29 Junho 2021
A carta de Bergoglio ao jesuíta James Martin é uma bênção do “ministério inclusivo”.
A reportagem é de Jesús Bastante, publicada por Religión Digital, 28-06-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Esperava-se um “gesto” de Francisco que, de alguma maneira, o desvinculasse da polêmica nota da Congregação para a Doutrina da Fé proibindo a bênção a casais homossexuais – e este gesto foi dado. Histórico: a primeira vez que, por escrito, o Papa de Roma abençoa o “ministério” dos padres que trabalham com as comunidades crentes LGBTQIA+.
Em uma carta para o jesuíta James Martin, o principal motivador de uma “pastoral inclusiva”, que defende a bênção a casais do mesmo sexo, assim como uma nova concepção da sexualidade e do pecado, Francisco agradeceu ser “um padre para todos e todas, como Deus é um pai para todos e todas”.
“O estilo de Deus tem três traços: proximidade, compaixão e ternura”, escreve o Papa, que reivindica o “trabalho pastoral” de Martin, a quem pede que “siga assim, sendo próximo, compassivo e com muita ternura”. Ao mesmo tempo, Francisco agradeceu ao jesuíta por sua “capacidade de estar próximo do povo, com a proximidade que tinha Jesus e reflete a proximidade de Deus”.
“Rezo por teus fiéis, por teus ‘paroquianos’ – expressou o Papa –, por todos aqueles que o Senhor colocou ao teu lado para que os cuide, os proteja e os faça crescer no amor de nosso Senhor Jesus Cristo”, finaliza a carta papal, que vai de encontro à nota oficial publica há dois meses pela Congregação para a Doutrina da Fé, a qual fechava a porta para as bênçãos de casais homossexuais porque “a Igreja não abençoa, nem pode abençoar o pecado”.
O escrito, que não foi assinado por Bergoglio mas contava com sua aprovação (ou, ao menos, seu conhecimento), foi um balde de água fria nas aspirações dos coletivos LGBTQIA+ cristãos, que esperavam que, com este pontífice, abrir-se-ia definitivamente a porta à igualdade de direitos na Igreja.
“A bênção das uniões homossexuais não pode ser considerada lícita”, apontava a nota, que apontava que “não existe nenhum fundamento para assimilar ou estabelecer analogias, nem sequer remotas, entre as uniões homossexuais e o desígnio de Deus sobre o matrimônio e a família”.
Em outro momento, Bergoglio mostrou-se “muito preocupado” pelo dano causado aos coletivos LGBTQIA+ cristãos depois do “Não” da Congregação para a Doutrina da Fé à bênção de casais homossexuais, e por não ter medido as consequências de ter dado sua aprovação à publicação do texto.
De fato, poucos dias depois, o Papa arremetia contra os que semeavam “condenações teóricas” a tudo o que saía da suposta norma, e convidava a evitar “as pretensões de legalismo ou moralismo clericais”. Posteriormente, a Santa Sé não fez nenhum comentário, nem proibiu o movimento de boa parte da Igreja Alemã, que no último 10 de maio convocou uma grande bênção de casais do mesmo sexo nos templos católicos.
E há poucos dias, Francisco nomeou Juan Carlos Cruz, uma das vítimas de Karadima e homossexual assumido, membro da Comissão Antipedofilia. Nesta mesma quinta-feira, Bergoglio voltou a receber Cruz, a quem já havia dito, diante de sua pergunta sobre se poderia receber a bênção sendo gay: “Sabe, Juan Carlos, isso não importa (...) Deus te fez assim. Deus te ama assim, ame-se e não se preocupe com o que as pessoas dizem”.
A carta a James Martin supõe, em todo caso, um marco, pois é a primeira vez que mesmo Papa de Roma fala de ministério na hora de falar de pastoral LGBTQIA+, respaldando publicamente o religioso norte-americano, alvo marcado pelas iras dos setores ultraconservadores por sua defesa da igualdade de direitos dos católicos na Igreja, independentemente de sua condição sexual.
Contudo, a polêmica se arrastra pelo Vaticano a um contínuo ‘aperta e solta’ no tocante à homossexualidade. Assim, na última semana, o ‘ministro’ de Relações Exteriores da Santa Sé, Paul Richard Gallagher, enviava uma “nota formal” de protesto ante a próxima aprovação da lei contra a Homofobia e a Transfobia na Itália, ao considerar que poderia “violar a Concordata”, assinada nos tempos de Mussolini (1929) e que se consagram as relações entre Igreja e Estado no país.
A situação chegou a tal ponto que o primeiro ministro italiano, o católico Mário Draghi, foi enfático na semana passada ao recordar à Santa Sé que a Itália é um “Estado laico, não confessional”, o que motivou que o secretário de Estado, Pietro Parolin, tratasse de explicar que o Vaticano não quis se intrometer em assuntos italianos, mas sim “esclarecer” as dificuldades que alguns aspectos da lei poderiam ter nos centros de educação católica. Seja como for, o certo é que, por muitas cartas ou reflexões de Bergoglio, a Igreja Católica em seu conjunto (e a espanhola, lamentavelmente, não é uma exceção) tem um problema, e muito sério, com a diversidade sexual.
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Um gesto histórico do Papa que rompe com séculos de perseguição ao coletivo LGBTQIA+ na Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU