20 Janeiro 2021
Ele comemora 85 anos no dia 19 de janeiro, bem no meio da Semana Ecumênica pela Unidade dos Cristãos. Paolo Ricca, teólogo e pastor valdense, é uma das vozes mais respeitadas e brilhantes na cena ecumênica. Testemunha do progresso das Igrejas nas últimas décadas, ele participou pessoalmente dos trabalhos de várias entidades internacionais. Por 15 anos ele foi membro da comissão “Fé e Constituição” do Conselho Ecumênico de Igrejas em Genebra. Em nome da Aliança Reformada Mundial, ele acompanhou o Concílio Vaticano II como jornalista credenciado; ele ensinou teologia na Faculdade Valdense de Roma; foi presidente da Sociedade Bíblica na Itália por dois mandatos. Por muito tempo foi professor convidado do Pontifício Ateneu Sant'Anselmo; colabora com a Secretaria de Atividades Ecumênicas (SAE) e dirige para a editora Claudiana a coleção Lutero. Obras selecionadas.
A entrevista com Paolo Ricca é de Vittoria Prisciandaro, publicada por Jesus, janeiro de 2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Professor Ricca, quais são em sua opinião os passos mais importantes dados até agora no caminho ecumênico entre as Igrejas cristãs? E qual é a tarefa mais significativa que temos pela frente?
O mais importante é que, ainda que lentamente, está se espalhando no Cristianismo em geral a consciência de que hoje não se pode ser cristão sem ser ecumênico. Uma abordagem ecumênica da vida cristã tanto dos indivíduos como das paróquias, em todo caso, da Igreja como um todo, é essencial. Se, como até um século atrás, formos cristãos apenas no modo confessional, isto é, cada um dentro de sua própria confissão, na melhor das hipóteses seremos cristãos pela metade. O ecumenismo é basicamente um fenômeno recente, que começou apenas na segunda metade do século XIX: é um processo que avança lentamente, mas progressivamente em quase todas as Igrejas cristãs. O catolicismo entrou tardiamente no movimento, apenas nos anos 60 do século passado, mas com vontade e capacidade de estruturar de imediato a ideia ecumênica, já a partir do Concílio Vaticano II, dando assim continuidade e solidez à virada ecumênica em âmbito católico da qual não há volta.
Quais são, no entanto, os principais obstáculos ao diálogo?
O maior obstáculo é a lentidão que todas as Igrejas têm em sair da mentalidade do monólogo e entrar naquela do diálogo. Ou seja, abandonar a ideia de autossuficiência, de que a própria Igreja é suficiente para realizar o cristianismo. A descoberta ecumênica é justamente esta: uma Igreja, pequena ou grande, não basta, há sempre um déficit.
Minha identidade confessional, seja ela qual for, é deficitária em relação à realização da plenitude de ser cristão. Há séculos vivemos na crença de que cada um tem a plenitude cristã, hoje a maior dificuldade é sair dessa gaiola e entender que você precisa do outro cristão para ser cristão.
Uma consciência mais urgente do que nunca, hoje que os cristãos são chamados a dialogar com os fiéis de diferentes religiões em sociedades cada vez mais pluralistas. Qual é, em sua opinião, a abordagem certa para o diálogo inter-religioso?
É evidente que é urgente, mas atenção, porque se o problema inter-religioso se sobrepõe ao ecumênico, cria-se uma grande confusão. A unidade cristã é construída em torno de Cristo e não em torno de uma ideia de unidade geral ou de um Deus que não tem mais o perfil cristão porque deve ser aceitável para todos os outros. Na lógica espiritual, o diálogo inter-religioso é mais um momento, que também deve ser cultivado paralelamente àquele inter-cristão, mas sem sobrepor o primeiro ao segundo.
Como foi o caminho ecumênico na Itália?
Na Itália havia um outro problema: a desproporção, não só numérica, entre o protestantismo, o catolicismo e a ortodoxia tornava o diálogo ecumênico muito difícil. Mas devo dizer, para crédito do catolicismo italiano como um todo, que essa dificuldade, que era considerável, foi superada. E é uma coisa boa que merece ser dita. Sem esquecer que aqui também está o Vaticano. Em outros países, mais progressos foram feitos, mas em geral podemos estar satisfeitos com a qualidade atual do diálogo ecumênico, do encontro, da confiança mútua. Na Itália, diria que estamos em níveis europeus.
O diálogo às vezes é difícil, mesmo dentro da mesma Igreja ou família eclesial. A esse respeito, quais são os nós no mundo protestante? O que você espera para o futuro?
Na história do protestantismo, aconteceu que a pluralidade, que geralmente foi sugerida pela diversidade dentro da mensagem cristã geral, frequentemente resultou em divisão. Ou seja, não fomos capazes de conviver em harmonia sem um Papa, sem uma autoridade central. O papado é a maneira católica de moderar a diversidade e a unidade, de forma que o catolicismo romano possui enorme diversidade interna, ao preço da unidade centralizada e férrea em sua estrutura. Algo que no protestantismo nunca existiu e nunca existirá. O preço foi que a diversidade resultou em divisão, em uma perda de catolicidade. Paradoxalmente, isso se combina com o fato de que cada confissão, mesmo aquelas relativamente pequenas de um ponto de vista numérico, como pode ser a Igreja Adventista do Sétimo Dia, é Igreja mundial, preservou uma catolicidade não católica dentro dela. A recuperação da catolicidade é para mim uma tarefa ecumênica, uma prioridade do protestantismo. Então, em resumo, eu diria que os objetivos são dois: manter-se firmemente ancorado na Sagrada Escritura, porque o Protestantismo nasceu disso, como momento de profetismo bíblico. E depois, manter a diversidade libertando-nos da divisão, inventando uma forma historicamente viável para ter essa “diversidade reconciliada”. Provavelmente a solução é a conciliaridade.
O que significa concretamente? Como você imagina essa "conciliaridade"?
Eu a imagino como uma unidade conciliar da única Igreja Cristã, como na antiga Igreja Cristã. O Concílio foi a primeira e fundamental forma de unidade cristã, desde o chamado Concílio de Jerusalém, do livro de Atos, capítulo 15. As Igrejas Ortodoxas identificam acertadamente a história da unidade cristã com a história de Concílios verdadeiramente ecumênicos, isto é, em que toda a Igreja estava representada. É assim que deverá ser no futuro, mesmo que haja muitas dificuldades em criar um Concílio verdadeiramente ecumênico hoje. Provavelmente será necessário partir das Igrejas locais e daí, lenta e pacientemente, construir ou reconstruir uma consciência conciliar da Igreja que se perdeu ao longo dos séculos passados.
Como você interpreta o magistério do Papa Francisco sob o aspecto do diálogo ecumênico?
Ambivalente. Fez alguns gestos novos muito importantes, tornou-se quase luterano com os luteranos, quando foi abrir as comemorações do 500º aniversário da Reforma na Catedral de Lund, com os líderes da Federação Luterana Mundial. Algo que seus predecessores nunca teriam feito. São coisas que ficarão na memória da Igreja. Esse é o aspecto novo, positivo e extremamente promissor. O que, no entanto, me deixa um pouco perplexo é o fato de que ele não mudou em nada a doutrina. O Concílio, por exemplo, fala de "irmãos separados". Colocado há seu tempo, foi um grande passo em frente. Mas hoje essa fórmula não funciona mais, não descreve mais a realidade, não se pode mais falar assim. Assim como a expressão das Igrejas Protestantes chamadas "comunidades eclesiais", que não quer dizer nada ou, pior, quer dizer Igrejas pela metade ... Como falar isso, de Igrejas que já tiveram centenas de mártires... Hoje essas expressões deveriam ser mudadas, eram algo que na época representaram um avanço; mas hoje, que demos outros passos, devem ser superadas. A situação atual deve ser descrita. O próprio Papa não pensa em termos de “irmãos separados”, não age assim.
Então que o diga. Por isso, meu juízo é ambivalente. Até porque outro Papa poderia vir e dizer que nada mudou: assim ficaríamos no Vaticano II, o que seria um retrocesso.
Muitas vezes se fala do chamado "ecumenismo do sangue". Que perguntas as perseguições de hoje colocam às Igrejas?
É um ecumenismo involuntário que testemunha que os cristãos de diferentes Igrejas, da católica à pentecostal, vivem a sua fé como cristãos, são mártires da Igreja de Deus, não da Igreja batista, reformada, católica ou copta. Isso é ecumenismo. Testemunho maravilhoso e trágico da consciência cristã fundamental, pela qual Cristo está em jogo, não uma confissão ou uma Igreja. É a fé cristã que está em jogo, e por Cristo também vale a pena sacrificar a própria existência.
Também há o ecumenismo da vida, na caridade. As grandes migrações em massa, a justiça social, as pobrezas materiais e espirituais de povos inteiros ... Fenômenos desse tipo, que tipo de testemunho pedem às Igrejas?
São coisas muito boas para encorajar, para multiplicar. É um tipo de unidade, mesmo que não seja total. A unidade cristã ocorre em dois níveis fundamentais, de ação e de doutrina. No primeiro, é fácil se entender, o raio de cooperação é muito amplo. E, de certo ponto de vista, é “mais fácil”, porque apresenta menos problemas que a segunda.
Hoje a salvaguarda do meio ambiente e de uma ecologia integral, no centro da Laudato si' e do magistério do Patriarca Bartolomeu, é uma nova fronteira ecumênica?
Certo. E as igrejas, como sempre, chegam tarde. Lembro que o tema ecológico foi colocado pelo movimento ecumênico desde os anos 1970, com o famoso programa, em torno do qual se realizaram assembleias mundiais, “Paz, justiça e salvaguarda da criação”. É uma trindade que deve ser mantida. Naquela época, eu mesmo fiquei surpreso ao ouvir falar do problema da água em nível ecumênico. Não existia ainda, ao nível da consciência, nem cristã nem civil, a percepção do grande problema da água para a humanidade. O problema ecológico para toda a humanidade, em nível ecumênico, já foi posto há algum tempo. As igrejas foram avisadas. E esperamos que essas coisas se tornem finalmente patrimônio da vida.
A vida das Igrejas se entrelaça com a história do mundo. E hoje são numerosos os episódios de "crônicas", as chamadas questões delicadas, que criam atritos no mundo das Igrejas. Quais são os maiores problemas?
Sobre as questões ditas delicadas, que efetivamente são difíceis e complexas, inclui-se o discurso que estava fazendo sobre a insuficiência das Igrejas para serem Igrejas sozinhas. A Igreja Católica enfrenta o problema da eutanásia: por que não questiona as outras antes de fazer um pronunciamento? Aquela protestante aprova o aborto como direito da mulher. Por que não se confrontar primeiro com igrejas que pensam de forma diferente sobre esse ponto? E esse é o problema. As Igrejas deveriam sair do monólogo, do "eu me basto por mim mesma", para dar uma resposta cristã à eutanásia, ao aborto ... Você não se basta sozinha, confronte-se com as outras que pensam diferente nesses pontos, não para assumir o ponto de vista delas, mas para pelo menos dizer que a sua é uma posição entre as outras. Mas nenhuma Igreja diz isso, porque todas elas, ainda sofrendo de autossuficiência, dizem que a sua é "a" posição cristã.
Quais foram os momentos em sua vida em que você sentiu essa unidade com mais força?
Pertenço a uma pequena Igreja, a Valdense, e à medida que descobri as outras Igrejas, as outras tradições, fiquei com saudades da unidade. Graças a Deus, tive muitas experiências: a liturgia ortodoxa, participando de certos ritos em Moscou, inclusive um pontifício, uma liturgia presidida pelo patriarca; ou os cultos luteranos antigos, ou pentecostais onde me pediam para pregar ... Tenho participado de diferentes formas de prestar culto a Deus. É uma riqueza, uma coisa linda essa variedade, essa oração com a mesma tensão para Deus. À medida que você conhece outros cristãos, sente-se saudoso da unidade, entendida não da maneira antiga, mas como uma pluralidade compartilhada, aceita, apreciada. Você a deseja. Não é um momento, é um processo, aquele de conhecer o outro cristão. E nunca acaba. A Igreja é um mosaico, muitas peças, muitas histórias, muitos acontecimentos. Todos ao redor do Senhor.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Um concílio para todos os cristãos. Entrevista com Paolo Ricca - Instituto Humanitas Unisinos - IHU