11 Março 2020
O discernimento deve estar sempre presente na vida do cristão, especialmente na vida daqueles que vivem sua fé nas comunidades eclesiais de base. A realidade é o que marca nossa vida, também no nível espiritual. No século XXI, de acordo com Emilce Cuda, os trabalhadores se organizam para consumir os resíduos produzidos pelos ricos, chegando a dizer que hoje mal conseguem se organizar a partir do mais baixo andar dos direitos, que é o de comer. Ela fazia essa análise no XI Encontro Continental das CEBs, que de 9 a 12 de março, acontece em Guayaquil, Equador, com a participação de 225 participantes de 16 países.
A reportagem é de Luis Miguel Modino.
A teóloga argentina, uma das grandes colaboradoras de Juan Carlos Scannone, diante da concentração da riqueza, lança o desafio de cumprir a missão de converter uma cultura da morte em uma cultura da vida, que ela define como programa pastoral do Papa Francisco, com base em que a realidade é superior à ideia. A partir daí, nasce o diagnóstico que leva a afirmar que os trabalhadores foram descartados. O trabalho é a parte criativa do ser humano, dizendo que "perder a condição de trabalhadores é perder a condição de ser imagem de Deus".
Diante dessa realidade, Emilce Cuda se pergunta como transformar a cultura do descarte em uma cultura do encontro. Segundo o teólogo, Francisco dá esse passo a partir da teologia da criação, uma novidade na reflexão teológica, sendo um sistema que mata a causa da condição indigna em que o ser humano vive. Para a teóloga argentina, Deus é uma pessoa que criou o ser humano à sua imagem e semelhança, um Deus misericordioso, que ajuda, se emociona e pede que o ser humano seja como Ele. Para isso se faz necessária uma conversão que mude o sistema , que promove os cuidados da Casa Comum. Essa conversão ecológica foi implementada a partir do Sínodo para a Amazônia.
A teóloga defende a necessidade de desenvolver a sensibilidade estética, deixar falar aqueles que não têm a palavra, para eles gritar sua angústia, alegria e esperança. A estética a define como "a capacidade de colocar o todo na parte e torná-lo bonito", porque deixar-se apaixonar é o caminho para desenvolver o sentimento estético. Ela também defende que "temos que erotizar o mundo, porque o erotismo é misticismo, é sentir em minha carne minha dor e a do outro", sendo necessário encantar novamente o mundo.
Atualmente, as CEBs devem ser entendidas sob o signo da sinodalidade, disse Manoel Godoy. As CEBs sempre estiveram ligadas à história dos pobres, que, com as CEBs, encontraram espaço na Igreja, mas isso as leva ao desafio de se abrir para não permanecer como um grupo fechado, alheio à história. Segundo o teólogo brasileiro, a Bíblia, sempre amada pelas CEBs, hoje sofre a ameaça do fundamentalismo, que deveria levar a um esforço de formação para evitar esse tipo de leitura. Também treinar líderes na transformação da realidade social, algo insubstituível nas CEBs, que hoje foi se perdendo, segundo Godoy.
Manoel Godoy (Foto: Luis Miguel Modino)
As comunidades eclesiais de base não podem permanecer em modelos fechados que não permitem que os jovens criem novas maneiras de serem CEBs. Os jovens desempenharam um papel importante neste XI Encontro Continental. Eles ficaram reunidos anteriormente por dois dias, um trabalho que foi apresentado aos participantes, procurando que todos conhecessem os sonhos que os jovens das CEBs têm. Godoy defende um modelo dialético e aposta no modelo sinodal que o Papa Francisco está postulando, sempre buscando promover processos. Esse modelo sinodal, segundo o teólogo, faz parte da prática das CEBs, que devem estar comprometidas com a sua divulgação, expressa na proximidade e nas decisões conjuntas, sempre necessárias para impedir que algumas pessoas iluminadas tomem decisões por outras.
Referindo-se a José Comblin, um dos grandes teólogos da história das CEBs, Manoel Godoy alertou sobre o perigo do chamado modelo autoritário com amor, que nos remete a uma mentalidade colonialista. Contra a estrutura eclesial, onde tudo vem de cima para baixo, a alternativa é o modelo sinodal, que apresenta alguns obstáculos, como o sentimento de inferioridade dos pobres e leigos na Igreja, o excesso de prestígio do clero, brechas de uma sociedade paternalista e colonialista, o modelo de formação do clero. Também possui desafios, que devem levar a evitar privilégios, cuidar do processo de envelhecimento para não perder dinamismo, se ajudar entre comunidades próximas, garantir liberdade nas comunidades, sabendo que ser livre na Igreja é muito difícil, ter paciência histórica com os processos de amadurecimento das lideranças, assumindo que errar é bom, porque quem não erra é porque não age e, por fim, criar espaços para os diferentes carismas.
O Sínodo para a Amazônia esteve presente na reunião através do testemunho de dois padres sinodais, Dom Giovane Pereira de Melo e Dom Philip Dickmans, e uma auditora, Tania Ávila Meneses. Dom Giovane partiu da ideia da sinodalidade como um método para realizar a conversão eclesial, apresentando todo o processo sinodal iniciado em Puerto Maldonado. Durante o processo, ele destacou a escuta realizada no Sínodo da Amazônia e o que foi vivido durante a assembléia sinodal, dentro e fora da sala sinodal, nas atividades da Amazônia Casa Comum. O bispo brasileiro lembrou-se do Pacto das Catacumbas, os círculos menores, o clima de oração, a liberdade ao falar, a presença feminina e indígena, a atitude de escuta do Papa com um coração do pastor.
Dom Philip Dickmans (Foto: Luis Miguel Modino)
O trabalho realizado no processo sinodal até a assembléia, por se tratar de um processo não encerrado, foi incluído no Documento Final e na exortação pós-sinodal Querida Amazônia, partindo do Instrumentum Laboris. Esses documentos se concentram na conversão e nos sonhos, que o bispo de Miracema, define como algo próprio do profeta. Na apresentação, ele insistiu que o anúncio é indispensável na Amazônia e que a Igreja não pode abandonar os pobres. O bispo refletiu sobre a necessidade de inculturação, a importância decisiva das mulheres em uma Igreja sinodal na região amazônica. Ele também insistiu em como resolver o problema da falta de celebração dos sacramentos nas comunidades amazônicas e a necessidade de um ardor missionário, que leva os missionários a ir e ficar.
Tania Ávila Meneses partiu da ideia de que o que unia as mulheres presentes na Assembléia do Sínodo é o cuidado da Casa Comum, que gerava um sentimento de irmandade. Segundo a teóloga boliviana, o papel das mulheres na Igreja vai muito além da funcionalidade, afirmando que a presença de mulheres com suas diferenças cria um ambiente comum. Ela reconheceu a necessidade de aprender com os rios para adicionar todas as experiências. Ela também destacou o encontro que os povos indígenas tiveram com o Papa Francisco, a quem ela vê como alguém com capacidade de capturar lógicas indígenas, como alguém que nos leva a entender que o Evangelho é compartilhar minha alegria para que o outro possa responder da liberdade.
A teóloga indígena apontou alguns desafios, como entender o que são os sonhos, que os povos originários identificam com um roteiro para a realização de coisas concretas. Se faz necessário entender que os povos indígenas têm outras linguagens para se comunicar, além de palavras, como dança, ritual, narração, corpos, roupas, símbolos, poesia. Isso se manifestou no vestido que uma indígena, Marcivana Sateré, usava na cerimônia de abertura e encerramento da assembléia sinodal, onde apareciam desenhos de formigas, uma amostra do pequeno trabalho realizado pelas comunidades de base; sementes, que dão origem a novas possibilidades; e penas que se conectam com o divino.
Foto: Luis Miguel Modino
Ela também se referiu à planta que entregou ao Papa Francisco, fruto de sementes plantadas no dia em que a Assembléia Sinodal foi inaugurada, que germinou. Ela insistiu que um diálogo intercultural não é apenas entre culturas, mas também com a economia, que sustenta a conversão integral, uma vez que o espiritual não pode ser separado do cotidiano. Ela também se referiu à música, que pode ser um instrumento de denúncia, anúncio, construção, chamada, mas que também pode ser um canto de sirene.
Os participantes do Encontro reagiram aos desafios que os jovens e o Sínodo para a Amazônia apresentam. Os jovens fazem um chamado para escutar um ao outro do diálogo inter-geracional, caminhar juntos, criar empatia mútua, desaprender para aprender, um relacionamento circular, uma mudança de linguagem, valorizar os jovens, revisar os olhares e gerar espaços de participação. Do Sínodo para a Amazônia, somos chamados a reconhecer que a Amazônia sou eu e, assim, tornar realidade a conversão ecológica e integral, fortalecer, criar e expandir as redes, articular solidariedade e lutas em uma só voz. É necessário reapropriar o processo do Sínodo, conhecer, discernir e divulgar documentos para aplicá-lo à realidade social, para mudar práticas concretas em nossa vida cotidiana e comunitária.
Diante das perguntas dos participantes, Emilce Cuda disse que estamos no meio do caos, que a opressão neoliberal é um sistema político que expirou, dominado pela mídia, onde as fronteiras não são geográficas, mas culturais, onde a Igreja deve agir numa transformação social. A ideia de caridade como esmola e a mentalidade de escravidão, ainda presente na América Latina, deve ser superada. Adquirir também o hábito de dizer a verdade, de não ser seduzido por um Deus falso que nos promete coisas fora da realidade, de superar as brigas entre si e se perguntar por que lutamos. Finalmente, quando se fala em vocações, a chave, segundo a teóloga, está em fazer os jovens se apaixonar, hoje temos uma Igreja que não apaixona, mas às vezes faz vergonha.
A Igreja não pode ser entendida sem sinodalidade, Manoel Godoy defendeu, afirmando que, assumindo a sinodalidade, práticas autoritárias serão respondidas. De fato, referindo-se a Lumen Gentium, a sinodalidade é muito mais que a democracia, que se traduz em pequenos gestos, atitudes, que formarão a sinodalidade. Essa sinodalidade supera o clericalismo, baseado em novos modelos de formação no seminário, sabendo que deve haver milhares de mudanças temporárias para que haja uma mudança na estrutura. Segundo o teólogo brasileiro, não existe um modelo ideal de CEBs, não se esgota em uma única comunidade, cada comunidade tem sua identidade, sua experiência.
Foto: Luis Miguel Modino
Todos nós vivemos dentro da Casa Comum, segundo Tania Avila, que insistia que as estruturas sociais e eclesiais deveriam ser um trabalho comum, é o trabalho de todos, porque isso é cuidar da vida, ter vida em abundância. O que acontece na Amazônia tem consequências planetárias, não é um problema local, mas é global, porque um dos mandatos mais importantes é cuidar da vida, administrar a Criação. Ela enfatizou a importância dos povos originários na Exortação, afirmando que é hora de fechar a boca e abrir os ouvidos e os olhos, aprender com os anciãos que ainda estão vivos, compartilhar, não impor ou mandar, compartilhar para formar, que é o que os jovens exigem agora. Todo esse processo sinodal está sendo concretizado na Amazônia e na Igreja, aspecto abordado por Dom Giovane Pereira de Melo e Dom Philip Dickmans.
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“As CEBs devem estar comprometidas com o modelo sinodal”, afirma Manoel Godoy no XI Encontro Continental - Instituto Humanitas Unisinos - IHU