28 Julho 2018
“Chegou a hora em que a Igreja, institucionalmente considerada, comunique o que fará para reparar as vítimas de abusos sexuais, de recusa de justiça e de acobertamento. Minha opinião é que deve agir assim. Dom Scicluna, antes de partir do Chile, sustentou que a reparação deveria ser feita pelos culpados diretos. Não concordo”, escreve Jorge Costadoat, teólogo jesuíta chileno, em artigo publicado por Reflexión y Liberación, 26-07-2018. A tradução é do Cepat.
De um ponto de vista antropológico e ético, a reparação deve ser relacionada com a vulnerabilidade e o reconhecimento das pessoas (Carolina Montero, Vulnerabilidad, reconocimiento y reparación, 2012). A vulnerabilidade é uma condição humana. Todos somos vulneráveis. Foram, no caso que nos ocupa, as pessoas abusadas e seus abusadores. A vulnerabilidade é a capacidade de nos abrir aos outros de um modo corporal e empático. Os outros, todo o real, podem nos afetar ou podem nos satisfazer. Contudo, ao nos abrir, também ficamos expostos a eles e à periculosidade da vida.
Nós, seres humanos, por nossa condição relacional, nos damos e recebemos uns aos outros; e nos ferimos e podemos nos provocar danos devastadores. Com apenas um olhar podemos libertar no outro os medos que o cativam; mas com outro tipo de olhar podemos perturbá-lo, invadi-lo ou saqueá-lo. É difícil que uma pessoa decente possa dizer que nunca cometerá um abuso no que lhe resta de vida. A labilidade bate em qualquer um.
É possível uma reparação aos fatos que lamentamos? Talvez não, mas para que ocorra teriam que se cumprir uma série de reconhecimentos. Em primeiro lugar, a instituição eclesiástica, como representante do abusador, deveria fazer o processo de se juntar aos afetados com nomes e sobrenomes. Precisaria ver com seus próprios olhos o dano enorme, duradouro e, provavelmente, em muitos casos, insanáveis infligidos. Sentir dor e vergonha pelo cometido.
O conhecimento da verdade das vítimas deveria levar a instituição a entender sua demanda de justiça, a necessidade que possuem de ser acreditadas, sua experiência de ter sido culpadas de exageros ou por querer gerar problemas desnecessários. A autoridade teria que lhes pedir perdão com humildade, ou seja, ir a elas disposta a não ser perdoada. A compensação possível deveria ser objeto de uma conversa, pois pode ser muito distinta, conforme os casos. A vítima não deveria pensar que ao se aproximar dela uma autoridade eclesiástica para reparar seus erros, viesse para a humilhar de novo.
Curar, abrandar a pena, reabilitar a honra daqueles que pediram justiça e nunca receberam uma resposta são atos de reparação que só podem ser realizados com doçura. A compensação econômica, muito importante em alguns casos, terá que ser a mais delicada a se realizar. O que nunca deve se forçar, de qualquer modo, é a reconciliação. Talvez ocorra, talvez não. Mas, é de se esperar que, neste processo, seja falado sobre ela o menos possível. É triste quando a mesma é convertida em fatura que os inocentes acabam pagando. Ao contrário, conviria garantir às pessoas que serão realizadas mudanças estruturais que garantam que ninguém volte a ser abusado.
A reparação precisa ser institucional. A satisfação da honra das pessoas abusadas, sua reabilitação psicológica e sua reinserção na comunidade cristã, como filhos e filhas de Deus, demanda à hierarquia católica se tornar responsável por elas, assim como agiu o Bom Samaritano. Diz o evangelista Lucas que o samaritano que se encontrou pelo caminho com um ferido recentemente assaltado, “ao vê-lo, teve compaixão; e, aproximando-se, cuidou de suas feridas, jogando nelas azeite e vinho; e montando-lhe sobre seu próprio cavalo, conduziu-o a uma pousada e cuidou dele. No dia seguinte, pegando dois denários, deu-lhes ao estalajadeiro e lhe disse: ‘cuida dele e se gastar algo mais, pagarei a você quando voltar’” (Lc 10, 33-35).
A instituição eclesiástica tem que entender que, assim como ela precisou cuidar de seus padres, apesar de seus crimes e pecados, deve sobretudo se responsabilizar por seus fiéis. Deve entender que, nestes casos, a condição de religiosos deles facilitou os abusos. A hierarquia católica precisa compreender que nada pode ser mais terrível que ter sido violado/a por um representante de Deus. Existe uma responsabilidade institucional. A Royal Commission na Austrália (2017) constatou que nas instituições católicas a quantidade de abusos sexuais foi muito maior que em outras organizações.
Certamente, a instituição não pode esperar que as vítimas se encontrem a sós com os vitimários para acordar entre eles o caminho que conduz à reparação. Seria expô-las novamente. Como fazer isso com um pedófilo, um doente mental que não tem noção moral de seus atos! Ela, a instituição, deve reparar vicariamente no lugar daqueles que não convém que façam isso diretamente ou não têm os meios econômicos para fazer.
Por último, deve agir assim porque nisto se joga a razão de ser da Igreja. Neste momento, a institucionalidade eclesiástica não tem autoridade porque perdeu a credibilidade. Ela deveria representar a fé em Deus. Pelo contrário, em mais de um caso, fez com que os frágeis e pequenos não acreditassem mais nele. Em momentos assim, os únicos que têm autoridade na Igreja são os batizados e as batizadas que foram vítimas dos sacerdotes e dos bispos, e o restante do laicato que clama por mudanças eclesiais de todos os tipos.
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Chile. A Igreja deve reparar. Artigo de Jorge Costadoat - Instituto Humanitas Unisinos - IHU