orçamento para processamentos dos requerimentos de asilo.
Ninguém sabe exatamente quantas pessoas foram assassinadas ou estupradas após a deportação devido a esta política americo-mexicana, mas sem dúvida muitas foram. Eu soube de um homem salvadorenho que foi baleado por uma gangue horas depois de ser deportado pelo México. De fato, segundo alguns relatos, as gangues ficam de olho nos ônibus que chegam em San Salvador trazendo os deportados, que se transformam em alvos fáceis.
O secretário de Estado americano John Kerry criticou acertadamente os planos do Quênia de fechar seu campo de refugiados de Daadab e devolver os refugiados à Somália, mas os Estados Unidos estão fazendo algo semelhante quando trabalham com o México para deportar refugiados para Honduras e El Salvador.
Conheci um menino de 15 anos, Alex, filho de um advogado de uma família abastada, que chegou ao México por conta própria depois que uma gangue tentou recrutá-lo enquanto estava no trajeto para a escola. Alex era um bom aluno (sua matéria favorita era inglês) e ele tentou recusar educadamente, porque a última coisa que aspirava era ser gângster.
Foi ai que a gangue o esfaqueou no estômago e quebrou seu nariz. Depois disso, Alex não ousou mais frequentar a escola e rapidamente conseguiu tomar um ônibus para o norte, à procura de segurança no México. Exceto pelo fato de que o México pode não ser seguro, porque os Estados Unidos estão tentando resolver uma crise política em nossa fronteira de formas que apenas aumentam o risco para crianças como Alex.
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Estamos deportando crianças para morrer - Instituto Humanitas Unisinos - IHU