Eutanásia: "O problema não é a idade, mas a qualidade da vida". Artigo de Umberto Veronesi

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22 Setembro 2016

"Os casos dos menores são muito complexos, não só por causa da evidente carga emotiva, mas, principalmente, porque falta o princípio no qual a eutanásia se baseia, que é a vontade do paciente, por sua vez fundamentada no direito de autodeterminação individual. É óbvio que uma criança não pode expressar uma vontade consciente e, portanto, a decisão cabe aos pais, que geralmente são relutantes em tomar qualquer posição, combatendo como estão entre a agonia de ver um filho sofrer e a agonia de perdê-lo para sempre."

A opinião é do oncologista Umberto Veronesi, ex-ministro da Saúde italiano, em artigo publicado no jornal La Repubblica, 18-09-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

A ideia de fazer a eutanásia em um menor provoca uma rejeição imediata ou, melhor, um senso de rebelião e, depois, de condenação de qualquer pessoa que tenha ousado antecipar a morte de uma criança. Mesmo que aqueles que a pediram foram pais ansiosos para pôr fim à agonia de um filho, inutilmente prolongada por terapias dolorosas e invasivas. É uma reação mais do que compreensível em um país onde não há um quadro legal para as questões do fim da vida e onde a eutanásia, embora pedida ou até implorada por um doente terminal consciente e adulto, é um crime.

No entanto, nos países que desenvolveram uma cultura civil e jurídica sobre os temas da rejeição do excesso de tratamentos (a chamada obstinação terapêutica) e do respeito da vontade de dizer "chega" a uma vida que se tornou insuportável por causa de uma doença incurável, o ato de pôr fim antecipadamente à vida de uma criança dilacerada pela dor, ao contrário, é objeto de debate aprofundado e de reflexão política.

A Bélgica, onde foi relatado o caso de eutanásia de um menor, é, junto com a Holanda, um dos países mais avançados nesse sentido, tendo conseguido controlar as eutanásias clandestinas com uma lei que disciplina as problemáticas do fim da vida de modo científico, rigoroso e completo.

Os casos dos menores são muito complexos, não só por causa da evidente carga emotiva, mas, principalmente, porque falta o princípio no qual a eutanásia se baseia, que é a vontade do paciente, por sua vez fundamentada no direito de autodeterminação individual. É óbvio que uma criança não pode expressar uma vontade consciente e, portanto, a decisão cabe aos pais, que geralmente são relutantes em tomar qualquer posição, combatendo como estão entre a agonia de ver um filho sofrer e a agonia de perdê-lo para sempre.

Mesmo nessas situações dramáticas, uma boa lei é de grande ajuda, porque tanto os pais quanto os médicos sabem que a sociedade e as instituições protegem as suas decisões e, quando possível, as apoiam, criando comissões de especialistas ad hoc e fornecendo todo tipo de assistência e de aconselhamento. Na Itália os pais que se encontram em uma situação semelhante estão completamente sozinhos no seu desespero.

Muitos vão lembrar do caso de Davide, o menino com a síndrome de Potter, isto é, que nasceu sem rins e ureteres. Os pais queriam que o recém-nascido vivesse o máximo possível, mas sem chegar a torturá-lo. Quando os médicos pediram a autorização para a diálise, embora confirmando que, para a vida de Davide, não havia nada a ser feito, a mãe Maria Rita pediu um dia para refletir. Na época, os profissionais da saúde se dirigiram imediatamente à magistratura, que, de ofício, tirou dos pais o poder pátrio, acrescentando a humilhação à dor imensa por Davide.

Resultado: Davide viveu 80 dias alimentado com uma sonda alternada à mamadeira, com diálises de sete horas quase todos os dias e respiração assistida para as crises que o atacavam regularmente. Além disso, sofreu intervenções invasivas, como a aplicação de um cateter no umbigo, um na jugular, que o pequeno arrancou com as próprias mãos, e também um na virilha.

Depois desse inútil calvário, Davide morreu, enquanto, ao redor do seu corpinho martirizado, enfureciam-se as polêmicas sobre os pais aniquilados, humilhados e acusados de querer assassiná-lo em nome do mito da "criança perfeita".

Hoje, Maria Rita faz campanhas de sensibilização, junto com Mina Welby, Beppe Englaro e outros parentes de vítimas dos preconceitos sociais, além de terríveis doenças, que saem às ruas para evitar que a sua tragédia aconteça com outros.

Mas é realmente justo que o debate sobre temas de civilização e de liberdade tão essenciais se abra apenas graças à vontade desesperada de protagonistas atormentados, que enfrentam a violência ideológica das opiniões contrárias?

Eu acho que não. Repito: a liberdade de tratamento (e, portanto, também de recusar o tratamento) é um direito sancionado pela Constituição [italiana]. E, se há um direito, uma lei deveria protegê-lo.

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