28 Outubro 2021
"Se por um lado as mulheres estão sendo amplamente afetadas pela crise climática, as estruturas de tomada de decisão no campo das mudanças climáticas continuam nas mãos dos homens, refletindo o acesso limitado das mulheres ao exercício do poder e aos processos de tomada de decisão em geral. É preciso construir políticas com as mulheres, não para as mulheres. Também é fundamental compilar dados sensíveis ao gênero sobre mudança climática e desenvolvimento sustentável, pois isso é a base para políticas públicas mais sólidas", escreve Ana Luíza Matos de Oliveira, economista, mestra e doutora em Desenvolvimento Econômico (Unicamp) e professora-visitante da FLACSO-Brasil, em artigo publicado por Metapolitica, 25-10-2021.
Às vésperas da 26ª Conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, a COP26, que ocorre a partir do fim do mês em Glasgow (Escócia), o mundo se defronta com diversos desafios, dentre eles enfrentar os efeitos da crise climática sobre as mulheres e como ela deve aumentar a desigualdade de gênero.
No âmbito do clima, a situação da desigualdade de gênero é reproduzida e fortalecida pela emergência climática, mas isso tem sido tratado como uma questão secundária. Cada vez mais, no entanto, tem se falado sobre a importância de tratá-las em conjunto, inclusive em um recente relatório da Cepal.
Se antes da crise da Covid-19 (e mais ainda após a crise) as mulheres já estavam sobrerepresentadas em situações de pobreza, as mudanças climáticas tendem a aprofundar as desigualdades de gênero, pois pessoas pobres e marginalizadas geralmente são menos capazes de absorver os riscos climáticos.
Como a emergência climática pode afetar a questão de gênero? O relatório mostra que as mudanças climáticas têm impactos diretos sobre os recursos naturais essenciais para a vida diária, como água, peixes, fontes de energia disponíveis etc. Quando esses recursos se tornam escassos ou de difícil acesso, pode aumentar o tempo para reunir tais recursos e esta responsabilidade cai em geral sobre as mulheres. Hoje, na maioria das sociedades, incluindo a brasileira, as mulheres gastam o dobro de tempo que os homens realizando atividades domésticas e de cuidado não remuneradas. Assim, se aumenta o tempo necessário para coletar os recursos básicos necessários para a subsistência familiar, isso pode significar que demore mais para reuni-los, aprofundando a desigualdade de gênero.
E este fenômeno, claro, tem efeitos mais pronunciados em países onde há maior vulnerabilidade social. Embora as consequências das mudanças climáticas afetem toda a população do mundo, os países do Norte global – que colheram os benefícios do atual estilo de desenvolvimento e que produzem mais emissões de gases de efeito estufa – têm mais recursos disponíveis para se adaptar às mudanças. Já os países que geram menos emissões são os mais expostos aos efeitos adversos das mudanças climáticas, os mais dependentes de recursos naturais e os que menos possuem recursos para adaptação e mitigação. Para as mulheres do Sul global, a questão é ainda mais grave, pois se encontram em situação estruturalmente mais fragilizada; ainda mais se são parte das chamadas minorias, como indígenas, ribeirinhas e periféricas.
A América Latina e o Caribe, embora gere menos de 10% das emissões globais de dióxido de carbono (CO2), é uma região altamente sensível aos efeitos das mudanças climáticas. E, nesta região de já frágeis indicadores sociais e enorme desigualdade, o aumento das temperaturas afetará as populações mais vulneráveis de forma desproporcional, por meio da insegurança alimentar, aumento dos preços dos alimentos, perda de renda e meios de subsistência e impactos na saúde e finalmente pelo possível deslocamento populacional daqueles que perdem suas formas de vida pela crise climática. Segundo o relatório da Cepal, os efeitos serão sentidos principalmente por aqueles que vivem da agricultura e das atividades costeiras, populações indígenas, crianças e idosos, pessoas que vivem na pobreza e países insulares. E, nestes grupos, as mulheres serão as mais impactadas.
Com a ajuda das vacinas, estamos saindo da crise da Covid-19, porém as marcas da socioeconômicas da pandemia ainda vão perdurar, pois as desigualdades (já pronunciadas na nossa região) ficaram mais marcadas durante este período. Agora, mais que nunca, é preciso combinar as duas pautas (a questão de gênero e a questão ambiental) na formulação de políticas públicas e na atuação do legislativo e do judiciário. Para isso, é fundamental promover a paridade de gênero e estimular a participação e representação da mulher, em toda a sua diversidade (pois a experiência de ser mulher não é única), nas tomadas de decisão relacionadas às mudanças climáticas.
Se por um lado as mulheres estão sendo amplamente afetadas pela crise climática, as estruturas de tomada de decisão no campo das mudanças climáticas continuam nas mãos dos homens, refletindo o acesso limitado das mulheres ao exercício do poder e aos processos de tomada de decisão em geral. É preciso construir políticas com as mulheres, não para as mulheres. Também é fundamental compilar dados sensíveis ao gênero sobre mudança climática e desenvolvimento sustentável, pois isso é a base para políticas públicas mais sólidas.
No Brasil, esta é uma questão crucial a se considerar para a reconstrução da economia no pós-crise, porém atualmente tanto a questão de gênero quanto a urgência da ação contra as mudanças climáticas não são prioridades: enquanto há um desfinanciamento agudo das políticas para reduzir as desigualdades de gênero, como discutido aqui, tem florescido uma visão depredatória de desenvolvimento em relação ao meio ambiente.
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Como a emergência climática afeta as mulheres - Instituto Humanitas Unisinos - IHU