COP30: nem sucesso nem fracasso. Artigo de Luigi Togliani

Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

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05 Dezembro 2025

"Será que estamos num impasse? Não. A COP30 não termina com um grande sucesso, mas também não termina com um fracasso total. Ela estabelece uma trajetória frágil que as futuras presidências terão de acompanhar", escreve Luigi Togliani, físico italiano, em artigo publicado por Settimana News, 03-12-2025.

Eis o artigo.

Mutirão Global: Unindo a Humanidade em uma Mobilização Global contra a Mudança Climática. Este é o título do documento final divulgado pela Conferência das Partes (COP30), realizada em BelémBrasil, de 10 a 21 de novembro de 2025. Tentarei resumir alguns dos pontos principais deste documento.

Este evento foi apelidado de "COP da verdade", renovando a luta contra as mudanças climáticas ao reunir ciência, justiça e determinação política.

As partes reconheceram que a mudança climática é uma preocupação comum. Portanto, acreditam ser seu dever promover o desenvolvimento de um ambiente limpo, saudável e sustentável, que garanta: o direito à saúde; o direito dos povos indígenas às suas terras e conhecimentos tradicionais; os direitos dos migrantes, das crianças, das pessoas com deficiência e das pessoas em situação de vulnerabilidade; o direito ao desenvolvimento e à igualdade de gênero, ao empoderamento das mulheres e à equidade intergeracional.

Reafirmando o “Acordo de Paris”

A realização da COP30 no coração da floresta amazônica enfatizou a importância de conservar, proteger e restaurar a natureza e os ecossistemas, em consonância com os objetivos do Acordo de Paris de 2015 e os valores e princípios do multilateralismo da ONU, incluindo: manter o aumento da temperatura global abaixo de 2°C, e preferencialmente abaixo de 1,5°C, em comparação com a era pré-industrial; o desejo de deter o desmatamento e a degradação florestal até 2030; a conservação de todos os ambientes terrestres e marinhos como reservatórios de gases de efeito estufa; a proteção da biodiversidade; a erradicação da pobreza; o princípio da equidade e o reconhecimento de responsabilidades diferenciadas, dependendo do país, na crise ambiental que estamos vivenciando.

Foi reiterada a necessidade de rever periodicamente o progresso rumo à consecução das metas estabelecidas pelo Acordo de Paris, especialmente no que diz respeito às medidas de adaptação e mitigação implementadas em cada país. É importante reconhecer que as crises das mudanças climáticas, da perda de biodiversidade e da degradação da terra e dos oceanos estão interligadas.

Para garantir um futuro para as próximas gerações e para o ecossistema, devemos reverter o curso atual, dentro do contexto do desenvolvimento sustentável que protege todos os ecossistemas. Os países desenvolvidos devem reduzir as emissões em 25 a 40% em comparação com os níveis de 1990.

Reconhecendo que as emissões de gases de efeito estufa na última década muitas vezes ficaram aquém do Acordo de Paris, devemos tomar medidas decisivas e rápidas para reduzir as emissões em 43% até 2030 e em 60% até 2035, e então atingir emissões líquidas zero até 2050.

As respostas são urgentemente necessárias.

Dito isso, a Seção III do Mutirão Global apresenta algumas declarações importantes sobre as respostas urgentes a serem dadas: acelerar a implementação de medidas para combater a crise climática e aumentar a solidariedade e a cooperação internacional.

A sociedade civil, os governos locais e nacionais, o setor privado e a cooperação voluntária devem trabalhar em conjunto e utilizar financiamento, desenvolvimento de competências e transferência de tecnologia para acelerar a ação climática.

É também necessário encontrar ferramentas e oportunidades para facilitar a partilha de conhecimentos e boas práticas, de forma a preparar e implementar as contribuições de cada país, que podem beneficiar do apoio das Nações Unidas e de agências especializadas para este efeito.

Foi lançado o Acelerador Global de Implementação, uma iniciativa cooperativa, facilitadora e voluntária, sob a liderança dos presidentes de duas sessões da próxima COP31 (novembro de 2026), para acelerar a implementação de medidas que visem manter o aumento da temperatura global dentro do limite de 1,5°C, apoiando cada país na ativação de suas contribuições nacionais e seus planos de adaptação.

Os países serão convidados a apresentar suas conclusões em sessões específicas em junho e novembro de 2026, para refletir sobre a necessidade de acelerar a implementação, a cooperação internacional, os investimentos, as contribuições nacionais individuais e os planos nacionais de adaptação e mitigação.

É preciso envidar esforços para reformar rapidamente a arquitetura financeira internacional, a fim de reduzir as desigualdades e as barreiras sistêmicas ao acesso ao financiamento.

Os países desenvolvidos devem fornecer urgentemente recursos financeiros para auxiliar os países em desenvolvimento, tanto para mitigação quanto para adaptação, em conformidade com as obrigações previamente assumidas.

Os fluxos financeiros devem apoiar medidas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e fortalecer a resiliência climática. Para apoiar a ação climática com recursos públicos e privados, pelo menos US$ 1,3 trilhão por ano devem ser alocados até 2035, conforme estabelecido no Roteiro de Baku (sede da COP29 em 2024) a Belém; pelo menos US$ 300 bilhões por ano até 2035 devem ser direcionados aos países em desenvolvimento, especialmente aos mais vulneráveis ​​e expostos aos efeitos adversos das mudanças climáticas.

Além disso, foi assumido o compromisso de triplicar, até 2030 em comparação com 2022, as despesas anuais das entidades operacionais do Mecanismo Financeiro, do Fundo de Adaptação, do Fundo para os Países Menos Desenvolvidos e do Fundo Especial para as Alterações Climáticas, a fim de apoiar a adaptação e o desenvolvimento, especialmente nos países mais pobres.

A necessidade de apoiar um sistema econômico que possa levar ao crescimento e desenvolvimento econômico sustentável em todos os países – particularmente nos países em desenvolvimento – foi reafirmada, reiterando a urgência de combater as mudanças climáticas (aqui).

Algumas reações acaloradas

Segundo Andrea Ghianda, gerente de comunicação da ECCO, um think tank italiano sobre o clima, "a COP30 em Belém concluiu com um resultado que, embora não tenha resolvido todas as divergências, demonstra que a cooperação climática multilateral continua apesar das tensões geopolíticas. O papel da Europa na salvaguarda da economia dos combustíveis fósseis tem sido positivo, apesar da resistência externa dos BRICS e dos países do Golfo. Novas e amplas coligações de países, um sinal de reorganização dos padrões globais, têm exigido o mais alto nível de ambição possível, incluindo um roteiro claro para a eliminação gradual dos combustíveis fósseis e uma mudança das promessas para a implementação."

Embora a Decisão Mutirão (texto final da COP30) não mencione explicitamente os combustíveis fósseis e não acolha o apelo do Presidente Lula e de mais de 80 países por um roteiro sobre combustíveis fósseis e desmatamento, ela mantém a trajetória definida em Dubai sobre essa questão.

O lançamento de novos processos para acelerar a transição energética, como o Global Implementation Accelerator e a Missão Belém para 1.5, oferece ferramentas concretas para permitir que os países colaborem, cada um com seus próprios caminhos, para avançar na definição de “como” abandonar os combustíveis fósseis.

Luca Bergamaschi, diretor e cofundador da ECCO, afirmou: "O resultado desta COP é um texto de compromisso que oferece uma resposta inicial, e não uma certeza no atual contexto geopolítico, sobre como superar a lacuna entre as políticas atuais e a meta de 1,5°C. O papel da Europa em incentivar todos os países a aceitarem um aumento de ambição é louvável."

O Acordo da COP30 reafirma, antes de mais nada, o Acordo de Paris como a luz orientadora da cooperação internacional e demonstra que a maioria dos países, com a Europa no centro, está pronta para trilhar um caminho rumo à eliminação gradual dos combustíveis fósseis. Esse caminho reflete a direção da economia real, das finanças — com os investimentos em energia limpa dobrando em comparação com os combustíveis fósseis até 2024 — e das demandas da sociedade.

Na frente financeira, a COP30 envia uma mensagem mais encorajadora sobre a importância de investir em resiliência e decide triplicar o financiamento para adaptação até 2035. Estão surgindo compromissos para tornar o financiamento climático mais previsível, acessível e adaptado às necessidades dos países vulneráveis ​​— elementos essenciais para um sistema financeiro mais equitativo e alinhado aos desafios climáticos.

Eleonora Cogo, Chefe do Cluster de Finanças da ECCO, afirmou: "A COP de Belém demonstra que o resto do mundo está progredindo em relação ao clima, mesmo na ausência dos Estados Unidos. Observamos isso especialmente no financiamento climático, onde os países avançaram significativamente no fortalecimento da previsibilidade do apoio aos países mais vulneráveis. E o fato de estarmos discutindo políticas comerciais e transição econômica e social aqui demonstra que, para influenciar as regras do futuro, precisamos estar presentes nessas discussões."

A combinação desses elementos consolida o que foi iniciado em Dubai e estabelece as bases para um ciclo de trabalho mais concreto visando alinhar os fluxos financeiros e reequilibrar a mitigação e a adaptação. A COP30 não elimina a lacuna de ambição, evidenciada pela inadequação dos planos nacionais de redução de emissões. No entanto, ela fortalece a vontade política de muitos países de continuar trabalhando em caminhos multilaterais e regionais paralelos para avançar decisivamente na transição para longe dos combustíveis fósseis, independentemente das limitações do sistema de negociação da ONU. O caminho para conter as temperaturas dentro dos limites indicados pela ciência permanece complexo, mas Belém indica que o caminho ainda está aberto e que a urgência de ação é compartilhada por um número crescente de governos, cidades, empresas e comunidades (www.eccoclimate.org , 22 de novembro de 2025).

Lucia Capuzzi, em artigo publicado no Avvenire em 22 de novembro, expressou decepção com a exclusão do roteiro para a transição dos combustíveis fósseis do novo "pacote mutirão" — a versão brasileira da decisão política final. Oficialmente, o tema não constava da pauta, mas a presidência da cúpula conseguiu inseri-lo, tornando-o o ponto central da Conferência. Luiz Inácio Lula da Silva o havia mencionado na reunião de líderes internacionais às vésperas da COP. Corrêa do Lago o havia incluído, por escrito, na primeira versão. Na realidade, fontes bem informadas afirmam que a iniciativa brasileira vinha sendo planejada há um ano, em coordenação com os principais defensores do abandono do petróleo, gás e carvão na América Latina e na Europa e — peça-chave do quebra-cabeça — com a China.

Pequim, sempre cautelosa ao assumir compromissos ambientais rigorosos, teria concordado, atraída pela possibilidade de aumentar seu investimento já recorde em energias renováveis. Concordou também em troca de uma menção na declaração de minerais críticos, que, assim como os combustíveis fósseis, desapareceram no Mutirão-bis.

Após o lançamento via ônibus espacial no início desta semana, as negociações estagnaram. Isso levou à suspeita, levantada por diversos observadores, de que o texto de ontem foi, na verdade, um teste para provocar uma reação dos defensores da transição energética. O objetivo seria aumentar a pressão para romper a barreira dos petroestados, liderada pela Arábia Saudita, cujo líder de fato, Mohammad bin Salman, acaba de fortalecer sua aliança com Donald Trump.

A resposta, de fato, não tardou a chegar. Primeiro veio a carta inflamada de 29 países, liderados pela Colômbia e pelos Países Baixos, determinados a romper o impasse em vez de aceitar um acordo tão frágil. Essa mesma posição foi expressa pelo Comissário Europeu para o Clima, Wopke Hoekstra. Até mesmo a Itália, relutante, por meio de seu Ministro do Meio Ambiente, Gilberto Pichetto Fratin, lembrou o compromisso assumido em Dubai de eliminar gradualmente os combustíveis fósseis.

Bogotá anunciou então uma conferência internacional sobre o fim da era fóssil, no final de abril, em Santa Marta, com o apoio de pelo menos 82 países.

Infelizmente, nas COPs, os números não importam, já que as decisões são tomadas por consenso. Ou melhor, os números que importam nem sempre coincidem com a soma das nações. O grupo que pede a proibição do petróleo representa apenas 7% da produção mundial. O jogo de convencer os 93% restantes está em andamento, e não está sendo jogado apenas em Belém.

Em seu retorno, há três dias, Lula prometeu levantar a questão dos combustíveis fósseis na cúpula do G20 em Joanesburgo. Na véspera da cúpula do G20, juntamente com o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, e o presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, ele assinou um apelo no Financial Times, reiterando que a mudança climática é "uma crise de desigualdade" que representa um "risco sistêmico" comparável ao aquecimento global. Ao desembarcar em Joanesburgo vindo de Belém, o secretário-geral da ONU, António Guterres, fez coro com o mesmo sentimento, pedindo ao G20 "um aumento maciço no financiamento" para ajudar os países pobres a se adaptarem à emergência.

A exigência do Sul Global de triplicar o financiamento para adaptação às mudanças climáticas, elevando-o para US$ 120 bilhões por ano, é o outro tema central da COP. Essa exigência pode ser a chave para alcançar um consenso entre a África e a Ásia sobre o roteiro. O tempo está se esgotando: o prazo oficial expirou às 22h (horário italiano), mas, por outro lado, nenhuma COP terminou sem prorrogação desde 2003. Ainda assim, a cada vez, o atraso parece pegar os organizadores de surpresa: os navios-hotel partem ao amanhecer de hoje, e os delegados a bordo foram transferidos às pressas para terra firme. Enquanto isso, como resumiu a ministra do Meio Ambiente da Colômbia, Irene Vélez Torres, "a luta continua".

Alexandra Scott, especialista sênior em diplomacia climática da ECCO, e Valeria Zanini, analista de diplomacia climática da ECCO, concluíram em 24 de novembro: "O resultado da COP30 é suficiente e satisfatório? Não. O mundo precisava de Belém para dar um sinal mais claro e decisivo sobre combustíveis fósseis e seu financiamento."

Será que estamos num impasse? Não. A COP30 não termina com um grande sucesso, mas também não termina com um fracasso total. Ela estabelece uma trajetória frágil que as futuras presidências terão de acompanhar. A Europa e outros atores globais terão de apoiar essas presidências para evitar que o processo se desfaça. Não é a forma como narramos esta COP que importa, mas sim o que vem a seguir.

Será que os países que promoveram um caminho de eliminação gradual dos combustíveis fósseis conseguirão construir alianças concretas e aumentar o financiamento da economia real antes da definição da próxima rodada de compromissos de redução de emissões (NDCs)?

Será que os países mais ricos serão capazes de assumir a sua responsabilidade de fornecer mais dinheiro, e de melhor qualidade, para apoiar a ação climática em países vulneráveis ​​e mais frágeis, e de construir as condições políticas dentro dos seus próprios países para o fazer?” (aqui).

O Movimento “Laudato si'”

Para o Movimento Laudato Si', que esteve presente em Belém com uma participação notável, "apesar da profundidade do nosso compromisso de fé, o resultado final da COP30 ficou muito aquém da urgência moral necessária. Muito do que defendemos não foi incluído no texto final."

Em particular, a remoção de qualquer referência à eliminação gradual dos combustíveis fósseis deixou uma enorme lacuna na resposta global. O resultado foi, em muitos aspectos, decepcionante. No entanto, em meio a tanta frustração, alguns avanços significativos foram alcançados: o MLS saudou a adoção do novo mecanismo, que oferece um potencial real para o progresso em relação às florestas, ao financiamento climático e às transições justas. A ação e a implementação são agora essenciais (Mecanismo de Ação de Belém).

O anúncio [de alguns países] de convocar uma conferência conjunta para pôr fim à expansão dos combustíveis fósseis dá novo ímpeto ao apelo global por um Tratado sobre a Não Proliferação de Combustíveis Fósseis, um movimento fundado na mesma clareza ética que outrora levou a Santa Sé a apoiar o Tratado sobre Minas Antipessoal. A MLS espera fervorosamente que a Santa Sé se junte a um novo esforço pelo Tratado e participe na primeira conferência intergovernamental na Colômbia, em abril de 2026 (Liderança Colômbia-Países Baixos).

Os compromissos de indivíduos e instituições, muitos deles da Assembleia Global de Cidadãos, foram integrados ao Mecanismo de Ação de Belém. Isso inaugura uma nova era de colaboração entre as comunidades religiosas e a sociedade civil global. Na COP31, na Turquia, a MLS pretende apresentar um roteiro católico ainda mais robusto, alinhado com a Plataforma de Iniciativas Laudato Si' (Contribuições Determinadas dos Povos – CDPs) (aqui).

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