21 Setembro 2021
Em uma confortável sala de operações de uma das inúmeras bases estadunidenses no mundo um jovem militar digita, aperta botões, controla uma tela. Não parece mesmo um guerreiro: obeso, meio flácido, de militar só tem o uniforme. Além disso, ele nunca fez cursos de combate, talvez nem saiba atirar, provavelmente tenha também medo. Diante de um adversário armado com uma faca, ele fugiria como um raio. No entanto, esta sala de operações é um campo de batalha, mas não inundada por raiva, ódio e medo, e pela fúria do combate que remove até mesmo os propósitos pelos quais se luta.
O artigo é de Domenico Quirico, publicada por La Stampa, 19-09-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
O jovem é um especialista em tecnologia, só escolheu o exército porque paga bem. Mas sua capacidade de matar é gigantesca: ele é um piloto de drones, a arma de guerra do século XXI que vai substituir o tanque, o helicóptero, o bombardeiro. Com os quais os Estados Unidos vão caçar os jihadistas e aos quais vão confiar as represálias imediatas.
Os conflitos de tecnocratas sem qualidades.
O piloto dos drones mata à distância como o pávido e elegante Paris podia ferir os heróis gregos com seu arco, e um arcabuzeiro plebeu matar com impunidade Bayard "o último dos antigos cavaleiros".
Arco e arcabuz, armas infernais, ilícitas, dizia-se, porque são traiçoeiras, não requerem coragem.
O drone está agora em posição de lançar seus mísseis. O alvo é uma casa ou uma praça. Vê-se na tela um enxame de pessoas em agitação, entrando e saindo constantemente dos edifícios. Para os satélites espiões e o serviço de inteligência, tudo é claro: o quartel-general de um comando da Al Qaeda ou um arsenal mortal do Califado. O operador está calmo, pensa no que fará quando, em algumas horas, seu turno terminar. Aguarda a ordem. Em seguida, manobra seus dispositivos, a uma distância de milhares de quilômetros a casa se desintegra em uma nuvem cenográfica de poeira. Na sala de controle, uma exclamação controlada de satisfação comemora o massacre remoto: como uma cesta marcada, um gol marcado no campo de futebol. Tarefa concluída. O drone é calmamente chamado de volta à base. Não há nada do horrível narcótico da guerra que dê aos combatentes um propósito, um sentido, que oferece uma causa. E o gosto do medo e das memórias terríveis que se tenta manter enterrados.
Esta guerra não pode sequer ser contada de forma corporal, que é a única possível, sem escorregar na mentira do mito. Um trabalho banal e asséptico atrás do qual é ainda mais fácil, infelizmente, esconder a absoluta crueldade e estupidez humana.
Viva! Portanto, inventamos a guerra sem mortos, compreensível, suportável como uma sequência em uma tela em preto e branco. São os nossos mortos que não existem mais. Os mortos deles, que ao contrário existem, aliás se multiplicam. Mas só os nossos, se sabe, é que contam. As guerras podem se tornar confortavelmente infinitas a partir de agora: porque não pagamos mais o preço, não há cadáver antiestético e quedas nas pesquisas na televisão. Apenas explosões cenográficas e vitoriosas, um filme.
Mesmo assim, os drones não impediram no Afeganistão aos EUA perder para os esfarrapados Talibãs armados com primitivos Kalashnikovs. Mais uma vez, Davi com sua funda pouco glamorosa derrotou Golias coberto de ferro. Essa conclusão impossível representa o triunfo do arcaico sobre o progresso, da mobilidade sobre a rigidez, da astúcia sobre a arrogância, da paciência sobre a força bruta.
Além disso, há o capítulo trágico dos incontáveis erros cometidos pelos drones: os pontinhos na tela que se agitavam e atiravam para cima eram os convidados de uma festa de casamento, não uma reunião desenfreada de talibãs; uma carreata de pick-ups transportava famílias que voltavam do mercado para casa, e não uma coluna de mujahideen escoltando um emir. Os ataques errados dos drones aumentaram o ódio pelos invasores estadunidenses entre as populações afegãs. Acontece lá, aconteceu no Iraque.
Os drones high-tech estão se tornando a arma total. E um problema ético que devemos avaliar com urgência. Analistas e equipes militares celebraram a primeira vitória em uma guerra convencional obtida por drones: a de Nagorno Karabakh. Os azeris com seus dispositivos turcos aniquilaram o exército armênio cujos generais, saudosistas, tinham a ilusão de que ainda podiam travar uma boa guerra no estilo soviético, um revival dos anos 80 do século passado: tanques contra tanques, artilharia, helicópteros... arqueologia.
Existe uma corrida pelo rearmamento tecnológico de baixo custo à qual ninguém presta atenção: EUA, França, Inglaterra, Turquia, Rússia, China, Qatar produzem aos montes, drones grandes, médios pequenos, para serem usados em enxames ou isolados, todos os fabricam, os vendem, os compram. É o bazar do consumismo militar. E então: por que se preocupar? Eles apenas matam os outros. É a tecnologia, o progresso, a globalização da morte de baixo custo ... como nos tempos em que o italiano Dohuet profetizava que o bombardeio tornaria as guerras mais curtas e menos sangrentas porque imensos grupos de bombardeiros aniquilariam imediatamente as indústrias do adversário, impedindo-o de resistir.
Temos a ilusão de que os drones tornem a guerra gratuita e eliminem, para nós, divindades tecnológicas e intocáveis, a dor, as mães desoladas, as gerações dilaceradas.
O problema é que com o drone o perseguidor não sente os efeitos que sua arma provoca. Como acontecia com os artilheiros ou as tripulações das aeronaves, desenvolve-se uma espécie de indiferença. Sua violência é mediada pela técnica e se assemelha a qualquer trabalho tecnológico. O dispositivo é acionado, os alvos são mal e mal reconhecíveis, homens e prédios são pontinhos na tela.
Onde está o delito?
Mas a ausência de risco em matar elimina um dos poucos verdadeiros freios à guerra, o medo de morrer enfrentando o inimigo diretamente. As pessoas agora estão matando com facilidade e impunidade. O massacre se torna mais simples, o remorso se esvai. Bairros inteiros são explodidos, os humanos são eliminados com método e impunemente. E àqueles mortos por engano?
O soldado-informático não os vê, não toca seu sangue, os corpos dilacerados. Eles não o assombram como um pesadelo ou culpa ... pontinhos em uma tela. E mesmo ele, quando as casas desabam, quando os raios da explosão que guiou de longe brilham como um apocalipse e o fogo incendeia o céu, como os verdadeiros guerreiros, é tomado pela excitação. Seu sucesso é medido não pela qualidade das atrocidades que executou com uma baioneta ou uma espada, mas pela quantidade e pela estética da destruição, pela dimensão da devastação e pela massa dos mortos.
Até que um dia o novo Bin Laden, em vez de treinar homens-bomba para pilotar um avião sequestrado, descobrirá que basta comprar um drone e dirigi-lo de alguma caverna em Tora Bora até a Casa Branca. Então descobriremos que a guerra sem morte não nos pertence mais. E se voltou contra nós.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Afeganistão. Os drones estadunidenses e o último massacre dos inocentes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU