Roteiro de Baku a Belém: abundância de ideias, poucos compromissos reais e futuro incerto

Protesto da sociedade civil exige que países ricos paguem o que devem na crise do clima (Foto: UN Climate Change - Kiara Worth)

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06 Novembro 2025

Azerbaijão e Brasil, como presidências da COP29 e COP30, divulgaram o relatório que buscava informar como aumentar os fluxos de dinheiro para US$ 1,3 trilhão. Entenda o que ele traz de positivo, o que deixa de fora, quais pontos geram polêmica e o que vem a seguir.

A reportagem é de Tais Gadea Lara, publicada por InfoAmazonia, 05-11-2025.

“O mandato é claro. Temos que entregar esse roteiro, mas não se espera que ele seja reconhecido, aprovado ou bem recebido”, disse André Corrêa do Lago em coletiva de imprensa, durante o lançamento oficial do aguardado relatório sobre financiamento climático: o Roteiro de Baku a Belém até US$ 1,3 trilhão (Baku to Belém Roadmap to 1.3T, em inglês).

Com 75 páginas e publicado seis dias após a data inicialmente anunciada (30 de outubro), o documento é consequência da nova meta definida na COP29, a chamada NCQG, que estabeleceu como será o financiamento climático a partir de 2026.

“Receber tantas recomendações de diferentes partes foi um processo muito interessante”, afirmou o diplomata, que surpreendeu ao responder sobre o futuro do Roteiro: “Esperamos que isso ajude. Não acredito que o status do roadmap vá mudar muito”.

A NCQG determinou que serão mobilizados US$ 300 bilhões anuais até 2035 para países em desenvolvimento, provenientes de fontes públicas e privadas, bilaterais e multilaterais. O valor ficou muito aquém do trilhão reivindicado pelos países em desenvolvimento e recomendado por diversas análises. Diante do descontentamento gerado, surgiu o Roteiro. Mas para quê?

“Decide lançar o Roteiro de Baku a Belém até US$ 1,3 trilhão com o objetivo de ampliar o financiamento climático para as Partes que são países em desenvolvimento”, cita a decisão oficial. Azerbaijão e Brasil, como presidências da COP29 e COP30, respectivamente, assumiram o papel de “guiar” esse plano e “elaborar um relatório que resuma o trabalho realizado”. Após consultas e contribuições de diversos atores, o relatório foi divulgado hoje.

“É um documento que tenta refletir o que está acontecendo e destacar algumas ações possíveis, mas é extremamente descritivo”, analisa Sandra Guzmán, diretora do Grupo de Financiamento Climático para a América Latina e o Caribe (GFLAC), em entrevista à InfoAmazonia. “Sabíamos que ele não iria a fundo, mas as recomendações ficaram mais genéricas do que esperávamos. O roteiro fala de muitas coisas, mas as aborda de forma muito fraca.”

Muitas recomendações e apenas dois compromissos

“O mais significativo é que o roadmap finalmente conecta a discussão sobre reforma da arquitetura financeira com a Convenção do Clima”, diz Rebecca Thissen, líder global de advocacy da rede internacional Climate Action Network (CAN). “Ele realmente convoca diferentes atores e processos para pensarem juntos em como ampliar o financiamento climático”.

O relatório organiza suas propostas em torno de cinco eixos transversais, chamados de 5R:

  • reabastecimento de subsídios, financiamentos concessionais e capital de baixo custo;
  • reequilíbrio do espaço fiscal e sustentabilidade da dívida;
  • redirecionamento de financiamento privado;
  • reestruturação da capacidade e coordenação para grandes projetos climáticos; e
  • reconfiguração dos sistemas e estruturas para fluxos de capital.

Também traz medidas práticas de curto prazo para “guiar uma implementação inicial”. “Uma coisa que o roadmap não faz é se comprometer”, analisa Thissen. “Há muitos chamados a avaliações e coordenações, mas nenhum compromisso real. Falta direção política. É como um mapa sem bússola.”

Segundo Corrêa do Lago, o relatório não é um documento de decisão, mas um “documento interpresidencial”. Há apenas dois compromissos: as presidências organizarão diálogos com países e outros atores para discutir como avançar, e convocarão um grupo independente de especialistas para refinar dados e desenvolver caminhos de financiamento até US$ 1,3 trilhão.

“Ele inclui elementos sobre mobilização, mas não se foca nisso. Fala em aumentar fluxos, mas não explica como”, critica Guzmán.

Mais presença privada, mas e a responsabilidade dos países desenvolvidos?

Já nas reuniões preparatórias de junho em Bonn, houve descontentamento, não apenas de organizações da sociedade civil, mas também de delegados, com a falta de transparência e inclusão nas consultas das presidências. O processo teria dado mais voz a outros atores, os stakeholders). Isso se reflete no documento.

A maioria das ações sugeridas se dirige a bancos multilaterais de desenvolvimento, ao Banco Mundial e ao Fundo Monetário Internacional (FMI). O texto recomenda, por exemplo, que esses bancos apresentem em conjunto como podem alcançar metas mais ambiciosas de financiamento até 2035, e que o FMI avalie a viabilidade de uma nova emissão de Direitos Especiais de Saque (DES).

Isso difere da principal demanda dos países em desenvolvimento: centrar o debate na responsabilidade dos países ricos, prevista no Acordo de Paris, de mobilizar recursos financeiros. O roadmap apenas sugere que os países desenvolvidos “poderiam considerar” trabalhar juntos em um plano para alcançar a meta dos US$ 300 bilhões — e incluí-lo em suas comunicações bienais até o fim de 2026. “Esse delivery plan é bem-vindo, mas chega com um ano de atraso”, avalia Thissen.

“O roadmap não responde ao que os países em desenvolvimento querem saber: quanto vão receber”, diz Guzmán, que prevê uma pressão maior para incluir o Artigo 9.1 do Acordo de Paris na agenda da COP30 — o artigo que trata da obrigação dos países desenvolvidos de fornecer recursos financeiros públicos aos países em desenvolvimento.

Questionada pelo InfoAmazonia sobre a desigualdade entre atores, Ana Toni, diretora-executiva da COP30, respondeu: “Não é uma coisa ou outra. Os governos fazem parte do conselho desses bancos. Portanto, eles não podem agir sozinhos — devem prestar contas aos governos”.

Foco em ações externas à Convenção e “falsas soluções”

O relatório dá mais destaque a ações fora do âmbito da Convenção, como a cooperação entre países credores, FMI e bancos para aliviar dívidas de países em desenvolvimento, por meio de cláusulas resilientes ao clima e trocas de dívida por ações ambientais.

Entre as ações internas à Convenção, Guzmán critica o foco nos mercados de carbono como via de financiamento: “É uma seção preocupante. Mercados de carbono não têm relação com o Artigo 9, e sim com o Artigo 6 do Acordo de Paris.”

Thissen concorda: “Sem surpresas, o roadmap aposta em soluções rápidas e falsas, como cancelamentos de dívida e mercados de carbono. Elas podem ter papel complementar, mas quando ganham prioridade, desviam a atenção das mudanças estruturais necessárias.”

O documento ainda cita investimentos em combustíveis de baixa emissão e em captura e armazenamento de carbono como medidas “cruciais” para os setores marítimo e aéreo. Para Caio Victor Vieira, especialista em política climática do Instituto Talanoa, há um foco excessivo em uma tecnologia inviável em larga escala, quando o essencial seria eliminar gradualmente subsídios aos combustíveis fósseis.

E agora?

Uma das maiores preocupações era que o roadmap acabasse sendo apenas um relatório e “morresse” na COP30, sem gerar impacto real na ampliação do financiamento climático a US$ 1,3 trilhão.

Os próximos passos dependerão de dois fatores: como as presidências avançarão com seus compromissos e qual será a reação dos países em Belém.

Os países podem simplesmente acolher o documento sem dar continuidade, ou incluí-lo formalmente na agenda de negociações. Também pode ser incorporado ao documento final da COP, conhecido em inglês como Cover Decision — algo que, segundo Corrêa do Lago, o Brasil estaria agora mais disposto a aceitar.

Mas não parece que isso esteja nos planos. “Não há um plano concreto. Temos muitos assuntos que precisamos negociar e aprovar na COP. Estamos muito satisfeitos por termos cumprido o que foi solicitado na decisão (da NCQG), e não há qualquer prioridade para que a COP o aprove, reconheça ou algo do tipo”, disse Corrêa do Lago, antes do lançamento do informe.

Aos jornalistas, ele afirmou: “Estamos nos movendo para a lógica da implementação, regida pelo Acordo de Paris. Não precisamos de aprovação para agir. Aprovação é necessária apenas para documentos que mudam regras — o que não é o caso. Este relatório pode inspirar coalizões de países em diferentes direções”.

Thissen e Guzmán concordam que as baixas expectativas em torno do roadmap e suas recomendações genéricas devem reforçar a pressão dos países em desenvolvimento por mais responsabilidade financeira dos países ricos — um tema que pode influenciar outras discussões na COP30.

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