15 Agosto 2018
"Francisco disse isso dezenas de vezes. As monumentais divergências de fé que dividem o mundo cristão devem ser deixadas de lado. O seu é um ecumenismo do fazer, em favor da paz entre os povos", escreve o vaticanista Sandro Magister.
"Contudo, este ecumenismo do fazer também tem suas dores, com repercussões dramáticas fora e dentro da Igreja Católica", avalia.
O artigo é publicado em seu blog Settimo Cielo, 12-08-2018. A tradução é do Cepat.
Também no terreno político o Papa Francisco ganha novos caminhos.
Antes dele, nenhum Papa havia colocado um protestante à cabeça do L’Osservatore Romano”. Ele fez, nomeando como diretor da edição argentina do jornal oficial da Santa Sé o presbiteriano Marcelo Figueroa, velho amigo seu.
Nenhum Papa jamais havia chegado a realizar um encontro com o Patriarca ortodoxo de Moscou. Ele conseguiu, com uma reunião no aeroporto de Havana.
No diálogo com os cristãos não católicos, Jorge Mario Bergoglio não omite justamente ninguém. Também mostra um rosto amigo aos interlocutores mais difíceis, como essas correntes evangélicas e pentecostais que fazem estragos entre os católicos de sua América Latina, arrastando milhões para o seu lado.
Seu amigo Figueroa, de linhagem calvinista, assinou no último número de La Civiltà Cattolica um ataque frontal contra a chamada “teologia da prosperidade”, professada por uma corrente pentecostal nascida nos Estados Unidos e estendida no sul do continente, segundo a qual a pobreza é culpável e a verdadeira fé faz viver ricos, sadios e felizes.
Contudo, um dos líderes desta teologia, o pastor texano Kenneth Copeland, foi recebido como hóspede do Papa, no Vaticano. E a outros líderes evangélicos Francisco disse uma vez, conversando de forma espontânea: “Deus está conosco lá onde vamos. Não porque sou católico, nem porque sou luterano, nem porque sou ortodoxo”, porque se fosse assim estaríamos, acrescentou, em “um manicômio teológico”.
No boletim vaticano que transcreve suas conversas está escrito neste ponto, entre parênteses: “risos”. E outros “risos”, junto a “aplausos”, aparecem depois desta outra frase sua: “Os teólogos fazem seu trabalho. Mas, não esperemos que entrem em acordo”.
Francisco disse isso dezenas de vezes. As monumentais divergências de fé que dividem o mundo cristão devem ser deixadas de lado. O seu é um ecumenismo do fazer, em favor da paz entre os povos.
Pela unidade da fé, ao contrário, para ele já é suficiente o ser batizado, e sobre o restante “colocamos todos os teólogos para discutir em uma ilha deserta”. Bergoglio repete com frequência esta frase e a atribui ao patriarca ecumênico de Constantinopla, Atenágoras, o do memorável abraço com Paulo VI, em Jerusalém, em 1964. Não há evidência que esse patriarca a tenha pronunciado alguma vez, mas agora entrou de forma estável na narrativa do atual Papa.
Contudo, este ecumenismo do fazer também tem suas dores, com repercussões dramáticas fora e dentro da Igreja Católica.
Para os católicos, por exemplo, a Comunhão na Missa é algo completamente distinto em relação a como a veem os protestantes. Mas, Francisco, ao responder há três anos uma luterana que lhe perguntou se podia receber a comunhão junto ao marido católico, disse-lhe antes que sim, depois que não, depois que não sei, e por último façam como queiram.
O resultado é que na Alemanha, onde os matrimônios interconfessionais são numerosos, a maioria dos bispos permite dar a comunhão ao casal. Com sete bispos alemães, entre eles um cardeal, mas que apelaram à Congregação para a Doutrina da Fé, que bloqueou tudo, exigindo que antes será necessário chegar a um acordo sobre uma matéria tão sensível, não só na Igreja Católica em sua totalidade, como também entre as outras confissões cristãs. O que é como dizer jamais, sendo os ortodoxos indiscutivelmente contrários a qualquer tipo de “intercomunhão”, julgada por eles como uma abominação.
A Ucrânia é outras destas matérias explosivas. Ali, os ortodoxos estão submetidos há séculos ao patriarcado de Moscou. Mas, agora, querem se estabelecer por conta própria, com os compatriotas greco-católicos que lhes dão sua força e com o apoio de Bartolomeu, o patriarca de Constantinopla.
Em Moscou, naturalmente, não querem ceder, e no ínterim o presidente russo Vladimir Putin anexou a Crimeia e agrediu militarmente a Ucrânia. E Francisco? Alinhou-se de cheio com Moscou, repreendendo publicamente aos greco-católicos e os intimando a “não se intrometer”. O ecumenismo de Francisco é feito também deste modo.
Corrijo um erro. O professor Enrico Galavotti me destacou que a frase de confinar os teólogos em uma ilha deserta foi justamente dita pela primeira vez pelo patriarca Atenágoras e se encontra no livro de Olivier Clément, Dialogues avec le patriarche Athénagoras, editado na França por Arthème Fayard e na Itália por Gribaudi, em 1972, com o título Dialoghi con Atenagora.
Mas, em que sentido esse patriarca a pronunciou? Abaixo, a passagem “ad hoc” da conversa.
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CLÉMENT: Parece que você teria dito que gostaria de afogar todos os teólogos no Bósforo!
ATENÁGORAS: Jamais disse isso! É uma lenda... Somente propus reunir todos os teólogos em uma ilha. Com muito champanhe e caviar!
CLÉMENT: Para se desfazer deles ou para lhes oferecer uma maneira de trabalhar em melhores condições? Não estão acostumados a jantar com champanhe, por outro lado. Não estão embriagados, ai!, nem com champanhe...
ATENÁGORAS: ... nem com o Espírito Santo! Vocês são mais malvados do que eu... Para responder a sua pergunta: em um primeiro momento, teria desejado coloca-los em uma ilha, para poder respirar um pouco de paz, para que os cristãos das diferentes confissões possam se conhecer de forma espontânea, desinteressada, sem que se lhes recorde continuamente que têm razão, que os outros estão errados e que devem estar em guarda... Agora penso, ao contrário, que deveriam ser metidos em uma ilha para que discutam a fundo... Chegou o momento.
CLÉMENT: Agora, com efeito, graças ao grande trabalho do movimento ecumênico, graças à aproximação em profundidade com a Igreja de Roma, da qual você foi o iniciador, existe entre os cristãos uma confiança fundamental... No fundo, para vocês, a obra do teólogo é sempre secundária: expressa uma atitude global já existente, desconfiança no momento da desconfiança, convergência quando o amor retorna...
ATENÁGORAS: É justamente assim.
*
Pelo modo como frequentemente faz a brincadeira, parece que o Papa Francisco restaurou o primeiro dos dois significados seguintes – “Em um primeiro momento... Agora, ao contrário, penso que...” – dados a ela por Atenágoras.
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O ecumenismo arriscado do Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU