18 Março 2020
O Papa Francisco quer que a sinodalidade seja assumida como o jeito de ser Igreja. “As CEBs (comunidades eclesiais de base) têm uma potencialidade muito grande para ajudar a Igreja a redescobrir essa dimensão fundamental da sinodalidade, do caminhar juntos”. Quem afirma isso é Dom Gabriel Maschesi, bispo de Floresta – PE, e referencial das CEBs, desde 2019, dentro da Comissão Episcopal Pastoral para o Laicato da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB.
Nascido na Itália, ele é missionário no Brasil desde 2003, em que chegou na diocese de Viana – MA, onde trabalhou até ser nomeado bispo em 2013. A sinodalidade deve estar presente “não somente naquilo que é para fazer, mas também na reflexão, no olhar para os sinais dos tempos, no decidir os passos a ser dados, no decidir a missão da Igreja”, segundo Dom Gabriel. As CEBs, onde se faz presente o diálogo, a responsabilidade de todo batizado, ajudam a promover esse caminhar juntos, o que pode ser oferecido à Igreja.
O sonho, segundo o bispo, deve ser o Reino de Deus, numa Igreja que olha para fora, que quer “se colocar ao serviço de uma vida verdadeira, de uma vida digna, em favor de todas as pessoas”. Nessa Igreja, as CEBs têm que ser “fermento que ajuda a Igreja inteira a caminhar juntos”, reconhecendo a importância das “santas mulheres, mulheres que acreditam na causa, que se doam, que servem”.
Dom Gabriel se pergunta “até quando nós vamos deixar que na Igreja o poder seja concentrado nas mãos do clero?”, que demanda distribuir “a responsabilidade numa atitude sinodal”. Também destaca a importância dos jovens, de “entender a situação deles, entender a linguagem deles, entender as dificuldades, e também acreditar no novo que eles estão trazendo”. Ele sonha “que as CEBs possam estar ao serviço, ao serviço da vida, ao serviço do bem, ao serviço da felicidade das pessoas”.
A entrevista é de Luis Miguel Modino.
O Papa Francisco está animando a concretização cada vez maior de uma Igreja sinodal. Qual o papel que as comunidades eclesiais de base tem nesse novo jeito de ser Igreja que o Papa Francisco está propondo?
As CEBs têm uma potencialidade muito grande para ajudar a Igreja a redescobrir essa dimensão fundamental da sinodalidade, do caminhar juntos. Muitas vezes a gente fala do problema do clericalismo, de promover o laicato, o protagonismo dos leigos, mas tudo isso não é suficiente se a gente não chega a uma caminhada de sinodalidade, a um jeito de viver e caminhar dentro da Igreja. Não somente naquilo que é para fazer, mas também na reflexão, no olhar para os sinais dos tempos, no decidir os passos a ser dados, no decidir a missão da Igreja, o sentido dessa inserção da presença da Igreja e da mensagem do Evangelho dentro da vida do mundo.
Eu penso que as CEBs têm muito a oferecer para nossa Igreja nesse sentido, porque faz parte do DNA das comunidades essa postura de diálogo, essa postura de responsabilidade, essa postura de valorização do batismo de cada um de nós, que nos leva a caminhar juntos. É uma experiência que foi amadurecida ao longo de muitos anos e que nós devemos renovar e oferecer como experiência vivenciada a essa Igreja que quer ser uma Igreja em saída e uma Igreja sinodal.
Quais são os passos que a Igreja, especialmente as CEBs, deveria dar para fazer realidade essa experiência na prática?
A base de tudo é não ter sonhos pequenos. Jesus pregava o Reino de Deus, e nós temos que anunciar e fazer carne a construção deste Reino de Deus. Uma Igreja que tem sonhos pequenos é uma Igreja que é como o sal que serve só para ser jogado no chão, não serve para nada. Uma Igreja que se preocupa com si mesma, com as suas leis, com seus privilégios, é uma Igreja que não serve para nada. Os passos a serem dados é olhar para fora, olhar para a vida, e se colocar ao serviço de uma vida verdadeira, de uma vida digna, em favor de todas as pessoas.
A vida, a justiça, a paz, não são coisas que estão fora do Evangelho, pelo contrário, são o chão onde o Evangelho deve se encarnar. Olhar mais para essa realidade, de acordo com aquela expressão do Papa Francisco que muitas vezes é esquecida, fazer da Igreja um hospital de campanha, neste mundo que está ferido por muitas causas, por muitos problemas.
Dom Pedro Casaldáliga diz que a Igreja não é uma pastoral, não é um movimento e sim um jeito de toda a Igreja ser. Mas a gente vê que às vezes as CEBs se tornaram grupos fechados, sendo identificadas cada vez mais com essa dinâmica de pastorais e movimentos. Quais são as mudanças que deveriam acontecer nas comunidades eclesiais de base para fazer realidade esse sonho de Dom Pedro Casaldáliga?
Nós temos que rever algumas coisas, porque no passado, no presente, alguns erros foram cometidos. O importante é ser fermento, as CEBs não podem continuar se experimentando como algo diferente, mas fermento na massa, o que foi dito desde o início mas que tal vez foi difícil de aplicar na prática, mas CEBs como fermento dentro da Igreja. É claro que tem jeitos diferentes, tem carismas diferentes, tem espiritualidades diferentes, mas eu penso que o jeito das CEBs deveria ser um fermento que ajuda a Igreja inteira a caminhar juntos, com a ajuda das CEBs e com a ajuda de tantas outras realidades.
O importante é que as CEBs não se qualifiquem como um movimento, mas que sejam fermento em todo canto, a fim de que este tipo de espiritualidade, que favorece uma Igreja em saída e vivencial, possa ser acolhido, possa ser vivenciado, por todos, não somente por alguém.
No Brasil, a maioria das comunidades eclesiais de base são lideradas por mulheres. O Papa Francisco, em Querida Amazônia, reconhece o papel decisivo que as mulheres têm para que as comunidades permanecessem vivas, e a necessidade de que o papel da mulher seja reconhecido expressamente, inclusive pelos bispos. Isso pode se tornar uma realidade, ou ainda é algo que fica no papel?
A presença das mulheres só os cegos não veem. Só quem tem preconceito pode não aceitar. De fato, as nossas comunidades são lideradas, na maioria, por mulheres, por santas mulheres, mulheres que acreditam na causa, que se doam, que servem, porque a mulher, naturalmente está a serviço da vida. É um espaço que está sendo conquistado, é claro que a Igreja deve dar mais espaço. Mas o problema, para mim, não é somente o problema da mulher, ou não é somente o problema de padre casado, é um problema de poder.
Até quando nós vamos deixar que na Igreja o poder seja concentrado nas mãos do clero? Quando nós conseguiremos entender que a Igreja é um corpo que se movimenta, que anda unido? Aí poderemos, naquele momento, valorizar, do jeito certo, carismas e ministérios diferentes sem a necessidade que sejam padres. Por que é necessidade que sejam padres se o poder estiver só nas mãos dos padres. Para mim, o problema, mais do que homem, mulher, casado, não casado, o problema é de poder, como fazer com que a Igreja vivencie e possa crescer distribuindo a responsabilidade numa atitude sinodal, e vivenciando esta complementariedade, de serviços e de ministérios, sem necessariamente concentrar tudo nas mãos do clero.
Tradicionalmente, aqueles que fazem parte das CEBs, é gente que muitos deles participaram das diferentes pastorais juvenis. A gente vê que, últimamente, nas CEBs, elas têm menos presença e protagonismo dos jovens. Como ajudar para escutar os anseios dos jovens e deixar que eles tenham um protagonismo maior na vivência e nas decisões das comunidades eclesiais de base?
Me parece que uma falta de uma presença e protagonismo dos jovens seja uma dificuldade que não somente as CEBs estão experimentando, mas que a Igreja na sua totalidade está vivendo. Eu penso que é a postura paternalista que nós temos que deixar, acreditar na juventude, no novo que eles estão levando, acreditar nas exigências do jeito de ser e se expressar da juventude. Até quando a gente pensar que só é certo o que as nossas gerações fizermos e não tiver esta abertura, até quando as tradições, com t minúscula, continuem sendo as coisas mais importantes dentro da Igreja, é claro que as dificuldades vão permanecer.
A experiência que foi feita no encontro continental das CEBs é uma experiência que pode nos dar uma luz. Os jovens se encontraram antes, debateram algumas coisas, e depois participaram do encontro não como perdidos no meio dos adultos, que são a maioria, mas com a consciência da sua força, dos seus ideais. Foi feito de um jeito que ajudou a juventude a se sentir protagonistas de fato. Nos dias do encontro vimos que eles foram protagonistas, se animaram a voltar e participar da comunidade. Entender a situação deles, entender a linguagem deles, entender as dificuldades, e também acreditar no novo que eles estão trazendo. Não tenho receitas, mas possa ser algo que possa nos ajudar.
Em 2022, ano do 15º Intereclesial das CEBs, o Papa Francisco convocou mais um sínodo onde vai ser debatido o tema da sinodalidade. Como essa convocatória deveria incidir na vida das CEBs e como elas poderiam ajudar a preparar e que toda a Igreja tome consciência sobre a importância desse sínodo?
Essa é uma pergunta interessante e importante, mas não dá para responder imediatamente, porque surgiu há poucos dias. Imediatamente nós vimos a união forte entre a caminhada das CEBs e esse sínodo, a coisa nos animou bastante. Estamos refletindo justamente sobre esse aspecto. Como a experiência das CEBs pode contribuir nesse sínodo, pois verdadeiramente temos uma experiência que pode ser colocada a disposição, e como esse sínodo poderia ajudar na realização do nosso intereclesial e a nossa caminhada de CEBs, quais luzes poderia nos oferecer. É um tema que está sendo debatido nestes dias.
Em Querida Amazônia o Papa Francisco nos pede que sonhemos. Qual é seu sonho para as comunidades eclesiais de base e para a Igreja do Brasil nos próximos anos?
O sonho continua sendo o Reino de Deus, nós temos que ser apaixonados por esse Reino de Deus, apaixonados pela vida, pela vida verdadeira das pessoas. Não podemos ficar acomodados diante do que estamos vendo no mundo, e pensar que só se possa resolver esperando. O futuro, o Reino de Deus, não à algo que está atrás de uma porta fechada, é algo que está atrás de uma janela e projeta uma luz na nossa caminhada para nos dar força, para dizer esta é a meta que nós estamos perseguindo. Nós estamos caminhando para construir este modelo de vida a partir de já.
O meu sonho é que as CEBs possam estar ao serviço, ao serviço da vida, ao serviço do bem, ao serviço da felicidade das pessoas, que encontrem um jeito de viver, que não é mais dominado pelo lucro, pelo poder, pela exploração, pela desigualdade, por tudo o que nós estamos vendo até agora. Mas que sejam capazes de plasmar comunidades em que as pessoas possam dizer é bom estarmos aqui, é bom estarmos juntos, é bom que as pessoas possam amar e reconhecer a vida nos seus dias, cheios de alegria como de sofrimentos, mas como um presente de Deus, porque estão construindo algo que vai verdadeiramente além, que está criando a vida.
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“Até quando nós vamos deixar que na Igreja o poder seja concentrado nas mãos do clero?”. Entrevista com Dom Gabriel Marchesi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU