05 Abril 2022
"Pensamos que qualquer que seja o resultado da guerra - que esperamos termine o mais rápido possível e com o menor custo possível - algumas Igrejas, com suas ações, declarações ou silêncio, revelaram o trágico fracasso de um modelo de política religiosa feito por narrativas etno-religiosas usadas para demonstrar que a unidade cristã pode ser alcançada por meios geopolíticos ou até mesmo com visões maniqueístas da história (a Santa Ortodoxia contra o Ocidente secularizado)", escreve Dimitrios Keramidas, em artigo publicado por Settimana News, 04-04-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Três anos depois que o Patriarcado Ecumênico concedeu a autocefalia à Igreja da Ucrânia e os desenvolvimentos que ocorreram nesse meio tempo (a reação do Patriarcado de Moscou com a interrupção da comunhão eucarística com o Patriarcado Ecumênico e com as Igrejas que reconheceram a autocefalia ucraniana, a instituição de um Exarcado russo no território do Patriarcado de Alexandria, os vários apelos a um novo concílio pan-ortodoxo) veio a guerra na Ucrânia.
Essa guerra nos lembra dramaticamente não apenas o papel da Ortodoxia no cenário geopolítico internacional ou a relação entre a Igreja e os programas políticos (veja-se a condenação da teoria do "mundo russo" pela comunidade ortodoxa internacional), mas mais precisamente as relações entre as Igrejas Ortodoxas na Ucrânia, onde atualmente existe um conflito bélico entre países de origem ortodoxa naquele que é o berço espiritual comum do cristianismo russo-ucraniano.
A guerra, portanto, nos dá a oportunidade de fazer algumas reflexões, com pleno respeito pelas vítimas, feridos e refugiados, sobre o futuro da Ortodoxia na Ucrânia e em geral.
Em primeiro lugar, quanto à situação na Ucrânia, acreditamos ser possível afirmar que:
- A concessão da autocefalia não é a confirmação das divisões existentes, mas a tentativa de sanar as várias lacerações e, juntamente com isso, um apelo a uma comunhão mais forte entre uma Igreja particular e o resto do mundo cristão. Em outras palavras, a autocefalia não é o direito concedido a uma Igreja particular de se separar das demais, mas o dever de entrar em comunhão com toda a Igreja espalhada em todo o mundo.
- A autocefalia não é "distribuída" com base na origem nacional (ucraniana, russa, sérvia, grega etc.), mas indica a obrigação de se converter a um modo de existência eclesial (que é um modo pós-nacional), no qual todos os batizados em Cristo de um determinado lugar são unidos na mesma Ceia e liderados pelos mesmos pastores.
- Do ponto de vista eclesiológico e canônico, a autocefalia ucraniana tinha a ambição de unir comunidades divididas (uma situação que envolve milhões de fiéis) e não de dividir aqueles que já estão unidos (como, infelizmente, aconteceu com a instituição do Exarcado Africano Russo).
- A autocefalia é um caminho para a unidade e, portanto, um evento sinodal constante. A unidade pode ser alcançada através dos órgãos sinodais das duas Igrejas (a autocéfala e a presidida por Moscou) ou por meio de outros órgãos transitórios ou ainda, como foi proposto, pela convocação de um novo Sínodo de unificação.
- Finalmente, a autocefalia ucraniana é um convite ecumênico, um caminho de reconciliação e pacificação entre ortodoxos e ucranianos em comunhão com a Igreja de Roma, eles também vítimas da guerra. De uma terra de divisão entre Leste e Oeste, a Ucrânia pode se tornar um canteiro de obra para a unidade.
Acreditamos poder dizer que o caminho da ortodoxia ucraniana após a guerra não deve ser outro que o da convergência de pastores e fiéis para a confissão comum em Cristo, longe de lideranças que, em nome de Deus, impõem seus programas por meios estranhos à Igreja e com propósitos contrários à fé.
No caminho rumo à unidade, o Patriarcado Ecumênico deveria agir de forma subsidiária e na medida em que for necessário fortalecer o caminho da reconciliação. A unidade dos ucranianos é principalmente uma exigência interna e não uma oportunidade para impor de fora o suposto poder de uma Igreja sobre as outras.
A atitude do Patriarcado de Moscou, ou seja, a não condenação da invasão russa, a quase justificação da guerra, as referências à "justa paz", suscitam uma preocupação: está a Igreja russa hoje em condições de promover a unidade entre os ortodoxos ou não? A discordância de muitos, dentro e fora da Ucrânia, em relação ao Patriarca Kirill colocou em crise a credibilidade da atual administração do Patriarcado Russo.
Relacionada às questões acima, existe a atitude quase neutra de algumas Igrejas Ortodoxas diante da guerra. Podemo-nos perguntar se essas posições são tomadas com conhecimento dos fatos e sensibilidade pastoral ou ditadas por pressões políticas.
Referimo-nos, em particular, às declarações dos Patriarcados de Antioquia e Jerusalém, que de fato indicaram a necessidade de rezar pela paz sem, no entanto, condenar abertamente a invasão russa. Em outros casos, porém, as posições, como a da Igreja Sérvia, parecem ser motivadas por uma oposição geral ao Ocidente euro-atlântico (posição decorrente dos bombardeios de Belgrado pelas forças da OTAN na década de 1990).
Mas podem efetivamente memórias históricas e pertenças etnoculturais comprometer a atitude cristã diante de um evento tão trágico como a guerra?
Muitos estão perplexos com a atitude das outras Igrejas cristãs e órgãos ecumênicos. Neste caso, trata-se de avaliar a reorientação das relações ecumênicas e o nexo entre o ecumenismo teológico e a diplomacia eclesiástica (esta última tendendo a manter uma neutralidade não melhor especificada perante todas as Igrejas ou perante países agressores e países agredidos).
O diálogo entre ortodoxos e católicos reconheceu desde o início a Ortodoxia como uma Igreja com uma ordem própria (na qual se destacam a sinodalidade e o primado jurídico da Igreja de Constantinopla). Portanto, as intervenções ecumênicas deveriam respeitar a integridade da eclesiologia ortodoxa (mesmo que atualmente ferida), assim como os ortodoxos reconhecem a unidade do catolicismo na pessoa do bispo de Roma.
Se a diplomacia eclesiástica ignora a eclesiologia, então iniciativas diplomáticas ou de "mediação", mesmo se promovidas com propósitos genuínos e nobres, correm o risco de criar mais problemas do que os já existentes não apenas entre os ortodoxos, mas também entre os ortodoxos e os parceiros ecumênicos.
Qualquer que seja a posição da ortodoxia ucraniana após a guerra, se deveria, em nossa opinião, evitar justificar o surgimento de um neonacionalismo ucraniano, a afirmação da russofobia ou a guetização de uma ou mais igrejas. A Ortodoxia deveria proceder com base no que é: a "Una" Igreja de Cristo, uma Igreja purificada daqueles elementos, agora visíveis a todos, que levaram à projeção agressiva de ideias e práticas estranhas ao Evangelho.
Estas são algumas questões preliminares que dizem respeito à comunidade eclesiástica internacional. Pensamos que qualquer que seja o resultado da guerra - que esperamos termine o mais rápido possível e com o menor custo possível - algumas Igrejas, com suas ações, declarações ou silêncio, revelaram o trágico fracasso de um modelo de política religiosa feito por narrativas etno-religiosas usadas para demonstrar que a unidade cristã pode ser alcançada por meios geopolíticos ou até mesmo com visões maniqueístas da história (a Santa Ortodoxia contra o Ocidente secularizado).
Tais visões ou outras semelhantes promovidas no passado (a helenização da Ortodoxia, a Grande Sérvia, a Grande Bulgária etc.) foram prontamente condenadas como uma heresia que não observa a tradição apostólica que todos, pelo menos em teoria, dizem querer honrar.
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O impasse bélico da Ortodoxia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU