27 Novembro 2025
Após mais de dois anos de bombardeios quase ininterruptos, as forças israelenses mataram mais de 60.000 palestinos, ao menos um terço deles crianças. O custo humano foi classificado como genocídio por organizações de direitos humanos de todo o mundo e por uma comissão da Organização das Nações Unidas, mas um novo relatório de um centro de pesquisa israelense também destaca a devastação ambiental: o solo de Gaza está contaminado após a destruição de estações de tratamento de esgoto, a contaminação por águas fecais é generalizada e o material particulado deixado pelas bombas detonadas está aumentando as taxas de doenças respiratórias.
A reportagem é de Sophie Hurwitz, publicada originalmente por Grist e reproduzida por La Marea-Climática, 18-11-2025. A tradução é do Cepat.
De acordo com um novo relatório do Instituto Arava, uma entidade de pesquisa ambiental com sede em Israel, Gaza está coberta por cerca de 61 milhões de toneladas de escombro, grande parte do qual contém amianto, munições não detonadas e restos humanos não sepultados. “A situação ambiental em Gaza antes de 7 de outubro era um desastre”, afirma o palestino Tareq Abu Hamed, diretor do Instituto Arava. Reconstruir ao menos esse estado prévio de desastre provavelmente levará décadas.
Um relatório da Organização das Nações Unidas, publicado no final de setembro, estimou que foram produzidos danos de quase 70 bilhões de dólares nas estradas, edifícios e infraestruturas de Gaza, nos últimos dois anos, ao mesmo tempo em que mais de 80% das terras agrícolas foram destruídas. Menos de 10% de todos os resíduos perigosos estão sendo eliminados de forma segura e a maioria, por necessidade, está sendo queimada ou amontoada em lixões a céu aberto. Enquanto isso, o esgoto não tratado corre diretamente na terra ou no mar.
“O lixo se transforma em montanhas, e montanhas são criadouros para mosquitos e roedores, que espalham a malária”, explica Yasser El-Nahhal, químico ambiental e ecotoxicologista da Universidade Islâmica de Gaza.
Muito antes do ataque do Hamas, em 7 de outubro de 2023, os bloqueios israelenses impediam o acesso fácil à água, eletricidade e alimentos. Nos últimos 20 anos, os constantes apagões têm sido comuns na Palestina e muitos moradores dependiam de pequenas unidades de dessalinização - usinas que tornam a água do mar potável - e de caminhões-pipa privados para comprar água potável. Agora, a organização Médicos Sem Fronteiras afirma que apenas 1 em cada 10 pedidos de importação de água é aprovado pelas autoridades israelenses.
“O meio ambiente [estava] destruído antes da guerra”, conta El-Nahhal. “Mas, desde que a guerra começou, foi destruído várias vezes para além do inimaginável”.
O pesquisador palestino Mazin Qumsiyeh, do Instituto Palestino de Biodiversidade e Sustentabilidade, da Universidade de Belém, classifica o que está acontecendo agora como ecocídio: um termo definido de forma ampla como a destruição severa, a longo prazo e estendida do meio ambiente. Uma coalizão crescente de países espera definir juridicamente o ecocídio como um crime que possa ser processado pelo Tribunal Penal Internacional.
“Gaza, claro, era uma sociedade funcional, embora estivesse submetida a sanções significativas, nos últimos 16 anos, que limitaram o abastecimento”, afirma Qumsiyeh. “Tinha uma sociedade funcional. Tinha escolas, universidades, estações de tratamento de esgoto e uma usina de dessalinização. Tudo isto foi destruído nesta guerra genocida e ecocida”.
No início de outubro, a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), o maior congresso de conservação do mundo, assinou uma resolução afirmando que o ecocídio deve ser tratado como crime. Jojo Mehta, fundadora do grupo de defesa jurídica Stop Ecocide International, disse que embora a resolução defina ecocídio de forma bastante ampla, certamente, pode ser aplicada à conduta de Israel em Gaza. “O que tem acontecido em termos ambientais em Gaza é horrível”, destaca Mehta. “Não acredito que alguém duvide que seja ecocídio”.
As autoridades israelenses não responderam aos diversos pedidos de comentários para esta reportagem.
O relatório do Instituto Arava pede que a ajuda a Gaza não sofra impedimentos, bem como sistemas de água potável e kits de higiene pessoal para mitigar doenças. A Organização das Nações Unidas, em seu relatório de setembro, escreveu que tornar o ambiente de Gaza habitável novamente “exigirá cessar as hostilidades. A primeira fase da recuperação se concentrará em salvar vidas, por meio da restauração dos serviços essenciais e a eliminação de escombros”.
Ainda assim, Qumsiyeh, da Universidade de Belém, disse que os palestinos seguirão reconstruindo, mesmo que, como considera provável, o atual cessar-fogo seja interrompido. “Não estou dizendo que temos uma enorme taxa de êxito”, disse, “mas imagine que sua comunidade é destruída dezenas de vezes e você segue reconstruindo. Isto demonstra uma dose incrível de esperança”.
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