23 Outubro 2025
“Testemunhamos uma das maiores demonstrações de incompetência na diplomacia internacional. Preso em uma mistura angustiante de cegueira ecológica e egoísmo econômico, o planeta está em chamas. As COPs podem ter algum mérito, mas, como processo, até agora falharam em proteger o planeta. É hora de entender isso para exigir outras alternativas”. A reflexão é de Eduardo Gudynas, em artigo publicado por Tierra Viva, 21-10-2025. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
A abertura de uma nova cúpula internacional de negociação para enfrentar as mudanças climáticas se aproxima. Na segunda-feira, 10 de novembro, na cidade de Belém, no estado brasileiro do Pará, terá início mais uma conferência dos países signatários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. São as chamadas “COPs” e, neste caso, será a trigésima.
O objetivo dessas negociações, e da convenção nas quais se inserem, é reduzir as emissões dos gases que produzem o que conhecemos como mudanças climáticas e lidar com suas consequências. Mas essas intenções contrastam com a realidade. A concentração de dióxido de carbono (CO2), um dos principais gases de efeito estufa, ultrapassou há décadas o limite de segurança de 350 partes por milhão (ppm) e atualmente está em 424 ppm, prevendo um novo recorde em 2025.
Trinta COPs se sucederam sem conseguir deter o aumento desses gases de efeito estufa. São três décadas de declarações e anúncios de todos os tipos, mas os gases continuam a se acumular na atmosfera e suas consequências se agravam. Portanto, o que deve chamar nossa atenção não são mais os discursos enérgicos ou os compromissos ousados nesses encontros, mas o fracasso coletivo. É duro ter que admitir isso, mas as evidências são claras.
Enfrentar as mudanças climáticas
Os alertas científicos sobre o aumento da temperatura média do planeta (devido ao acúmulo de diversos gases) levaram à assinatura de um tratado-quadro para enfrentar esse problema em 1992. O alerta não era sobre uma raridade ecológica, mas sobre o fato de que o efeito estufa teria consequências graves, desde a intensificação de eventos extremos, como enchentes e secas, até a acidificação das águas oceânicas.
Os “culpados” são um conjunto de gases, sendo o mais conhecido o dióxido de carbono (CO2), mas o metano, o óxido nitroso, o ozônio, os gases que contêm flúor e até mesmo o vapor d'água também desempenham papéis cruciais. O fenômeno se deve às emissões produzidas pelas atividades humanas, especialmente a partir de meados do século XIX.
O tratado-quadro sobre as mudanças climáticas visava abordar essa situação, e seus momentos de destaques são as chamadas COPs (sigla que se refere à reunião dos países signatários da convenção). Ao longo de todos esses anos, essas cúpulas aumentaram em número de participantes. Às delegações governamentais somam-se organizações de cidadãos, empresas, acadêmicos e muitas outras partes interessadas, além de legiões de jornalistas.
Anos atrás, elas reuniam menos de 5 mil pessoas; as mais recentes ultrapassaram 50 mil participantes. A crescente atenção que recebem torna comum a presença de chefes de Estado, pelo menos por alguns dias. Mas, às vezes, elas se tornam um espetáculo midiático.
A primeira COP aconteceu em Berlim, Alemanha, em 1995, e, desde então, discursos grandiloquentes têm sido repetidos em cada reunião. Em 1997, na COP3, realizada em Kyoto, Japão, os governos aprovaram com grande otimismo um protocolo que leva o nome daquela cidade e que supostamente deteria o efeito estufa. Ele permanece em vigor até hoje, mas as emissões de gases de efeito estufa continuaram a aumentar.
Em meados da década de 2000, já havia alertas para evitar que o aumento da temperatura global ultrapassasse os dois graus centígrados. Assim, na COP15, em Copenhague, em 2009, quase todos clamavam por medidas eficazes. O governo Barack Obama (Estados Unidos) aspirava a fechar acordos, enquanto, ao mesmo tempo, Evo Morales, então presidente da Bolívia, argumentava que as mudanças climáticas eram uma consequência do capitalismo. Um compromisso foi anunciado, mas logo se desvaneceu, e Morales, ao retornar à Bolívia, intensificou a extração de hidrocarbonetos.
Os alertas de cientistas e movimentos sociais se intensificaram novamente, à medida que as emissões de gases de efeito estufa continuavam a aumentar. Em 2011, na COP17, em Durban (África do Sul), decidiu-se pela criação de um novo instrumento que imporia obrigações a todos os países. Mas levou cerca de quatro anos para implementá-lo, e somente em 2015, na COP21, em Paris (França), o agora famoso Acordo de Paris foi assinado.
Embora esse novo compromisso exigisse ações concretas de cada país em diversas frentes, muitos as evadiram ou as implementaram de forma inadequada. E as emissões de CO2 continuaram a aumentar.
Os interesses corporativos, especialmente os da indústria petrolífera, penetraram nesses fóruns de negociação, chegando a extremos como o da COP28, em Dubai (Emirados Árabes Unidos), sob a presidência do homem que também foi diretor da Abu Dhabi National Oil Company (ADNOC), uma das maiores corporações do mundo nesse setor. Ali se defendeu o petróleo como uma necessidade para evitar o “retorno às cavernas” e, assim, foram registrados novos aumentos nos gases de efeito estufa.
A COP30 e a marcha das mudanças climáticas
Os participantes da cúpula de Belém precisam lidar com esse aumento nos gases de efeito estufa. Em 2024, atingiram um novo pico, com 40 bilhões de toneladas de CO2 equivalente (medida que permite agrupar todos os gases de efeito estufa). As emissões de gases estão aumentando a uma taxa de 1% ao ano.
Isso ocorre apesar dos aumentos substanciais nos investimentos e da instalação de fontes alternativas, como energia solar e eólica, e exige que os processos produtivos tenham um saldo líquido de zero emissões de gases de efeito estufa. Por enquanto, essas fontes alternativas não estão substituindo as fontes antigas, mas simplesmente complementando-as. Isso ocorre porque a demanda por energia está crescendo a um ritmo ainda mais rápido do que as fontes alternativas podem suprir.
Tudo isso resulta em pelo menos dois fracassos. A promessa de substituir as fontes baseadas em combustíveis fósseis não está sendo cumprida, nem os compromissos de limitar ou reduzir o consumo, abandonando usos desnecessários para manter aqueles que são necessários.
Os responsáveis estão tanto no Norte quanto no Sul. A China se tornou a maior emissora de gases de efeito estufa do planeta. No ano passado, o país emitiu aproximadamente 12 bilhões de toneladas de CO2, quase um terço de todos os gases emitidos no planeta. Além disso, esse volume supera as contribuições conjuntas da Europa e da América do Norte. Os Estados Unidos estão em segundo lugar, com 11%, e o terceiro maior emissor é agora a Índia (8%), enquanto a União Europeia ocupa o quarto lugar, com 6%.
Como se pode observar, os países do Sul e do Norte estão atualmente interligados entre os maiores poluidores. A Indonésia, por exemplo, se destaca como grande emissora (2,5%). A lista inclui alguns países latino-americanos (Brasil com 2,4% e México com 1,2%).
Assim, o problema do efeito estufa não é mais uma questão que pode ser simplificada entre um “Norte poluente” e um “Sul limpo”. Os indicadores regionais mostram que, na última década, as emissões da América Latina aumentaram 9,3%, as do Oriente Médio 15% e as da África atingiram 25%. Em contraste, as emissões da Europa diminuíram (estima-se que 1,4% ao ano na última década) e, em menor grau, as dos Estados Unidos.
É verdade que muitas dessas nações têm contribuições proporcionalmente pequenas, como é o caso de muitos Estados latino-americanos. Por exemplo, a Argentina emite 0,7% do total de gases de efeito estufa do mundo. Este é um indicador que deve ser considerado com cautela, pois este país é exportador de hidrocarbonetos, e estes são queimados em outras partes do planeta. Portanto, a responsabilidade é muito maior.
Mesmo aceitando essa porcentagem, ela ainda se soma ao total geral que continua a crescer a cada ano. No entanto, os governos se aproveitam desses baixos níveis para justificar suas emissões, para evitar agir sobre suas causas e até mesmo para continuar buscando mais hidrocarbonetos (como acontece com a Argentina, Uruguai e Brasil, que agora estão iniciando explorações em suas costas oceânicas). Eles se justificam argumentando que essas pequenas doses de emissões lhes permitem continuar explorando combustíveis fósseis.
Também não podemos esquecer que a imagem de que a maioria dos países sul-americanos emite a maior parte de suas emissões por chaminés ou canos de escape não se aplica a quase todos os países. Tomemos como exemplo a Argentina, onde essas fontes representam pouco menos da metade do total de gases emitidos, enquanto 42% se devem à atividade agrícola, ao desmatamento e a outras mudanças no uso do solo.
Portanto, as medidas necessárias para lidar com essas questões não podem ser resolvidas com eletricidade; elas envolvem a questão da posse da terra ou das políticas pecuárias e agrícolas. Continuando ainda com o caso argentino, isso requer frear e buscar alternativas ao desmatamento, por exemplo no Chaco, e repensar a obsessão por monoculturas como a soja.
O incêndio do trumpismo
Aqueles que vierem a Belém para discutir a saúde do planeta também sofrerão as severas mudanças impostas pela presidência de Donald Trump. Por um lado, é preciso discutir as mudanças drásticas dentro daquele país e, por outro, suas implicações e consequências internacionais.
No âmbito doméstico, as agências responsáveis pelo monitoramento das emissões de gases de efeito estufa e pelo estudo das suas consequências, como requisitos e controles ambientais, estão sendo desmanteladas. Suas emissões podem aumentar novamente. No âmbito internacional, Trump se retirou novamente do Acordo de Paris e ataca os acordos ambientais internacionais. Ele os considera parte de uma agenda política de uma esquerda cultural que deve ser rejeitada.
Suas posições de extrema-direita incentivam outros a seguirem o exemplo, com Javier Milei, na Argentina, sendo o exemplo mais notável. O novo governo fechou o Ministério do Meio Ambiente, promove vigorosamente a exploração de hidrocarbonetos como Vaca Muerta, não consegue controlar o desmatamento, já retirou sua delegação da COP29, ameaça se retirar do Acordo de Paris e zomba repetidamente dos ambientalistas.
Donald Trump também ataca a defesa do ambiente. Na recente Assembleia Geral das Nações Unidas, declarou: “A agenda verde está falida”. A Europa e outros países, em sua opinião, estão “à beira da destruição por causa da agenda da energia verde”, acrescentando que a mudança climática é “a maior fraude já perpetrada contra o mundo”, com previsões “todas erradas” e feitas por “pessoas estúpidas”.
A agenda climática, juntamente com a imigração, faz parte, segundo ele, do “monstro de duas caudas” que está “destruindo grande parte do mundo livre e do planeta”. Ele conclui afirmando que os combustíveis fósseis deveriam ser chamados de “limpos” e “bonitos”.
O planeta continua em chamas
Nesse contexto, as mudanças climáticas continuam a se agravar. A rejeição às políticas ambientais, assim como expressa pelo trumpismo, é explorada como justificativa, por exemplo, pelos países produtores de petróleo do Oriente Médio e pela Rússia, para continuar a explorar hidrocarbonetos. Os chefes de Estado da China, Índia e outras nações não se deixam levar por essa retórica extravagante, mas aproveitam essa situação para continuar queimando carvão.
Os governos latino-americanos, como vários outros no Sul Global, aproveitam essa confusão para continuar jogando um jogo em que, por um lado, insistem em receber mais ajuda financeira para lidar com medidas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas e, por outro, suas ações para conter suas próprias emissões são fracas ou insuficientes, enquanto insistem em extrair ou explorar mais combustíveis fósseis.
Por todas essas razões, precisamos deixar claro: testemunhamos uma das maiores demonstrações de incompetência na diplomacia internacional. Preso em uma mistura angustiante de cegueira ecológica e egoísmo econômico, o planeta está em chamas. As COPs podem ter algum mérito, mas, como processo, até agora falharam em proteger o planeta. É hora de entender isso para exigir outras alternativas.
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