30 Junho 2020
A União Internacional das Superioras Gerais (UISG) e a União de Superiores Gerais (USG), por ocasião da solenidade dos santos apóstolos Pedro e Paulo (29 de junho), escreveu uma carta a todos os consagrados intitulada "Vamos cuidar uns dos outros como o Deus da salvação cuida de nós", com um convite para reler o legado da pandemia e planejar o futuro.
A carta é escrita por USG – UISG, publicada por Settimana News, 29-06-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Roma, 29-06-2020, Santos Pedro e Paulo
Caras irmãs, caros irmãos,
Após o encontro dos conselhos executivos da UISG e da USG, realizado em 25 de maio de 2020, sentimos a necessidade de compartilhar com vocês nossas preocupações, incertezas e experiências, de manifestar nossa comunhão e oferecer ideias para o discernimento neste tempo de grande sofrimento para toda a humanidade.
Precisamos de discernimento quando as condições ao nosso redor perturbam a nossa paz e a serenidade e diante delas não temos receitas prontas. Foram revirados os nossos programas, os nossos momentos de encontro e até os ritmos ordinários de nossa vida e trabalho. Mas, em tudo isso, ouvimos a voz do Senhor nos dizendo: “Coragem! Envio novamente vocês a percorrer as estradas deste mundo que amo!".
Neste momento, para nós, é motivo de inspiração o encontro de Jesus com os dois discípulos que, incapazes de interpretar o que aconteceu em Jerusalém, retomam desapontados e sem esperança, o caminho para Emaús (Lc 24, 13-33; Jo 19,25).
Jesus, hoje como então, vem ao nosso encontro e caminha ao nosso lado, mesmo quando não conseguimos reconhecê-lo. O Senhor ressuscitado crucificado exerce seu ministério consolador (2Cor 1,3-7) e cuida de seus irmãos e irmãs. Vamos repetir com o salmista: Bendito seja o Senhor, o Deus que é a nossa salvação (Sl 68,19).
Jesus, como os discípulos de Emaús, nos escuta pacientemente. Escuta as nossas conversas quando nos perguntamos sobre o sentido do que está acontecendo e qual é a mudança que, juntamente com a humanidade, somos convidados a fazer a partir da experiência vivida.
Somos conscientes, de fato, que a crise causada pela pandemia não é a causa da crise da vida religiosa, das crises políticas, econômicas ou da Igreja. No entanto, exerce uma força catalisadora sobre os processos de crise já em andamento e que agora parecem acelerar com renovado vigor.
Expressamos nossa proximidade fraterna a todos aqueles que neste período de pandemia foram diretamente atingidos e perderam membros de seus institutos, familiares e colaboradores. Estamos perto das comunidades que com dificuldade enfrentam o luto, a convalescença e os problemas econômicos que a pandemia gerou. O caminho pascal de Jesus conosco é a única fonte de nossa esperança.
Várias vezes o Papa Francisco nos pediu que andássemos juntos nessas semanas porque, como ele repete, somente juntos podemos enfrentar as dificuldades dessa situação e aproveitar esse momento histórico para dar um novo significado para a virada que o caminho da humanidade está realizando.
Jesus entra em diálogo conosco para iluminar o sentido do que está acontecendo e, aquecendo nossos corações, nos ajuda em nosso discernimento com a sua palavra e o seu espírito.
Como podemos tornar esse período sombrio uma oportunidade luminosa para a animação em nossos institutos? Como não desperdiçar as mais belas intuições que surgiram durante esse período de provação, para a nossa mudança, para a nossa missão?
Temos certeza de que o caminho a seguir é o discernimento conjunto, no qual o Espírito encontra espaço para nos guiar.
É um tempo que nos convida, portanto, a cuidar da escuta, a criar espaços de silêncio contemplativo e troca de reflexões e dados concretos, para que o discernimento não seja precipitado e as conclusões apressadas.
Escutar todas as gerações: memória do passado, atenção ao presente e olho no futuro. Oferecer um espaço especial aos jovens, para que eles possam expressar e compartilhar seus sonhos e desejos. Espaços especiais também para os idosos, para que seu testemunho possa ser preservado na continuidade da história.
Escutar com atenção e ler a realidade, o que realmente está acontecendo. A sustentabilidade de nossa missão, de nossas estruturas, deve ser cuidada integralmente, mas o bem mais precioso a ser cuidado é nossa identidade carismática e as pessoas. Que espaços de escuta podemos criar para que isso aconteça?
Devemos agradecer aos muitos autores que, de vários cantos do planeta, ofereceram suas contribuições dos pontos de vista espiritual, teológico, social, econômico, ético e crítico sobre o que estamos passando. Não nos sentimos sozinhos, aproveitamos a riqueza desse material, mas, ao mesmo tempo, acreditamos que ainda precisamos de escuta e de busca. Tudo isso porque o Espírito Santo continua falando em meio a dificuldades.
Como no relato do Gênesis: no começo tudo era caos, mas o Espírito, pairando sobre as águas, iniciou uma nova ordem. Este tempo nos leva de volta às origens, porque o Espírito que está em nós, como em muitos de nossos irmãos e irmãs da humanidade, desperta um grande desejo de renovação, retomada, renascimento. Um mundo novo pode nascer hoje?
Ouvindo a palavra de Jesus, examinando as Escrituras, atentos aos movimentos do Espírito Santo, chegamos a uma encruzilhada no qual temos que escolher o caminho a seguir.
O confinamento nos levou a concentrar e expressar nossa solidariedade em nível local, às vezes em um pequeno círculo. Redescobrimos o nosso próximo. Como é lindo esse caminho de recuperação do significado de nossa presença "próxima", de uma proximidade visível, não tanto nas grandes estruturas, mas nos gestos concretos de ajuda mútua!
Como no início da história de nossas famílias religiosas, onde tudo nascia de uma pequena comunidade e de relações imediatas e pessoais, como aconteceu também com Jesus em Nazaré.
Isso manifesta a tensão entre a criatividade e a solidariedade global, porque estamos cientes das consequências humanitárias da pandemia (falta de meios e instalações de saúde para enfrentar a doença, garantir higiene, cuidar da comunicação, garantir a proteção...) e criatividade local para aqueles que, devido a essa pandemia, perderão não apenas trabalho ou bens, mas talvez também o desejo de reconstruir.
É um tempo de santa preocupação. Fomos privados de projetos, bens e do poder de gerir a nós mesmos, nossa vida, nossas obras e missões. Nós nos sentimos impotentes. Essa pobreza e incerteza nos levam nos entregar mais sinceramente a Deus, a aceitar que a insegurança nos eduque a uma intensa busca por Deus, a ancorar nele o coração. Isso renova em nós a surpreendente experiência do começo: nossa vocação e missão nascem constantemente dele. É por isso que vivemos um tempo fecundo.
Ao discernir o caminho a seguir, percebemos o quanto precisamos de Jesus. A imagem da Praça São Pedro permaneceu gravada em nós como um ícone do pastor que parece sozinho e, em vez disso, abraça a todos. Essa imagem nos ajudou em nossa missão de animação, na qual experimentamos a impotência e, ao mesmo tempo, a grande força do Cristo ressuscitado, no qual depositamos toda a nossa confiança.
Foto: Vatican News
Redescobrimos, de maneira direta ou virtual, a necessidade de acompanhamento mútuo, muito além de nossa comunidade congregacional: uma comunhão que só cresce e dá frutos quando se abre para a comunhão eclesial e a fraternidade humana.
Reconhecemos a presença do Senhor em partir o pão, na comunidade fraterna reunida em torno da palavra e mesa do Senhor. Vivemos um momento de "Cenáculo universal", paramos diante de Cristo com sua Mãe, e esse estar e orar juntos se tornaram o ventre em que o Espírito Santo encarna Jesus, a Palavra da Vida que vence a morte, para que Cristo esteja presente em seu Corpo, e que seu Corpo se torne um novo Povo, capaz de uma comunhão que abraça toda a humanidade. É sempre o Pentecostes que renova a Igreja e o mundo!
Reunimo-nos em torno do pão da palavra do Senhor, mas nem sempre podemos participar do corpo e do sangue de Jesus. Essa experiência nos fez entender ainda mais a preciosidade da fonte de nossa vida cristã e religiosa e despertou em nós o profundo desejo de adorá-lo em espírito e verdade.
É o tempo da comunhão, de uma consciência cada vez maior da interconexão que existe entre nós.
Finalmente, como os discípulos, vamos recuperar o profundo significado de nossa vida consagrada: indo em missão, proclamando com nossa vida e nossa obra o Senhor Jesus, que nos abriu os caminhos da justiça e da reconciliação.
Somos chamados a revisitar as prioridades da missão da congregação a partir de uma visão integral. Todos os serviços de saúde, voltados ao cuidado das pessoas idosas e mais vulneráveis, estiveram na primeira fila, protagonistas da batalha destes meses. Algumas de nossas estruturas de acolhimento ficaram disponíveis para hospitais ou para receber pessoas sem-teto, migrantes e trabalhadores presos pelo confinamento. As plataformas de educação e formação usaram diferentes formas de comunicação e ensino. Mas qual é o futuro da nossa missão? Que opções escolher, sabendo que muitas delas estarão em uma grave crise de sustentabilidade porque não têm reconhecimento pelo Estado ou falta de meios?
Com a pandemia, novas e antigas formas de pobreza estão se expandindo, enquanto surgem doenças sociais que dificultam o renascimento. Muitas pessoas continuam excluídas não apenas da internet, mas da consideração social, com enormes perdas e milhares de vítimas de exploração, de marginalização. Nós nos perguntamos: como podemos testemunhar para eles a presença viva de um Deus que se comove e se inclina sobre eles para cuidá-los? Pede-se de nós uma renovada "fantasia da caridade".
O Senhor Jesus prometeu estar conosco todos os dias até o fim da história e nos deu o seu Espírito, que nos lembra tudo o que aprendeu do Pai e transmitiu a nós, como seus seguidores.
Como Vida Religiosa, somos chamados a testemunhar o terno amor de Deus que, em Jesus, cuida de todos os seres humanos; somos chamados a cuidar da vida dos descartados, que essa pandemia multiplicou de modo exponencial, consequência das estruturas injustas de nosso mundo, incapazes de colocar os seres humanos e o Bem Comum no centro das decisões políticas locais, nacionais ou mundiais.
Somos chamados a cuidar do presente e do futuro da humanidade, em sua relação com o meio ambiente, acompanhando os jovens e aprendendo com eles, para renovar o sentido de nossa vida e missão como pessoas consagradas.
Diante de tanta negligência, destacada pela pandemia, como Vida Religiosa, queremos iniciar processos que conduzam a uma cultura do cuidado, através de um profundo diálogo com nossos companheiros e companheiras na missão, porque, com o maior respeito pela consciência e pela vocação que cada um, se gere um ambiente de discernimento que possa iluminar o planejamento apostólico e contribuir para a missão de reconciliar todas as coisas em Cristo. Cuidar e deixar-se cuidar para crescer como Vida Religiosa em uma dimensão universal.
Sentimo-nos em caminho, como os discípulos de Emaús, abertos ao que o Senhor quiser nos indicar enquanto estamos em caminho nos próximos meses. Nesse percurso de escuta e de discernimento, um momento de particular importância é representado pelo encontro, programado para maio de 2021, das delegadas das constelações da UISG e dos membros do USG, durante os quais desejamos reunir e aprofundar os frutos deste tempo de escuta e reflexão.
Nossa Senhora Maria de Nazaré nos acompanha nesse caminho no seguimento do Filho seu Jesus, o Cristo, que sempre nos precede.
Sra. Jolanta Kafka rmi, presidente da UISG – p. Arturo Sosa sj, Presidente do USG.
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Época de santa inquietação. Carta da União das Superioras e Superiores Gerais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU