Resultado da COP foi uma “traição” ao clima e ao planeta

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06 Dezembro 2025

Os resultados da Cimeira do Clima, que se realizou entre 10 e 21 de Novembro em Belém do Pará (Brasil), foram uma “traição” ao planeta, em relação ao que era necessário fazer. Apesar disso, a cimeira das Nações Unidas sobre o clima registou alguns progressos, como o maior destaque dado às minorias, às questões de gênero e às migrações. 

A reportagem é de António Marujo, publicada por 7Margens, 04-12-2025.

A síntese é feita pelo padre jesuíta brasileiro Vinícius Ferreira da Paixão, que participou na COP30, e esteve em Lisboa numa iniciativa da Semana da Sustentabilidade, na Universidade Católica Portuguesa (UCP), que decorreu entre 24 e 28 de Novembro. Professor visitante no Campion Hall, da Universidade de Oxford (Reino Unido), onde também coordena a Escola de Verão de Ecologia Integral (IESS), o cientista da área da bioquímica tinha já deixado no 7MARGENS um primeiro olhar sobre as conclusões da cimeira, entre o contentamento e a frustração. Feliz com questões como “o progresso da ciência de qualidade em todos os domínios relacionados com as alterações climáticas, desde os mares aos polos gelados”; o fato de “as metas globais de adaptação passarem a incluir métricas humanas”; a “presença da sociedade civil em força, sobretudo as comunidades indígenas”; ou porque há “dados científicos poderosos” que mostram ser possível combater as alterações climáticas. Mas ficara descontente com a ausência de qualquer referência aos combustíveis fósseis nas conclusões e resultados da cimeira.

Uma semana depois do fim da COP, perante duas dezenas de responsáveis da UCP e de instituições católicas, professores e membros da Rede Cuidar da Casa Comum, Vinícius Ferreira destaca a experiência extraordinária de intercâmbio cultural, mas lamenta que dados sobre a saúde da criosfera e dos oceanos sejam ainda “mais alarmantes” do que temas como o dos combustíveis fósseis.

“O tempo ainda é menor do que imaginávamos”, avisa. Uma cientista de Helsinque, contou, apresentou na COP uma projeção de como será o mapa do mundo daqui a 50 anos. “Bons territórios tendem a desaparecer. E Portugal ocupa uma parte dessa projeção”, com “grandes mudanças geográficas” – que é como quem diz, territórios que desaparecem. Mas também vários arquipélagos do mundo terão tendência a desaparecer, como vários cientistas têm vindo a alertar.

A ausência de referência aos combustíveis fósseis nas conclusões teve um reverso positivo, descreve Vinícius Ferreira: “Esse vácuo foi aproveitado” com a decisão de concretizar, “finalmente, a agenda de género – uma vitória enorme” que já vinha sendo discutida há muitos anos, “mas nunca” tinha encontrado espaço. Tal como a questão do Fundo de Florestas Tropicais, uma aposta importante do Presidente brasileiro, Lula da Silva, destinado a financiar a preservação ambiental em países tropicais, cujo compromisso foi positivo, mas não conseguiu reunir mais de 6,5 mil milhões de euros de doações e compromissos.

Mulheres e pobres

Ver a diversidade de pessoas preocupadas com os diferentes temas da agenda da COP (Conferência das Partes, da sigla em inglês), numa cimeira realizada no meio da floresta amazônica, com alguns dos dias a atingirem temperaturas de 35 graus (e os mais frios com 32), quando ainda nem sequer se chegou ao Verão, foi uma experiência importante, diz ainda o jesuíta brasileiro.

A questão da transição energética é outro dos pontos referidos pelo padre cientista. “Quando falamos de transição energética falamos de trocar os combustíveis fósseis por dispositivos electrónicos com baterias”, recorda. Mas isso depende diretamente da mineração, que traz outros problemas às populações que vivem próximo de minas ou aos países que hospedam a mineração. “O que está acontecendo é uma transferência da questão: esse é o risco do paradigma tecnocrático, de se fatiar o problema.” E acrescenta, referindo um dos países mais atingidos pela questão da mineração e por aquilo que acarreta para as populações mais pobres: “Pobre Congo, que não consegue estabilidade, não consegue evoluir na economia”, enfrenta corrupção e grandes níveis de pobreza. “Esse é o risco do paradigma tecnocrático, tão importante ou mais que o problema inicial.”

Os mais pobres e também as mulheres – são esses alguns dos grupos que mais sofrem. “Ficou muito claro e evidente que quem padece mais na questão climática é o gênero feminino, [tal] como todos os pobres no mundo”, diz Vinícius Paixão. “As mulheres estão na luta com os pobres.”

Um ponto que também se destacou foi o das migrações, principalmente as de carácter climático. “Até uma ditadura, se tem um fenômeno migratório”, pode esvaziar-se. O número de refugiados climáticos é cada vez maior em regiões como a Ásia ou África, recorda o jesuíta brasileiro.

A maior participação da sociedade civil surge, assim, como uma nota importante que sai da COP30, considera o padre jesuíta. “Mas os tempos da educação não são os tempos da política e da decisão. Temos pouquíssimo tempo.” Paradoxalmente, a China, com “um paradigma não democrático e no qual a sociedade civil não pode” ter qualquer envolvimento nas decisões, é de onde surge agora a esperança de resolver alguns problemas, pelos avanços que tem tido nas energias renováveis, por exemplo.

E a China?

“A China foi um grande parceiro” de organizações ambientalistas, explica Vinícius Paixão. “É horrível dizer isso, mas a China ao menos faz transferência de tecnologia diferente” dos Estados Unidos, por exemplo. “Senti um elogio da parte de alguns países da África” em relação à China. “Não sei dizer o quanto isso é bom ou o quanto é ruim”, mas significa que em questões como o tempo da produção de medicamentos, gestão das cidades” ou a transição para as renováveis a China está a fazendo progressos, mesmo se mantém ainda uma grande produção de carvão.

“Por ser uma autocracia, não se sabe” o que a China vai fazer, mas sabe-se que os seus investimentos são cada vez maiores, em todo o mundo, com isso ganhando influência. “A China é um país disposto a mudar no sentido climático”, mas a sua agenda está totalmente relacionada com o problema do multilateralismo e a pobreza, diz o cientista de Oxford. “O multilateralismo entre países ricos e pobres é uma relação totalmente assimétrica e isso não vai deixar de existir. Haverá um momento onde nos sentaremos em círculo e falaremos de forma simétrica”, sonha Vinícius. “Os blocos têm-se fortalecido para tentar criar alguma simetria nas relações”, mas até agora eles são ainda relações de poder por parte de alguns países e regiões. Mas “mesmo uma autocracia como a China sofre as consequências climáticas até no sentido autocrático de autopreservação e de ampliação do poder económico: se a China não cuidar hoje do Sul global, não terá quem compre os produtos no futuro”. Numa “leitura muito fria, isso garante alguma simetria na relação e algum poder de diálogo”.

Já a Rússia foi quem mais atrapalhou as negociações, pois está interessada em “salvar a sua fonte” de rendimento que é o gás. E o papel da China, Rússia e Estados Unidos – ou também a Índia, entre outros – colocam o problema do verdadeiro multilateralismo. “Se o fim do multilateralismo é uma tragédia política, é também uma tragédia ecológica, porque o multilateralismo baseia-se na ideia de que somos interdependentes.” E mesmo os poderes absolutos não ficam a ganhar: “Posso ter poderes brutais, mas não vou ganhar porque dependo do outro. E a nível ecológico é a mesma coisa: não posso ganhar sobre a natureza, porque se eu a forçar ela vai destruir-me. E esse limiar já foi ultrapassado.” Podemos ser negacionistas das alterações climáticas, mas “quando despertarmos será tarde demais”.

Há “um ganho de consciência da sociedade civil” em relação ao consumo, sublinha Vinícius Paixão. “Esse é um lugar que o capitalismo não gosta de toca: o consumo” e o aumento de consciência dos consumidores, “mesmo que precário”, pode ajudar a que haja mais pressão política na tomada de decisões. Por outro lado, não há índices que meçam a exploração e a destruição de recursos ou o esgotamento já visível em várias áreas.

Os católicos vão despertar?

Insistindo em outros pormenores positivos, Vinícius Paixão destaca, entre outras, investigações apresentadas na COP sobre tecnologias para filtrar água; a forma como comunidades indígenas se alimentam; ou que mostram que os sistemas agroflorestais integrados são muito mais produtivos. Ou ainda retratos de mulheres indígenas, ribeirinhas e que vivem em regiões pobres muito afetadas pelas alterações climáticas, e das soluções que elas encontram para mitigar os efeitos das mudanças do clima: por exemplo, como remedeiam o problema de uma casa que não tem uma estrutura mínima de isolamento térmico. A realização de um desfile de moda, que incluía mulheres privadas de liberdade que fizeram um curso de confecção com materiais locais “e que tentavam falar do imaginário delas” foi também uma bela surpresa que Vinícius Paixão presenciou.

Também se devem relativizar alguns fracassos, defende: “Conversei com um colega que esteve na Eco 92”, a primeira Conferência do Clima, no Rio de Janeiro. “Ele dizia que a tensão [durante a negociação] era muito grande”. E se no final se conseguir concretizar cinco por cento do que foi proposto já será bom. “Talvez a distância entre o que foi falado e o que foi decidido não gere esse sentimento de frustração, quando se acompanha o processo um pouco mais de perto, porque ambientes de negociação são sempre tensos.”

E como vê o cientista e padre jesuíta o papel da Igreja Católica, quando se sabe que a Laudato si’ é pouco conhecida e posta em prática e que muitas vezes as próprias instituições católicas contradizem, no seu ensino ou na sua prática, os princípios do pensamento social católico? “A Laudato si’ é de uma novidade imensa”, diz Vinícius Paixão. A encíclica do Papa Francisco é vista por um grande número de especialistas como o documento que motivou o Acordo de Paris, em 2015. “Foi um pensamento religioso que inspirou” aquele documento, afirma. Experiências nas Filipinas ou América Latina mostram que há “grandes avanços”. Mas perante um mapa da destruição que avança, mesmo em países como Portugal, a realidade acabará por despertar bispos, padres e a generalidade dos católicos para a urgência de fazer algo. “É uma questão de tempo e não será um tempo muito longo porque será uma condição de existência mesmo de algumas dioceses.”

Oxalá não seja tarde.

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