Em defesa da monogamia. Artigo de Vinicio Albanesi

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01 Dezembro 2025

"Teria sido útil delinear caminhos concretos para alcançar a dimensão espiritual da vocação familiar. Certamente, as sugestões feitas exclusivamente por homens, em sua maioria celibatários, não foram úteis", escreve Vinício Albanesi, em artigo publicado por Settimana News, 29-11-2025.

Vinicio Albanesi é professor do Instituto Teológico Marchigiano, presidente da Comunidade de Capodarco desde 1994 e fundador da agência jornalística Redattore Sociale junto do padre Luigi Ciotti, da Coordenação Nacional das Comunidades de Acolhida (CNCA), da Itália.

Eis o artigo.

O Dicastério para a Doutrina da Fé publicou a nota "Una caro" sobre a monogamia. Li o texto com atenção e interesse, tendo lidado com a questão das anulações matrimoniais no Tribunal Regional de Marche por mais de uma década.

Ao apresentar o documento, o prefeito, o Cardeal Fernández, mencionou o pedido das Igrejas africanas que estão tendo dificuldades para propor o casamento monogâmico.

Para fundamentar a doutrina cristã, desenvolveu-se o conceito de unidade a partir das Escrituras, passando pela teologia, pelas intervenções magisteriais de Leão XIII, do Concílio Vaticano II, de João Paulo II, de Bento XVI, de Francisco e de Leão XIV, com referências à filosofia e à poesia.

Eu gostaria de compartilhar algumas reflexões que surgiram durante a leitura.

Unidade no casamento

O documento não faz menção à característica do matrimônio cristão, que é em si um sacramento. O Código de Direito Canônico afirma: "Portanto, entre pessoas batizadas, um contrato de matrimônio válido não pode existir a menos que seja, por esse mesmo fato, um sacramento" (cân. 1055 §2).

O documento do Departamento apela, mesmo sem referências explícitas, à antropologia teológica, que narra os acontecimentos humanos a partir de uma perspectiva cristã. Esta é uma condição que já não existe: tanto nas culturas arcaicas, com o risco da poligamia, como nas sociedades desenvolvidas, com as brechas da separação e do divórcio.

Infelizmente, a coabitação, o casamento tardio (quando celebrado) e os relacionamentos conjugais frágeis são comuns.

A união matrimonial se concretiza por razões humanas: deve-se a condições físicas, psicológicas, relacionais, econômicas e sociais. Quando a coabitação leva à união de propósitos e objetivos, ela representa um grande valor para os cônjuges e seus filhos. Garantir isso apenas racionalmente já não é possível.

Insistir numa doutrina “cristã” para ilustrar a condição humana, nas suas diversas articulações, incluindo a família, corre o risco de ficar soterrado em manuais que nem mesmo os clérigos estudam.

A dimensão do sacramento raramente é cultivada e vivida de forma responsável, tal como acontece com as vocações para a vida religiosa ou para o clero.

A doutrina da Igreja impregnou o sacramento do matrimônio com amplas perspectivas espirituais: considere a analogia de Cristo como esposo e a Igreja como noiva. Essa dimensão é difícil de compreender em culturas cujos alicerces são a subjetividade individual e a liberdade resultante.

Casamentos celebrados com a recepção do sacramento são verdadeiramente raros: razões muito humanas ainda prevalecem.

Preparativos para o casamento

O Dicastério optou por abordar as propriedades essenciais do matrimônio, incluindo a unidade. Uma abordagem diferente, a da finalidade, poderia ter levado a conclusões positivas, com a vantagem de enfatizar o bem-estar dos cônjuges e a procriação.

O primeiro capítulo certamente abordou a união, uma característica essencial de um casamento estável. Teve a vantagem de acompanhar a dinâmica do nascimento e da vida do casamento. Na verdade, existem várias etapas para se chegar ao sacramento: desde se apaixonar, passando pelo namoro prévio (noivado), até os planos para o futuro.

Nem sempre os casamentos são realizados por motivos sérios e compartilhados. Não é incomum que as celebrações aconteçam depois de muitos anos de namoro, ou até mesmo como algo corriqueiro.

Os relacionamentos humanos estão sujeitos a variações dependendo dos indivíduos, das circunstâncias e das condições. Dar ênfase à "preparação" para o casamento oferece a oportunidade de tomar decisões sábias. Infelizmente, os chamados "cursos" de preparação são realizados somente após a data do casamento estar marcada. A partir desse momento, nada interrompe a "máquina de preparativos": convidados, cardápios, presentes, trajes, etc.

Entre o pacto e a liberdade

Outro fator que influencia a unidade é o modelo predominante escolhido pela doutrina eclesiástica, ligado ao conceito de "pacto, contrato"... para a vida toda. A atenção ao consentimento concentra-se na inteligência e na vontade. A doutrina predominante chega mesmo a afirmar que o "amor" não tem relevância jurídica.

Na investigação pré-nupcial, à pergunta "Você aceita que o casamento durará a vida toda?", a resposta "Esperamos que sim" não é improvável. Um antigo professor canonista afirmou que muitos dos nossos casamentos celebrados na igreja são nulos, sem necessidade de cerimônia, devido à falta de maturidade humana ou de fé religiosa.

É difícil lutar contra o conceito de liberdade individual inviolável.

Essa cultura prevalece no casamento, mesmo quando vivido de boa fé. Parece que retornamos ao modelo clássico da civilização romana, que previa o "consentimento contínuo": ele existia enquanto fosse declarado e desaparecia quando era excluído.

O casamento cristão é celebrado perante Deus e outras pessoas. A unidade é um dos valores essenciais do cristianismo.

Uma teia de relações

Não há menção a filhos. Esta é uma condição significativa: tê-los ou não, quantos, quem cuida deles e os valores a serem transmitidos. A família estabelecida não é uma unidade isolada, mas uma comunidade cujas relações e consequências são afetadas pela presença ou ausência de filhos.

Se a carreira se torna prioritária, a união sofre, podendo levar à separação do casal. Um filho com deficiência impacta o relacionamento, por vezes deixando um dos parceiros, geralmente a mãe, sozinho. Da mesma forma, a segurança econômica, seja ela negativa por falta de trabalho ou excessiva devido a compromissos profissionais ou de bem-estar, afeta a estabilidade. A doença de um dos cônjuges pode levar ao afastamento do outro. Recentemente, notícias chegaram a sugerir o assassinato do cônjuge doente: a tragédia suprema seria o suicídio-homicídio, caso a solidão se tornasse insuportável.

Sugira caminhos concretos

A nota tinha o mérito de insistir na unidade. Suas limitações residiam em abordar a questão do casamento "in facto esse" em vez de "in fieri" (uma família estabelecida e um casamento a ser celebrado). Uma estrutura "doutrinária" que hipotetiza caracteres e condições abstratas.

Teria sido útil delinear caminhos concretos para alcançar a dimensão espiritual da vocação familiar. Certamente, as sugestões feitas exclusivamente por homens, em sua maioria celibatários, não foram úteis.

Comentário de Fabrizio Mastrofini 

A verdadeira fragilidade da Nota, que faz com que todo o seu conteúdo desmorone como um castelo de cartas, reside na ausência de uma perspectiva psicológica sobre o tema das relações interpessoais. A monogamia (mas que nos importa se a poligamia existe? Se ao menos a mantivessem... desde que houvesse um arcabouço legal para protegê-la), o casamento, são sempre relações interpessoais, envolvendo desejos, aspirações, medos, feridas, expectativas — todo um conjunto de relações, encontros e conflitos entre diferentes psicologias. A Nota simplesmente ignora esse aspecto fundamental. Portanto, ela não serve a nenhum propósito, como bem sabe qualquer pessoa que lida com casamentos e a Rota, onde os problemas subjacentes aos relacionamentos e as consequências das fragilidades psicológicas são expostos diariamente.

Mas a Igreja teimosamente ignora a psicologia, pois, caso contrário, a aplicaria a si mesma e aos seus defensores, levantando e questionando-se excessivamente. E depois há a poligamia. Mas que nos importa? Onde está escrito que o casamento é entre um único ser humano do sexo masculino e um único ser humano do sexo feminino? Por que era assim em Caná (talvez)? Mas a poligamia existia em Israel (veja Deuteronômio 17), o que a Nota não menciona... O documento omite muitos aspectos essenciais. Teria sido melhor deixá-lo na gaveta. Uma verdadeira "reforma" do casamento católico seria eliminar de vez seus efeitos civis, removê-lo dos "sacramentos", dar uma bênção aos cônjuges e auxiliá-los verdadeiramente em sua jornada de vida juntos. Em vez disso, devemos restringir tudo e todos aos estreitos limites das doutrinas do passado, onde fingimos que as ciências humanas não existem. Só para depois reclamarmos do declínio dos casamentos na igreja e do aumento da coabitação. Nesse contexto, parece-me óbvio e normal.

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