24 Fevereiro 2022
"Nos últimos dias ouvimos quase só a opinião dos 'especialistas', que agora ocupam o espaço público. E, neste caso, são principalmente os estrategistas geopolíticos que explicam com grande detalhe quais são as causas e os movimentos, de ambos os lados. Mas agora, mais do que nunca, precisamos de política e de uma visão que possa indicar uma saída para o atoleiro bélico", escreve a filósofa italiana Donatella Di Cesare, professora de Filosofia Teórica na Universidade “La Sapienza”, de Roma, em artigo publicado por La Stampa, 23-02-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Perguntamo-nos onde foram parar os pacifistas, por que estão calados, quando agora parece que granadas, bombas e balas estão tomando as decisões. Ou talvez deveríamos nos perguntar onde estariam aqueles favoráveis à guerra, que a apoiam e propiciam. Nos maiores países europeus, talvez sejam uma minoria. A questão é que a opinião pública está literalmente atônita, atordoada, ainda incapaz de reagir. Estamos subindo a ladeira da pandemia, que, aliás, ainda não acabou, e em vez de podermos olhar para o futuro com alguma esperança, acordamos depois de dois anos de pesadelo com uma guerra no coração da Europa.
Ainda por cima uma guerra travada com as novas armas de inteligência e informação, mas, no restante, tradicional - aliás, extremamente tradicional. Mulheres, idosos e crianças em fuga de suas casas, entrada de tanques, reservas de bolsas de sangue prontas para o uso, dado que as vítimas já são calculadas na casa dos milhares. Sentimo-nos projetados para o passado mais sombrio, sobretudo aquele da guerra dos Balcãs. Como se não tivessem bastado aqueles massacres, o genocídio de Srebrenica. E isso deveria acontecer novamente na Europa? Já provada pela pandemia?
Nos últimos dias ouvimos quase só a opinião dos “especialistas”, que agora ocupam o espaço público. E, neste caso, são principalmente os estrategistas geopolíticos que explicam com grande detalhe quais são as causas e os movimentos, de ambos os lados. Mas agora, mais do que nunca, precisamos de política e de uma visão que possa indicar uma saída para o atoleiro bélico.
Se estamos atordoados diante de tal escalada, a ponto de ainda não conseguirmos reagir, é porque muitos confiaram nas competências diplomáticas, sobretudo europeias, para chegar a um acordo. Não basta para nós quem troveja contra Putin - que certamente é um autocrata - demonizando a Rússia. E para fazer isso com mais facilidade, traz à tona antigos cenários soviéticos. Como se não existissem graves responsabilidades do outro lado. Até agora, a voz política que se manifestou é a de Romano Prodi. O risco na Itália, onde em geral se fala quase que exclusivamente de assuntos internos e pouco sobre o exterior, é que as pessoas simplesmente não entendem. Quem explicará àqueles que terão de pagar as contas mais altas, ou talvez sofrer consequências ainda mais devastadoras da crise energética, que a Ucrânia deve entrar na OTAN a todo custo? E as sanções à Rússia não se traduzirão em punições para nós?
Justamente no início deste novo século, o filósofo Jürgen Habermas falava em "o Ocidente dividido", atribuindo a essa expressão um valor positivo - e de forma alguma negativo, como é costume hoje. No rescaldo da guerra no Iraque, cujos efeitos ainda estamos pagando, Habermas ressaltava a fratura entre uma política estadunidense que seguia seus próprios interesses, por um lado, violando a legalidade internacional, até mesmo princípios jurídicos fundamentais, e pelo outro, ignorando completamente os tradicionais aliados europeus. Quanto a este último ponto, basta pensar na vergonhosa fuga do Afeganistão, que aconteceu como se a OTAN não existisse.
Àquele unilateralismo estadunidense, Habermas contrapunha o projeto cosmopolita que, apesar das guerras devastadoras e, aliás, precisamente com base nas experiências bélicas, sempre animou a Europa. Viemos daqui, somos herdeiros de Kant e sua grande advertência sobre a paz perpétua. Porque quando se deixa que a guerra até apenas se insinue entre os povos europeus, então haverá a paz eterna dos cemitérios, não a paz dos vivos capazes de encontrar um acordo.
Mas também somos herdeiros daquele pensamento crítico que nos ensinou que o Estado nacional com suas fronteiras rígidas, que rejeita e discrimina os migrantes, é um grande problema para a Europa. Vemos isso hoje na Ucrânia. Porque onde povos e línguas se misturam, a nação torna-se uma situação forçada e uma fonte de conflito. Isso também surgiu em outros cenários. Antes de falar de "soberania" e "integridade territorial", como se faz nestas horas, deveríamos falar de povos e seres humanos. É por isso que o federalismo serve. Por isso a União Europeia deveria ter sido há tempo uma forma política supranacional capaz de prevenir situações de crise como a atual. Quem é pacifista hoje é também europeísta e pensa que a Europa, este antigo Ocidente e mais, deve ser protagonista e intervir imediatamente para evitar novos massacres.
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Os destinos da Europa e a paz dos vivos. Artigo de Donatella di Cesare - Instituto Humanitas Unisinos - IHU