03 Abril 2019
Em sua exortação apostólica pós-sinodal Christus vivit, Bergoglio repassa todas as temáticas mais caras ao mundo juvenil: sexo e homossexualidade, mas também pedofilia, migrantes e desemprego.
A reportagem é de Francesco Antonio Grana, publicada por Il Fatto Quotidiano, 02-04-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Um documento que chega depois do Sínodo dos jovens que ocorreu em outubro de 2018 no Vaticano e do qual Bergoglio retoma amplamente as conclusões. Para Francisco, é necessário que a Igreja “reconheça humildemente que algumas coisas concretas devem mudar e, para isso, precisa de recolher também a visão e mesmo as críticas dos jovens”. E especifica que “são precisamente os jovens que a podem ajudar a permanecer jovem, não cair na corrupção, não parar, não se orgulhar, não se transformar numa seita, ser mais pobre e testemunhal, estar perto dos últimos e descartados, lutar pela justiça, deixar-se interpelar com humildade”. Acrescentando que “é verdade que nós, membros da Igreja, não devemos ser sujeitos estranhos”.
Bergoglio também faz uma confidência: “Quando comecei o meu ministério como Papa, o Senhor alargou os meus horizontes e deu-me uma renovada juventude”.
Francisco denuncia que “muitos jovens são ideologizados, instrumentalizados e utilizados como carne de canhão ou como força de choque para destruir, intimidar ou ridicularizar outros. E o pior é que muitos se transformam em sujeitos individualistas, inimigos e desconfiados para com todos, tornando-se assim presa fácil de propostas desumanizadoras e dos planos destrutivos elaborados por grupos políticos ou poderes econômicos. Ainda mais numerosos no mundo – continua o papa – são os jovens que padecem formas de marginalização e exclusão social, por razões religiosas, étnicas ou econômicas. Lembramos a difícil situação de adolescentes e jovens que ficam grávidas e a praga do aborto, bem como a propagação da Aids/HIV, as várias formas de dependência (drogas, jogos de azar, pornografia etc.) e a situação dos meninos e adolescentes de rua, que carecem de casa, família e recursos econômicos. E quando se trata de mulheres, essas situações de marginalização tornam-se duplamente dolorosas e difíceis”.
“É verdade – escreve Bergoglio – que os poderosos prestam alguma ajuda, mas muitas vezes por um alto preço. Em muitos países pobres, a ajuda econômica de alguns países mais ricos ou dalguns organismos internacionais costuma estar vinculada à aceitação de propostas ocidentais relativas à sexualidade, ao matrimônio, à vida ou à justiça social. Essa colonização ideológica prejudica de forma especial os jovens. Ao mesmo tempo, vemos como certa publicidade ensina as pessoas a estar sempre insatisfeitas, contribuindo assim para a cultura do descarte, onde os próprios jovens acabam transformados em material descartável. A cultura atual promove um modelo de pessoa estreitamente associado à imagem do jovem. Sente-se belo quem se apresenta jovem, quem realiza tratamentos para cancelar as marcas do tempo. Os corpos jovens são constantemente usados na publicidade comercial. O modelo de beleza é um modelo juvenil, mas estejamos atentos porque isso não é um elogio para os jovens. Significa apenas que os adultos querem roubar a juventude para si mesmos, e não que respeitam, amam e cuidam dos jovens”.
Francisco enfatiza que “os jovens reconhecem que o corpo e a sexualidade são essenciais para a sua vida e para o crescimento da sua identidade. Mas, num mundo que destaca excessivamente a sexualidade, é difícil manter uma boa relação com o próprio corpo e viver serenamente as relações afetivas. Por esta e outras razões, a moral sexual é frequentemente causa de incompreensão e afastamento da Igreja, pois é sentida como um espaço de julgamento e condenação. Ao mesmo tempo, os jovens expressam de maneira explícita o desejo de se confrontar sobre as questões relativas à diferença entre identidade masculina e feminina, à reciprocidade entre homens e mulheres, e à homossexualidade”.
O papa lembra que “Deus nos criou sexuados. Ele próprio criou a sexualidade, que é um presente maravilhoso para as suas criaturas. Dentro da vocação para o matrimônio, devemos reconhecer, agradecidos, que a sexualidade, o sexo são um dom de Deus. Sem tabus”. Palavras que Francisco já havia dirigido a um grupo de jovens franceses recebidos no Vaticano.
O papa também aborda o grave escândalo dos abusos sexuais de menores por parte do clero, que mina a credibilidade da Igreja Católica. “Nos últimos tempos – escreve Francisco –, temos sido fortemente instados a escutar o grito das vítimas dos vários tipos de abuso cometidos por alguns bispos, sacerdotes, religiosos e leigos. Esses pecados provocam nas suas vítimas sofrimentos que podem durar a vida inteira e aos quais nenhum arrependimento é capaz de pôr remédio. Esse fenômeno, muito difuso na sociedade, toca também a Igreja e representa um sério obstáculo à sua missão. É verdade – continua o papa – que o flagelo dos abusos sexuais contra menores é um fenômeno historicamente difuso, infelizmente, em todas as culturas e sociedades, especialmente dentro das próprias famílias e em várias instituições, cuja extensão foi ressaltada sobretudo graças à mudança de sensibilidade da opinião pública. Mas a universalidade de tal flagelo, ao mesmo tempo que confirma a sua gravidade nas nossas sociedades, não diminui a sua monstruosidade dentro da Igreja e, na ira justificada das pessoas, a Igreja vê o reflexo da ira de Deus, traído e esbofeteado”.
Francisco enfatiza que “o Sínodo reitera o firme empenho na adoção de rigorosas medidas de prevenção que impeçam a sua repetição, começando pela seleção e formação daqueles a quem serão confiadas tarefas de responsabilidade e educativas. Ao mesmo tempo, não mais deve ser abandonada a decisão de aplicar as necessárias medidas e sanções. Em tudo, contando com a graça de Cristo. Não se pode voltar atrás”. E acrescenta: “Quero, juntamente com os Padres Sinodais, expressar com afeto a minha gratidão a quantos têm a coragem de denunciar o mal sofrido: ajudam a Igreja a tomar consciência do que aconteceu e da necessidade de reagir com decisão”.
Bergoglio também escreve que os “migrantes são atraídos pela cultura ocidental, nutrindo por vezes expectativas irrealistas que os expõem a pesadas decepções. Traficantes sem escrúpulos, frequentemente ligados a cartéis da droga e das armas, exploram a fragilidade dos migrantes, que, ao longo do seu percurso, muitas vezes encontram a violência, o tráfico de seres humanos, o abuso psicológico e mesmo físico, e tribulações indescritíveis. Há que assinalar a particular vulnerabilidade dos migrantes menores não acompanhados, e a situação daqueles que são forçados a passar muitos anos nos campos de refugiados ou que permanecem bloqueados muito tempo nos países de trânsito, sem poderem continuar os seus estudos nem expressar os seus talentos. Em alguns países de chegada, os fenômenos migratórios suscitam alarme e temores, frequentemente fomentados e explorados para fins políticos. Assim se difunde uma mentalidade xenófoba, de clausura e retraimento em si mesmos, a que é necessário reagir com decisão”.
Também não falta uma referência ao problema do desemprego. “Peço aos jovens – escreve o papa – que não esperem viver sem trabalhar, dependendo da ajuda doutros. Isto não faz bem, porque o trabalho é uma necessidade, faz parte do sentido da vida nesta terra, é caminho de maturação, desenvolvimento humano e realização pessoal. Neste sentido, ajudar os pobres com o dinheiro deve ser sempre um remédio provisório para enfrentar emergências”.
Bergoglio lembra que “o Sínodo salientou que o mundo do trabalho é uma área onde os jovens experimentam formas de exclusão e marginalização. A primeira e a mais grave é o desemprego juvenil, que, nalguns países, atinge níveis exorbitantes. Para além de os empobrecer, a falta de trabalho rescinde nos jovens a capacidade de sonhar e esperar, e priva-os da possibilidade de contribuir para o desenvolvimento da sociedade. Em muitos países, esta situação depende do fato de alguns setores da população juvenil carecerem de competências profissionais adequadas, devido também aos déficits do sistema educacional e formativo. Muitas vezes, a precariedade ocupacional que aflige os jovens fica-se a dever aos interesses econômicos que exploram o trabalho”.
Para Francisco, “é uma questão muito delicada que a política deve considerar como prioritária, sobretudo hoje que a velocidade dos avanços tecnológicos, aliada à obsessão de reduzir os custos laborais, pode levar rapidamente à substituição de inúmeros postos de trabalho por máquinas. Trata-se de uma questão fundamental da sociedade, porque o trabalho, para um jovem, não é simplesmente uma atividade para ganhar dinheiro. É expressão da dignidade humana – conclui o papa –, é caminho de amadurecimento e inserção social, é um estímulo constante para crescer em responsabilidade e criatividade, é uma proteção contra a tendência para o individualismo e a comodidade, e serve também para dar glória a Deus com o desenvolvimento das próprias capacidades”.
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Papa Francisco: ''Na Igreja, algumas coisas concretas devem mudar. É preciso recolher a visão e a crítica dos jovens'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU