07 Março 2022
"A escolha da paz hoje é mais difícil do que nunca. Não só porque se corre o risco de ser apontado ao escárnio público, mas também porque ressoam, mais agressivas do que nunca, as acusações de culpada indolência, de falsa equidistância", escreve Donatella Di Cesare, filósofa italiana e professora de Filosofia Teórica na Universidade de Roma “La Sapienza”, em artigo publicado La Stampa, 06-03-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Segundo ela, "a etimologia da palavra "guerra" significa confusão. O termo é indicado para situações de bagunça, tumulto, barulho, que se tornaram experiências cotidianas. Para não se deixar envolver por essa beligerância é preciso dar um passo atrás, que não é o da desconsideração, mas o do pensamento e da reflexão. Do poço vertiginoso do século XX, que parecia lacrado para sempre, ressurgiu a barbárie, tanto aquela de quem produz a guerra quanto a de quem a admite como meio incontornável, reiniciando a espiral de violência".
Se Immanuel Kant estivesse vivo hoje, teria dificuldade em reconhecer a sua Europa. E teria dificuldade em acreditar que existam aqueles, mesmo entre líderes políticos e chefes de governo, que indicam na paz uma ilusão fora de moda e veem na guerra o único meio de parar a guerra. Outras armas para parar as armas.
Exatamente o oposto do que ele escrevia em seu grande ensaio de 1795 "À paz perpétua", quase uma certidão de nascimento da União Europeia. A guerra não pode continuar a ser considerada um remédio inelutável, um remédio mais ou menos amargo; porque nesta lógica, o risco é que ganhe forma a "paz dos mortos", o grande cemitério europeu.
Aqui está o pesadelo de Kant que todos nós vivemos nestes dias sombrios e angustiantes. Interromper a espiral através da qual se busca a paz preparando-se para a guerra - esta é a sua indicação. E vale para a política, para a ética, para a convivência civil.
Alguém me culpou, com certa veemência sarcástica, por argumentar que a paz é uma condição da liberdade. Como se fosse uma ideia obscena que não possa ser articulada no cenário público, ainda mais diante dos ucranianos que combatem. Só que aquele é um pensamento de Kant, que eu me limito a relançar, convencida de que não se ajudam crianças, mulheres e idosos enviando outras armas mais ou menos letais e aumentando a escalada da guerra. Onde foi parar a política que endossa a guerra por procuração? E por que está em silêncio? Onde está a União Europeia, que deveria ter sido a protagonista das negociações?
A escolha da paz hoje é mais difícil do que nunca. Não só porque se corre o risco de ser apontado ao escárnio público, mas também porque ressoam, mais agressivas do que nunca, as acusações de culpada indolência, de falsa equidistância. Na pior das hipóteses você é um Putinversteher, um putinista, na melhor das hipóteses você é um detestável bom moço, um intelectual imprestável que não aceita a guerra como destino. Por outro lado, sabemos, a guerra é a realidade em sua dureza, é a dura realidade que prevalece sobre a palavra, a despedaça, a quebra em mil pedaços. Mesmo longe do front imediato torna-se difícil falar em um debate agora militarizado.
Você não vê essas imagens? Mas como não estar do lado dos ucranianos? Por que você não desfralda a sua bandeira? Porque sou alérgica aos pavilhões nacionais, atrás dos quais espreitam os obscuros nacionalismos europeus. E sobretudo porque acredito que os povos são as vítimas de guerras que, como aquelas do século XX, quando vistas em retrospecto, causam horror.
A etimologia da palavra "guerra" significa confusão. O termo é indicado para situações de bagunça, tumulto, barulho, que se tornaram experiências cotidianas. Para não se deixar envolver por essa beligerância é preciso dar um passo atrás, que não é o da desconsideração, mas o do pensamento e da reflexão. Do poço vertiginoso do século XX, que parecia lacrado para sempre, ressurgiu a barbárie, tanto aquela de quem produz a guerra quanto a de quem a admite como meio incontornável, reiniciando a espiral de violência.
No que me diz respeito, não deixarei de acreditar, mesmo nestas horas terríveis, que seja possível uma abertura, aliás, que seja necessário olhar para além da guerra, construindo imediatamente um cenário de paz. Negociações, intermediários, diplomacia - não podemos aceitar a derrota da palavra. Porque significaria acreditar no fim da política.
A essa altura, as pesquisas começam a dizer claramente que na Itália a grande maioria das pessoas é contra o envio de armas. Talvez seja também por isso que se acentuam os tons desdenhosos de uma específica propaganda bélica que, ao que parece, não tem tanto apelo.
Desta vez não iremos nos render à ideia de uma Europa em ruínas.
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Não aceitamos a derrota da diplomacia. Artigo de Donatella Di Cesare - Instituto Humanitas Unisinos - IHU