02 Setembro 2021
Cada indivíduo reivindica o direito de decidir pela própria vida. Com uma variação dramática: o vizinho, o outro, o próprio parente não deve impedir a minha liberdade, que é absoluta e inviolável.
A opinião é de Vinicio Albanesi, professor do Instituto Teológico Marchigiano, presidente da Comunidade de Capodarco desde 1994 e fundador da agência jornalística Redattore Sociale e, junto com o Pe. Luigi Ciotti, da Coordenação Nacional das Comunidades de Acolhida (CNCA) da Itália.
O artigo foi publicado em Settimana News, 31-08-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
É impressionante assistir à recusa da vacinação contra a Covid por parte de uma significativa minoria de pessoas que representam várias condições e profissões, incluindo médicos e professores. Recentemente, essa oposição está manifestando formas de agressividade e de violência insuportáveis.
A pergunta simples que surge é de onde vem a rejeição. As respostas que os interessados dão não convencem: “Não queremos ser cobaias”, “a nossa liberdade é impedida”, “a Covid é uma invenção”, “é o resultado de um complô”, “não houve tempo suficiente para elaborar uma vacina”...
Aprofundando o exame do fenômeno, as respostas devem ser deslocadas para trás no tempo e examinadas na história. As epidemias existiram também no século XX e, em alguns casos, até mesmo pandemias: basta recordar a chamada “gripe espanhola” no início do século, que ceifou milhões de pessoas, na ausência de respostas médicas. O resultado foi melhor com a gripe “asiática” e com o ebola: a poliomielite, graças à pesquisa e aos cuidados médicos, desapareceu.
Os mortos por Covid na Itália foram mais de 130 mil; no mundo, mais de quatro milhões. Os dados recentes dizem que cerca de 80% das pessoas atualmente na UTI com Covid não se vacinaram. Os macronúmeros, portanto, dizem que a vacina funciona, mesmo que não seja infalível e, em casos raros, pode produzir efeitos colaterais negativos.
Um cenário bem conhecido na experiência comum: a medicina é uma ciência imperfeita; os remédios podem ter efeitos colaterais negativos. Também é verdade que a comunicação da difusão e das respostas médicas à Covid nem sempre foi linear e apropriada; a resposta – especialmente no início – também não foi oportuna e eficaz.
Os cuidados intensivos ou simplesmente específicos contra a Covid salvaram muitas pessoas. O sistema de saúde, mesmo com dificuldade, respondeu à pandemia.
Assistimos, assim, a uma espécie de esquizofrenia: de um lado, a busca de um sistema de saúde perfeito, especialmente de urgência/emergência; de outro, a pretensão de ser livre para prevenir a pandemia. Ainda há alguns meses, diante da obrigatoriedade da vacinação infantil (poliomielite, difteria, tétano, hepatite, coqueluche, sarampo, rubéola...), manifestaram-se bolsões de resistência.
A explicação nasce de uma raiz que une a recusa.
A resposta explícita é que cada indivíduo reivindica o direito de decidir pela própria vida. Com uma variação dramática: o vizinho, o outro, o próprio parente não deve impedir a minha liberdade, que é absoluta e inviolável.
Não só isso: no momento da necessidade, o “eu” individual pode mudar de opinião e reivindicar a resposta social, constituída pelo sistema social que deve ser eficiente e infalível. Surgem episódios de pessoas não vacinadas que, hospitalizadas, invocam para serem salvas, pedindo desculpas por terem se equivocado.
O “eu” tornou-se hipertrófico e inoportuno. Foi a era moderna que afirmou o personalismo, que se tornou, ano após ano, cada vez mais invasivo.
No século XIX, foi desmantelada a função da religião, reduzida a uma forma privada de adesão de sentimentos, nem mesmo inteligente. Passou-se para o Estado, cujas leis são ignoradas, exceto para se defender contra as transgressões administrativas e penais: as dificuldades dos partidos políticos se somam pela falta de confiança para a representatividade civil; isso também vale para as organizações sindicais. O mundo do voluntariado e das organizações sem fins lucrativos está em dificuldade, cortado pela metade em termos de número e nunca valorizado, insinuando, de tempos em tempos, interesses e descréditos.
Agora é a vez da ciência, à qual não se concede mais confiança.
Cada um se sente especialistas em coisas que não conhece, mas que, genericamente, por meio da comunicação em rede, orienta seu próprio sentimento em relação a uma tese. Nenhuma objeção séria, com dados de experiência, é apresentada para se opor à orientação médica. É impressionante que médicos façam isso, quem, por missão e profissão, deveria conhecer o assunto. A oposição a um tratamento deveria ser sustentada por dados certificados.
Por outro lado, essa abordagem solitária é difundida em todos os aspectos da vida: afetivo, profissional, social. Muitos crimes graves têm motivos de posse: os feminicídios em aumento são a prova disso. O “eu” agressivo pode matar esposa, filhos, companheiros e companheiras, por estar privado da posse.
A própria família está cada vez mais precária e instável. A comunhão, embora declarada, não é ativada suficientemente: muda em momentos diferentes e para cada um dos dois. O bem dos filhos muitas vezes não é suficiente para restabelecer o equilíbrio.
Está-se pedindo para se ter liberdade para a própria identidade de gênero. O projeto de lei Zan, em discussão no Parlamento [italiano], declara que “por identidade de gênero se entende a identificação percebida e manifestada de si mesmo em relação ao gênero, mesmo que não corresponda ao sexo, independentemente do fato de ter concluído um percurso de transição”.
São alimentadas as pressões pela legalidade das barrigas de aluguel, com sêmen desconhecido.
Isso também vale para a morte: a eutanásia está deslizando para o pedido da própria morte, independentemente das condições de saúde que outros deveriam certificar.
Em suma, uma espécie de onipotência fundada no “eu” que naturalmente é variável por ser subjetiva, daí o pedido de transformar muitos desejos em direitos.
Esse subjetivismo é possível em ambientes abastados. Só os ricos podem pedir cada vez mais benefícios físicos, culturais, afetivos para o seu próprio bem-estar. Tudo alimentado pela tecnologia e pelo comércio. Já agora são perceptíveis os limites das necessidades não essenciais, impulsionadas pela publicidade obsessiva e por desejos induzidos, apenas para depois ficarem fechados em casa devido a uma epidemia.
Quem tem que prover a própria sobrevivência tem outras prioridades. Os pobres são treinados no essencial; provavelmente destinados a ter menos angústias e medos.
Como sairemos dessa tendência, se as autoridades morais e sociais não são ouvidas e não são influentes?
Acredito que será a natureza quem nos fará redescobrir o “nós”. Ao forçar o individualismo, os desastres ambientais e pessoais se tornarão insuportáveis.
O ambiente já está mostrando a rebelião contra o colapso fruto das mãos humanas: as mudanças climáticas e a poluição apresentam a conta de uma utilização desproporcional do ambiente. Aglomerados urbanos além dos limites da habitabilidade, núcleos industriais poluentes, espaços ocupados sem respiro e sem racionalidade.
É a solidão quem aguarda o humano que se preocupa só com o próprio “eu”. Enquanto somos rico, saudáveis, jovens, parece que a vida é eternamente feliz. Os males podem chegar, mesmo não sendo desejáveis, embora possíveis. O solitário, na necessidade, será entregue a mãos estrangeiras que cuidarão dele como trabalho, não criando comunhão e afeto.
Não é uma visão apocalíptica, mas o único caminho para recuperar o “nós”: a fraternidade, na qual o Papa Francisco insistiu com a encíclica Fratelli tutti, chama a viver em grupos familiares, territoriais, culturais nos quais a própria identidade está em relação com os próprios semelhantes, até os confins do mundo.
As nossas necessidades pessoais e sociais só podem evoluir na harmonia da criação, para que cada um, com as próprias capacidades, possa contribuir com a felicidade própria e a de quem encontra. Não por acaso, a regra de ouro do Evangelho sugere amar o próximo como a si mesmo: o “eu” não está excluído, mas inclui o dos outros, constituindo a comunhão entre os diferentes.
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Eu, eu, eu... e os outros? Artigo de Vinicio Albanesi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU