Chile. Na Faculdade de Teologia se abusa. Artigo de Jorge Costadoat

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15 Agosto 2018

“A Faculdade de Teologia é uma desonra para a [Pontifícia Universidade] Católica [do Chile]. É triste para nós seus acadêmicos ser um enclave autoritário dentro de uma grande universidade. Espero que o próximo Arcebispo de Santiago nos liberte desta humilhação”, escreve Jorge Costadoat, teólogo jesuíta chileno, em artigo publicado por Reflexión y Liberación, 13-08-2018. A tradução é do Cepat.

Eis o artigo.

Dom Ricardo Ezzati delega suas faculdades de Grão-Chanceler da Universidade Católica ao Vice-Chanceler. Atrás de si fica um sulco de queixas na Faculdade de Teologia. Espero que não se faça lenha da árvore caída. Porque o que realmente é necessário fazer é uma mudança estrutural. Com Dom Francisco Javier Errázuriz aconteceram os mesmos abusos que os acadêmicos de Teologia lamentam.

Na Faculdade de Teologia falta liberdade de cátedra porque não tem autonomia.

Falta liberdade na Teologia da Católica. Qual é o problema? Se se trata de uma religião, dirá alguém, os docentes precisariam sacrificar suas ideias pessoais a serviço do ensinamento oficial. Não deve ser assim. A fé cristã impõe a si mesma a obrigação de provar sua razoabilidade. A falta de liberdade nós, acadêmicos, sofremos na Teologia atenta contra o próprio cristianismo (cf. Vaticano I contra o fideísmo). Para alcançar a verdade, requer-se liberdade. O medo que, hoje, seus acadêmicos possuem em entrar nos temas difíceis, desvia-os para assuntos não problemáticos. São feitos trabalhos disciplinares e interdisciplinares sérios, mas não nas áreas nas quais os docentes podem ser acusados à Congregação para a Doutrina da Fé (ex-Ofício da Inquisição, em Roma). Uma faculdade de teologia não pode ser tratada como um seminário eclesiástico.

Sendo assim as coisas, os teólogos são impedidos de ajudar na tarefa que a Igreja tem de discernir os “sinais dos tempos”, isto é, decifrar a fala de Deus nos acontecimentos atuais. Com o qual o ensinamento da Igreja, dependente da teologia, se torna progressivamente anacrônico, quando não nocivo.

Na mesma medida em que os estudantes não são treinados a escrutinar esta ação de Deus na história com o acervo da tradição da Igreja – o que equivale a enfrentar como adultos os chamados atuais de Deus –, por um lado são infantilizados, e por outro, no dia de amanhã, alargarão o fosso de incomunicação que hoje caracteriza a relação do estamento eclesiástico com a realidade e com o laicato.

Exagero?

Recentemente, Joaquín Silva, decano, e o Conselho da Faculdade responderam à carta do Papa Francisco ao “Povo de Deus que peregrina no Chile” (31 de maio de 2018). A resposta é longa. Cito apenas um parágrafo: “em muitas ocasiões, nós, teólogos e teólogas, também sofremos abusos de poder em nossa Igreja. Não é o caso apresentar aqui a longa lista de teólogos e teólogas que muitas vezes no Chile, na América Latina e no mundo foram restringidos ou excluídos do exercício da teologia por razões mais ideológicas que teológicas, por ter questionado algum ensinamento do magistério, por ter perguntado se as coisas poderiam ser pensadas de outro modo, por ter indagado em novas possibilidades de compreender a Revelação de Deus em Cristo”.

As autoridades da Faculdade celebram a chegada de Francisco ao Pontificado: “Vimos com esperança que em seus anos de papado os processos contra os teólogos diminuíram, até quase desaparecer”. Mas, como aconteceu em outras matérias, as intenções do Papa não se cumprem tão rapidamente. Continua o decano: “Em nosso país continua havendo colegas aos quais se nega sua promoção acadêmica ou a permissão para ensinar por razões que não tem a ver com a qualidade de seu trabalho acadêmico-teológico. Na sociedade chilena e em nossa própria Universidade Católica se instalou progressivamente o parecer – por certo equivocado – de que a teologia tem um status diferente ao de outras disciplinas acadêmicas, de que a liberdade de cátedra está nela, na prática, limitada pela relação que a teologia deve manter com o Magistério eclesiástico, de que não pode participar livre e criticamente do diálogo social, de que ela poderia se subtrair ao escrutínio da razão”.

Não é necessário ser acadêmicos para imaginar como pode ser penoso para um leigo com sua família perder seu trabalho por uma acusação qualquer, seja de um seminarista, seja de colegas que estão informando permanentemente o bispo acerca do que acontece na Faculdade.

Segue a carta de resposta ao Papa: “Para controlar e limitar o livre exercício da teologia, se costuma recorrer a razões carentes de transparência ou a procedimentos de organismos da cúria romana, cujo comum denominador são a reserva e o sigilo, para assim impor sanções ou travas ao exercício acadêmico, sem ter que dar conta disso aos atingidos, nem a suas comunidades acadêmicas. A teologia demanda uma atitude crítica e profética; mas, infelizmente, e como o senhor mesmo advertiu, não poucas vezes essa atitude foi confundida com traição à Igreja e à mensagem de salvação que nos foi confiada. Muito pelo contrário, nós, que nos sentimos chamados pelo Senhor a servir na Igreja como teólogos e teólogas, demandamos a confiança e o respaldo de nossos irmãos que foram chamados a servir como pastores na única Igreja de Cristo, Senhor da Vida”.

O que não diz a carta, no entanto, é que a falta de liberdade e o medo dos bispos chanceleres da universidade são resultado da falta de autonomia da Faculdade de Teologia. Os Estatutos da Faculdade permitem ao Grão-Chanceler, o bispo de Santiago, fazer nela praticamente qualquer coisa sem ter que dar explicações a ninguém. Esta situação não dá mais. São necessários novos Estatutos. Há apenas uma correção importante a ser feita: o Decano deveria prestar conta de sua gestão ao Reitor da Universidade. Os Estatutos deveriam proibir qualquer forma de influência direta do bispo na Faculdade.

A Faculdade de Teologia é uma desonra para a Católica. É triste para nós seus acadêmicos ser um enclave autoritário dentro de uma grande universidade. Espero que o próximo Arcebispo de Santiago nos liberte desta humilhação.

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