Primeira viagem de Leão é na encruzilhada das religiões. Artigo de Andrea Riccardi

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28 Novembro 2025

"Em última análise, um Líbano sem cristãos seria um país diferente, mas também a Turquia, que é inteiramente muçulmana, é impensável sem os cristãos. Eles são uma garantia de pluralismo que, se não chega a ser democracia, ao menos afirma a presença da alteridade", escreve Andrea Riccardi, fundador da Comunidade de Sant'Egídio e ex-ministro italiano, em artigo publicado por Corriere della Sera, 26-11-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

O Papa Leão fará sua primeira viagem internacional à Turquia e ao Líbano. De 27 de novembro a 2 de dezembro, ele encontrará um mundo onde religiões, conflitos e identidades nacionais se entrecruzam. Foi necessária a aprovação de Erdogan (o Papa o visitará em Ancara, após a homenagem no mausoléu de Atatürk), figura-chave na região, o verdadeiro vencedor com a queda de Assad e o novo regime sírio. A aprovação diz respeito não apenas à viagem papal, mas também às celebrações que marcam o 1.700º aniversário do Primeiro Concílio de Niceia, promovidas pelo Patriarca Bartolomeu de Constantinopla, primeira sede da Ortodoxia (com apenas alguns milhares de fiéis na Turquia), e pelo Papa. Os cristãos, não apenas os ortodoxos, são o pequeno remanescente de um vasto mundo cristão que, até a Primeira Guerra Mundial, representava cerca de 20 a 22% da população dentro das fronteiras da atual Turquia.

Em Niceia, a Iznik turca, estarão presentes diversos líderes de igrejas, mas faltará o líder da maior Igreja Ortodoxa, o patriarca russo Kirill. De fato, após o reconhecimento da autocefalia (ou seja, da independência) da Igreja Ortodoxa Ucraniana por Bartolomeu, as relações entre Moscou e Constantinopla foram rompidas. Leão encontrará, em Niceia e depois em Istambul, um mundo ortodoxo profundamente dividido. Distantes são os tempos em que o patriarca de Constantinopla, Atenágoras, que se encontrou pela primeira vez com um papa em Jerusalém em 1964, dizia: "Igrejas irmãs, povos irmãos".

Hoje, a inimizade entre governos envolve as Igrejas. O ecumenismo está em sérias dificuldades. Isso revela como as divisões existem não apenas por diferenças teológicas, mas também são motivadas pela história antiga e recente. Na Ucrânia, a divisão entre ortodoxos, autocéfalos e não autocéfalos (embora agora totalmente independentes da Igreja Russa) é profunda. Os católicos de rito oriental se encontram próximos dos ucranianos autocéfalos no mesmo sentimento nacional.

Não é fácil destrincar-se entre tantas tensões, especialmente para Leão, que adota uma posição supranacional, centrada na paz, convicta do destino comum dos povos. O Papa, no entanto, tem a possibilidade de dialogar com as mais diversas posições. Isso será visto no Líbano, onde as religiões (católica e ortodoxa, sunita, xiita, drusa) são o tecido conjuntivo do país. No Líbano, um país democrático, o cidadão existe como membro de uma comunidade religiosa. São muitas as contradições. O desarmamento das milícias foi aceito, mas o Hezbollah xiita, apesar dos golpes infligidos por Israel, ainda permanece armado. A Santa Sé sempre apoiou o Líbano, tanto em tempos de paz (relativa) quanto durante o conflito entre cristãos e muçulmanos.

A Itália mantém fortes laços com o país e, desde 1978, possui uma presença militar significativa nas forças da ONU.

O Líbano é o único país árabe onde os cristãos (que sempre indicam um cristão maronita como Presidente da República) desfrutam posição de igualdade com os muçulmanos e de liberdade. João Paulo II, que dedicou grande atenção ao Líbano, chamou-o de "mensagem". A tarefa que confiou aos cristãos em 1997, durante sua viagem, foi "construir pontes entre as pessoas, entre as famílias e entre as diferentes comunidades".

Enquanto na Turquia o cristianismo luta para sobreviver, no Líbano desempenha um papel importante. Existe familiaridade entre os cristãos de todas as denominações e uma convivência tranquila entre eles e os muçulmanos. No entanto, a liderança do catolicismo libanês já está envelhecida e demonstra falta de energia, enquanto aquela política secular é essencialmente de clã. Os papas sempre exortaram os cristãos libaneses a promover o "bem comum": trabalhar pelo interesse nacional, que supera os interesses de clã ou de religião.

A visita de Leão XIV também terá repercussões na vizinha Síria, onde existem as mesmas confissões religiosas que no Líbano, mas dentro do quadro de um Estado islâmico, sucessor do regime de Assad, que se apresentava como protetor dos cristãos contra o islamismo e com o qual os patriarcas estavam comprometidos. O surgimento de uma classe dirigente cristã secular — há apenas uma cristã no atual governo — pode facilitar as relações com o novo arranjo político, que ainda precisa ser plenamente definido.

A realidade é que a emigração foi o caminho de muitos cristãos, reduzindo as comunidades. Isso é evidente entre os exilados sírios na Turquia e no Líbano. Também foi a rota de fuga para muitos libaneses. A visita do Papa será um incentivo para os cristãos permanecerem em terras predominantemente muçulmanas. Em última análise, um Líbano sem cristãos seria um país diferente, mas também a Turquia, que é inteiramente muçulmana, é impensável sem os cristãos. Eles são uma garantia de pluralismo que, se não chega a ser democracia, ao menos afirma a presença da alteridade.

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