25 Julho 2017
Depois que a Comissão de Bioética das Igrejas Batistas, Metodistas e Valdenses divulgou seu documento "Este é o fim, para mim o início da vida". Eutanásia e suicídio assistido: uma perspectiva protestante, a revista Riforma apresentou aos leitores a entrevista realizada por S. Baral para o site com o prof. Luca Savarino, coordenador da Comissão. O documento, aprovado por maioria e enviado para as igrejas, será estudados por elas. Ele chega após o precedente estudo dedicado ao mesmo assunto de 1998 (Eutanásia e suicídio assistido - ambos disponíveis no site).
Outra referência importante é o texto ‘Um tempo para viver e um tempo para morrer’, elaborado pela Comunhão das Igrejas Protestantes na Europa (CcpE, publicado pela editora Claudiana, em 2012). A respeito do documento deste ano, que poderá ser discutido no próximo Sínodo 2017 e cujo resumo pode ser acessado em nossa página, já entrevistamos o pastor batista Alessandro Spanu (Turim). Agora temos a oportunidade de ouvir o parecer da diácona Alessandra Trotta, metodista, que também fez parte da Comissão.
A entrevista é de Alberto Corsani, publicada por Riforma, 19-07-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
O documento exigiu muito trabalho e, no final, foi aprovado por maioria: isso significa que a dialética em nossas igrejas é importante e é positiva. Quais os principais pontos de discordância?
É muito positivo que diante da complexidade dos problemas que a sociedade moderna apresenta, as nossas Igrejas sintam a necessidade de fornecer elementos de informação para colaborar com uma reflexão que se inicie pelo reconhecimento de que essas são questões que não envolvem um, mas muitos princípios e interesses, todos de extrema relevância e em tensão entre si, e que, portanto, inevitavelmente impõem escolhas dramáticas. E é positivo que frente a essas escolhas dramáticas todos nós nos esforcemos para pensar que não estamos diante de um embate que divide, em lados opostos, uma cultura da vida e uma cultura da morte ou, os misericordiosos que vêem o sofrimento dos pacientes na vida real e os frios legalistas que contrapõem princípios abstratos aos sofrimentos da vida real. Mas o que temos, na verdade, é uma vontade comum de tutelar da melhor maneira possível a vida e a dignidade das pessoas reais, num quadro de responsabilidade social, buscando o melhor equilíbrio possível entre valores e interesses não inteiramente conciliáveis.
Alguns membros da Comissão consideraram que, justamente levando em consideração (como uma premissa do nosso documento) "os avanços científicos, as experiências normativas e as dinâmicas sociais e culturais que ocorreram nos últimos anos em países em que emergem com maior intensidade questões inerentes ao fim da vida", não seria mais possível, hoje em dia, compartilhar a terminante reproposição da conclusão do documento de 1998. Verificaram-se como problemáticos alguns itens específicos, como aqueles que assemelham o pedido de eutanásia ou de suicídio assistido ao sacrifício de quem torna a vida disponível para a defesa da vida alheia ou por obediência ao Evangelho; ou vêem nisso a possível concretização, por parte do paciente em relação à família, do mandamento do amor de Deus, que jamais deveria, no entanto, poder ser identificado em ações que pressupõem que o cuidados de uma pessoa vulnerável seja um fardo do qual devemos nos livrar.
Mas, de modo mais geral, pareceu confirmar o equilíbrio expresso no documento "Um tempo para viver e um tempo para morrer" do Conselho da Comunhão de Igrejas Protestantes Europeias (Igrejas reformadas, luteranas, metodistas e unidas em nosso contexto europeu). Trata-se de um documento que leva em consideração e respeita o drama vivido pelo doente incurável que considera inaceitável o prolongamento, mesmo que por breve período, de uma vida percebida como desprovida de sentido e atormentada por sofrimento insuportável; assim como o drama vivido por aqueles que querem ajudar tais doentes; instando a abster-se de juízos em face das escolhas extremas feitas também por crentes, que, conscientemente, colocaram-se na frente de Deus com o seu drama e seu pedido de misericórdia.
Há uma compreensão, no entanto, em toda a sua extensão (ao ponto considerar que ‘não pode ser assumido’) quanto ao risco do impacto teológico, ético e cultural (e talvez, inclusive, antropológico) da normalização – com sua introdução no ordenamento jurídico e no quadro cultural como opção possível (embora em determinadas condições extremas, aliás, difíceis de serem definidas de maneira suficientemente precisa) – da ação direta com a qual um médico contribui na morte de um paciente que deu seu consentimento, através da administração de um medicamento em doses letais (eutanásia); ou a prescrição por parte do médico do medicamento em doses letais e a assistência ao seu consumo por parte do paciente (suicídio assistido). Nesse plano o documento da Comissão, ao contrário, afirma a inexistência de uma diferença eticamente significativa entre ação e omissão, pelo menos em determinadas situações extremas, como a do doente terminal que pede para antecipar sua morte mesmo que só de algumas horas ou dias em alternativa ao recurso a cuidados paliativos que contemplem, inclusive, a sedação profunda.
Esta afirmação não foi compartilhada por todos. Alguns consideraram que a própria qualidade do evento é profundamente influenciada pela diferente causalidade, quando colocada em relação ao princípio fundamental de que a determinação do fim da vida humana não deve estar (não é bom que seja) à disposição dos seres humanos. Esse princípio (que para um crente encontra seu fundamento específico na convicção de que Deus é o Senhor da vida e do tempo, e que a Deus deva ser entregue com confiança a decisão sobre o sentido último da vida e sobre o momento em que esta possa ser considerada concluída) é, na realidade, um princípio universalmente reconhecido, rastreável em diferentes culturas e nos mais diferentes sistemas jurídicos do mundo, com base em vários fundamentos, até mesmo de tipo não religioso. Pois bem, com relação a esse princípio limite (que alguns chamam de "tabu"), mesmo nas situações extremas consideradas pelo nosso documento, parece eticamente significativa a diferença entre a ação humana intencional, que constitui a causa direta da morte (que se concretiza necessariamente no tempo e no modo programado), e a suspensão ou não ativação de cuidados (aqui incluindo tratamentos de hidratação, nutrição e ventilação artificial), em consequência dos quais a doença prossegue o seu curso natural e conduz à morte, por tempos e formas que não dependem de escolhas humanas, sob condições tais a neutralizar ou minimizar o sofrimento.
Qual o trâmite que se espera, agora, para o texto que foi divulgado pela Comissão?
A intenção expressa em nosso trabalho é que sobre uma questão tão delicada possa ser iniciado, tanto dentro da comunidade de fé, como no mais amplo espaço público italiano, um debate sereno e profundo. Continuar a alimentar a discussão, em suma, com o método típico de igrejas como a nossa, em que orientações e escolhas sobre questões éticas amadurecem em um processo amplo e participativo de reflexão a partir das bases, onde o discernimento por parte dos indivíduos é ajudado pela livre expressão das diferentes posições que sabem resistir à tentação de desacreditar e deslegitimar uns aos outros. Uma tarefa importante, porque temos a sensação de que as pessoas, apesar do agressivo caráter midiático do tema (ou talvez justamente por isso) não tenham claras ideias nem mesmo sobre o significado dos termos. E também porque são evidentes os resultados já produzidos pelo debate nos últimos anos: uma reflexão crítica diante da excessiva medicalização e do domínio da tecnologia nos momentos finais da existência humana; o desenvolvimento de um conceito integrado de atendimento (que inclui a contenção da dor física, mas também o suporte psicológico, o cuidado das relações significativas nos adequados contextos de vida); a batalha para tornar tais cuidados integrais acessíveis a todos em condições de igualdade; as intervenções jurisprudenciais - e, em muitos países, também legislativas - que ajudaram a pôr em prática, esclarecendo sua extensão, o direito das pessoas de recusar tratamentos médicos que permitem um prolongamento significativo das funções vitais (vida biológica), na ausência ou com uma drástica e insolúvel redução das possibilidades para o paciente de relacionamento, movimento e expressão (a chamado vida biográfica). Eis porque, na Itália ainda há muito a ser feito.