28 Setembro 2020
Em um documento, o Grupo de Trabalho Ecumênico se expressou a favor da participação recíproca na celebração da Eucaristia e da Ceia do Senhor. O Vaticano rejeitou esse pedido. O coautor do documento, Christoph Böttigheimer, explica, no entanto que, segundo o Evangelho, é um escândalo não celebrar juntos.
A crítica da Congregação para a Doutrina da Fé a um documento do Grupo de Trabalho Ecumênico também é objeto de atenção por parte da Conferência Episcopal. Christoph Böttigheimer, professor de Teologia Fundamental de Eichstätt, membro desse grupo de trabalho, acha que é uma coisa boa. Na entrevista, defende o documento e pede a publicação da carta do Vaticano.
Böttigheimer é membro do Grupo de Trabalho Ecumênico (Ökumenischen Arbeitskreises. ÖAK) e colaborou no documento "Juntos na mesa do Senhor" ("Gemeinsam am Tisch des Herrn").
A entrevista com Christoph Böttigheimer é editada por Roland Müllerin, publicada por Katholisch.de, 23-09-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
A carta da Congregação para a Doutrina da Fé com sua crítica lhe causou surpresa?
Estávamos cientes de que poderia haver uma avaliação crítica do documento. Não é incomum que isso aconteça no debate teológico. Quanto à carta do Vaticano, acho um pouco difícil reagir porque não a tenho. Mas é importante ressaltar que o Grupo de Trabalho Ecumênico não votou por uma “comunidade de ceia” (Mahlgemeinschaft) e nem mesmo por uma intercelebração. Essa crítica já circulava nos últimos meses. Para nós é uma etapa, isto é, apenas a abertura e a participação recíproca em uma celebração eucarística confessional. Isso leva em conta os progressos que foram alcançados no âmbito ecumênico nos últimos anos e décadas.
A que você está se referindo?
Estamos convencidos de que nas questões da eclesiologia, assim como nas da Eucaristia e do ministério, surgiram convergências tão fundamentais que as diferenças não podem mais ser consideradas como algo que separa as Igrejas. Se a Congregação para a Doutrina da Fé fala de motivos "de peso", como é dito na divulgação, esses pontos devem ser especificamente mencionados. É um problema do ecumenismo do consenso (Konsensökumene) que sempre se diga que o consenso alcançado ou que a convergência alcançada ainda não são suficientes. Mas essa crítica deve ser justificada de forma fundamentada, seguindo a máxima ecumênica fundamental, segundo a qual não é a unidade das igrejas que deve ser justificada, mas sua separação. Quem vota contra um convite recíproco para a celebração eucarística deve saber justificar teologicamente tal posição e explicar por que essas razões são tão "pesadas", a ponto de ainda não poder ser justificado o passo adiante, que o grupo de trabalho ecumênico explicou teologicamente com boas razões e válidas.
Você, portanto, quer uma boa justificação teológica?
Certamente! É simples dizer: o presente não basta, é um argumento que mata o ecumenismo. Essa é uma forma de evitar qualquer reaproximação. Da parte da Congregação para a Doutrina da Fé, portanto, deveria haver uma argumentação teológica específica e diferenciada, como fez o documento do grupo de trabalho. No entanto, como disse, não tenho tais informações.
A carta do Vaticano critica o fato de que o documento do ÖAK não esclarece suficientemente as questões relativas à "maneira católica de entender Igreja, ministério e Eucaristia". O Vaticano está completamente errado sobre isso?
Realmente penso que pode haver uma participação recíproca na Eucaristia ou na Ceia do Senhor, e que esse passo em frente é teologicamente muito bem fundamentado. No passado recente, houve discursos ecumênicos que foram muito além do que o ÖAK propôs. Precisamente nesses âmbitos – eclesiologia, teologia da Eucaristia e do magistério – houve aproximações importantes. Mas a questão é também sobre o significado da Eucaristia na Igreja, isto é, o que está em jogo em última análise. Ali se celebra a Igreja? O ministério ordenado ali é colocado absolutamente em relação à celebração da Eucaristia? Claro, todas essas são perguntas que incluímos em nosso documento e que devem ser tomadas em consideração. Mas, em primeiro lugar, a Eucaristia e a Ceia do Senhor são o centro da própria celebração da fé.
O resultado é o convite mútuo para a Eucaristia/Ceia do Senhor?
Se já não existem mais diferenças fundamentais na fé, é necessário refletir seriamente sobre o motivo de tal convite mútuo não dever ser expresso. Além disso, o Grupo de Trabalho Ecumênico simplesmente expressou um voto a favor disso, mas não o exigiu. Já assinalamos que, por enquanto, devem ser colhidos os frutos do ecumenismo e extraídas as consequências. Aqueles que defendem o contrário e pensam que por ora as abordagens ainda não são suficientes para introduzir avanços concretos na prática eucarística, devem explicar exatamente o que, em sua opinião, seria necessário para justificar a abertura de uma mesa confessional a cristãos de outras tradições. O que a Congregação para a Doutrina da Fé critica no documento do ÖAK é o lema "Cristo convida" à Eucaristia, que seria problemático e que não levaria em consideração a eclesiologia eucarística do Concílio Vaticano II ... A recepção do Concílio está longe de estar completa. Precisamente no que se refere à eclesiologia e à teologia dos ministérios, ela é conduzida de maneira contraditória. Certamente, "Cristo convida" é um slogan redutivo. Mas é igualmente simplista dizer "a Igreja convida". Se o chefe da Igreja é Cristo, os dois estão estreitamente unidos e, portanto, o que se celebra na Eucaristia não pode referir-se apenas a Cristo ou apenas à Igreja: os dois são interdependentes. Por isso, é claro que a Igreja não celebra a si mesma, mas a comunhão com Cristo. Se não se trata apenas de comunhão com a Igreja, mas de comunhão com Jesus Cristo, então a fé em Jesus Cristo desempenha um papel central, e não apenas a pertença formal à Igreja.
A Congregação para a Doutrina da Fé também criticou o fato de que muita atenção foi dada ao batismo no documento do ÖAK e que os demais sacramentos de iniciação, ou seja, confirmação e comunhão, receberam muito pouca importância. Portanto, há um foco excessivo no batismo?
Que a Eucaristia seja implicitamente abordada e contida no Batismo torna-se claro pelo simples fato de que o desejo de estar unidos a Cristo tem a ver com o Batismo. Essa união é celebrada nos sacramentos, especialmente na Eucaristia. Portanto, não entendo por que aqui seja criticado o fato de negligenciar eventualmente outros sacramentos. O direcionamento para a Eucaristia já vem do batismo e é disso que trata todo o documento.
Além disso, é feita referência a outros documentos ecumênicos dos últimos anos que dão mais espaço às convicções confessionais ... Claro que há uma profusão quase incontrolável de documentos ecumênicos. O nosso documento, entretanto, não tenta entrar de novo no detalhe de todos esses documentos, mas enfatiza desde o início que se coloca no contexto de outros documentos. Queríamos fazer uma proposta concreta com base em considerações já publicadas em outros lugares.
É verdade, naturalmente, que nem todo argumento teológico é novamente desenvolvido no documento, mas não se pretendia fazer isso. Aqui, porém, algo inovador foi proposto na história da teologia, com ampla referência à variedade litúrgica que aconteceu na história da Igreja. Esse é um bom exemplo que mostra que coisas novas também foram elaboradas nesse âmbito. Assim, no final, pode-se votar a favor do convite recíproco à própria celebração confessional, porque não existe uma só e única celebração, como ensina a variedade das celebrações eucarísticas observáveis na história da Igreja.
Seria um retrocesso para o ecumenismo se, depois da carta da Congregação, ao contrário do anúncio do presidente da Conferência Episcopal Georg Bätzing, o documento não fosse aplicado ao Ökumenischen Kirchentag (ÖKT – Congresso Ecumênico de 2021) em Frankfurt?
O fato de a carta impedir ou não o uso de nosso documento é, em última análise, uma decisão da Conferência Episcopal. Os bispos abordarão a questão em sua assembleia geral de outono nos próximos dias. E eles terão que fazer isso em termos de conteúdo e assumir uma postura de forma coerente. Essas são questões essencialmente teológicas que precisam ser discutidas de maneira científica. Afinal, não é possível que uma carta do Vaticano passe por cima do processo de tomada de decisões das conferências episcopais! As objeções contidas na carta devem ser objeto de uma séria discussão. Bem como a questão de saber se essas objeções são tão fundadas a ponto de tornar impossível o que foi votado no documento do Grupo de Trabalho Ecumênico.
Você gostaria que a participação mútua na Eucaristia e na Ceia do Senhor pudesse acontecer no Congresso Ecumênico de 2021?
Naturalmente, é claro que espero que sim. Nem que seja pelo fato de que esse desejo está em conformidade com o Evangelho. Celebremos juntos é a ideia fundamental do Evangelho; que se celebre separadamente é o que não deveria ser, é o escândalo. Se o nosso documento não fosse aplicado, a Conferência Episcopal teria que apresentar ao público argumentos teologicamente bem fundamentados para motivar a continuação da separação da mesa do Senhor, e também apresentar a carta de Roma tal como foi formulada.
A carta também argumenta que uma abertura ecumênica aos protestantes poderia criar obstáculos ao ecumenismo com os ortodoxos. Você consegue validar esse argumento?
Frequentemente ouvimos esse argumento. Só posso validá-lo de forma condicional, porque com essa formulação ampla se sugere que a unidade e o ecumenismo seriam o resultado de um equilíbrio diplomático. Mas não pode ser esse o caso. Devemos tentar aproximar-nos da verdade do Evangelho. O que é aqui claramente reconhecido teologicamente deve ser abordado dentro dos vários diálogos. Tanto no diálogo com a Igreja evangélica quanto com a Igreja ortodoxa. O que é reconhecido como verdadeiro deve ser defendido na veracidade. Afinal, não pode ser que algo que foi reconhecido como verdadeiro não passe a ser aplicado apenas porque poderiam resultar consequências negativas. Se, portanto, por respeito ao mundo ortodoxo, as consequências não fossem tiradas, isso significaria que a escolha de não tirar as consequências teria repercussões negativas para o ecumenismo com os cristãos evangélicos-luteranos. O ecumenismo entre as Igrejas ocidentais não deve ser explorado contra o ecumenismo entre as Igrejas ocidentais e orientais. Precisamos nos embasar em argumentos convincentes, que possam ser usados em todas as direções.
Qual é o ânimo do Grupo de Trabalho Ecumênico diante da carta do Vaticano, visto que o documento, afinal, é resultado de dez anos de trabalho?
O Grupo de Trabalho Ecumênico se reúne todos os anos. Devido à pandemia, não houve encontro este ano. Teríamos discutido sobre o recebimento do documento. Nós sabíamos de antemão que poderia não obter aprovação incondicional. Mas a crítica do Vaticano não significa, obviamente, zerar o nosso trabalho. A Congregação para a Doutrina da Fé é uma voz entre muitas outras no discurso teológico. O que o Grupo ecumênico produziu permanece presente e não se torna obsoleto simplesmente devido à recepção negativa. A crítica só será eficaz se tiver fundamento teológico. Depende do que, em última análise, convence no diálogo sobre argumentações teológicas.
Você está, portanto, pedindo a publicação da crítica teológica exata enviada pelo Vaticano?
Sim, certamente! A busca da verdade, o conteúdo do evangelho pode, em princípio, ter efeito dentro da Igreja apenas de forma dialógica, e diálogo também significa transparência. Às vezes, esse é um processo doloroso, mas acredito que a Igreja Católica na Alemanha já reconheceu amplamente que não pode haver prática e tradição de fé sem diálogo. E mesmo que nem todos concordem quanto ao método do diálogo e do processo atual de diálogo, não há alternativas, porque o diálogo nos é exigido pelo Evangelho. A revelação nos foi comunicada através do diálogo e, portanto, só assim pode ser tornada acessível.
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Hospitalidade Eucarística. Coautor do documento ecumênico: as argumentações contrárias devem ser bem fundamentadas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU