20 Agosto 2025
O exército israelense aumentou seus ataques contra os subúrbios da maior cidade da Faixa e se prepara para expulsar a população palestina para o sul, onde os campos de deslocados já estão lotados.
A informação é de Francesca Cicardi, publicada por El Salto, 19-08-2025.
Apesar dos alertas e das críticas internacionais, assim como dos protestos multitudinários em Israel, o primeiro-ministro Benjamim Netanyahu segue adiante com seu plano de ocupar por completo a Cidade de Gaza, aprovado na noite de terça-feira pelo ministro da Defesa, Israel Katz. Meios de comunicação israelenses informam que milhares de gazatinos já fugiram da cidade diante da iminente operação israelense. As perspectivas são catastróficas para os palestinos, que já sofrem com a fome e o deslocamento em massa, motivo pelo qual os mediadores árabes estão tentando negociar um cessar-fogo que interrompa, por ora, essa operação e abra caminho para o fim da brutal ofensiva israelense contra a Faixa – que já matou mais de 62.000 pessoas.
O grupo islamista Hamas deu seu aval a uma nova proposta de acordo apresentada pelo Egito e pelo Catar, que inclui a libertação de uma dezena dos sequestrados em 7 de outubro de 2023 que ainda estão vivos e a retirada gradual das tropas israelenses de Gaza. Mas Israel ainda não aceitou negociar com base nessa proposta, e Netanyahu havia dito que só aceitaria um acordo que implicasse a libertação de todos os reféns (cerca de 50, dos quais se acredita que mais da metade estejam mortos). O único comentário feito até agora pelo primeiro-ministro é que “o Hamas está sob uma pressão imensa” e, por isso, aceitou a proposta.
Israel yet to reply to Gaza ceasefire deal as almost 19,000 children killed https://t.co/VjmPUtZs0e
— Al Jazeera English (@AJEnglish) August 20, 2025
O governo catariano, principal artífice dos acordos anteriores, afirmou nesta terça-feira que a proposta atual busca “alcançar um acordo integral para acabar com a guerra” e que é “quase idêntica” à elaborada meses atrás pelo enviado especial de Donald Trump, Steve Witkoff. O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do Catar, Majed Al Ansari, declarou de Doha que não pode ser “abertamente otimista” porque ainda não houve progressos, embora tenha assinalado que o conteúdo da proposta em discussão coincide com as condições que Tel Aviv aceitou em rodadas anteriores de negociação.
A última terminou há cerca de um mês, quando Witkoff e os negociadores israelenses se retiraram, responsabilizando o Hamas pelo fracasso dos contatos, que não dão frutos desde março passado, quando Israel rompeu o acordo de cessar-fogo e retomou a ofensiva contra Gaza, expandindo sua presença na Faixa até dominar 75% do território.
O presidente Donald Trump, por meio de seu enviado, não voltou a exercer pressão sobre Netanyahu para que aceite um acordo, como fez pouco antes de chegar à Casa Branca, quando forçou a assinatura de um cessar-fogo entre Israel e Hamas que esteve em vigor entre janeiro e março passados. Mais que isso: o principal aliado e apoio do governo israelense adotou sua tese de que é necessário acabar com o Hamas antes de pôr fim à guerra em Gaza, um objetivo que analistas e estrategistas militares consideram inalcançável.
Na segunda-feira, Trump recordou que foi ele quem “negociou e conseguiu a libertação de centenas de reféns” – embora, entre meados de janeiro e o início de março, pouco mais de 30 reféns israelenses tenham sido libertados (em troca de cerca de 2.000 prisioneiros palestinos). Em maio, o Hamas entregou o refém israelense-americano Edan Alexander como gesto de boa vontade em relação aos EUA, que negociaram sua libertação à parte dos demais reféns.
Nos últimos meses, Trump atacou em várias ocasiões os islamistas. “Só veremos o retorno dos reféns quando confrontarmos e destruirmos o Hamas!!! Quanto antes isso acontecer, maiores serão as chances de sucesso”, escreveu o republicano em sua rede social TruthSocial nesta segunda-feira.
Tanto Trump como Netanyahu parecem ignorar a mensagem das famílias dos sequestrados e de muitos outros israelenses que, no último fim de semana, saíram em massa às ruas (mais de 2 milhões de pessoas, segundo os organizadores) para pedir o fim da guerra mediante um acordo que traga de volta os reféns. O Fórum das Famílias dos Reféns e Desaparecidos convocou novas mobilizações para quarta-feira, perto da fronteira com Gaza.
Ultranationalist Israeli minister Itamar Ben-Gvir has taken a new repressive step against Palestinian detainees by ordering the Israeli Prison Service to place photos of the destruction caused by the genocide in Gaza, where the detainees will be forced to see them constantly. pic.twitter.com/SSRCQ5LHJd
— Quds News Network (@QudsNen) August 20, 2025
A mãe de Matan Zangauker, um dos reféns, afirmou nesta terça-feira em uma coletiva de imprensa que não permitirão que Netanyahu sabote novamente a possibilidade de um acordo. “Todo o povo de Israel não lhe permitirá perder a última oportunidade de trazer de volta o meu Matan e todos os reféns, vivos e mortos”, declarou Einav Zangauker.
O coordenador do governo para os reféns e desaparecidos, Gal Hirsch, disse aos familiares que todas as consultas “são realizadas 24 horas por dia, sob absoluto silêncio midiático”. “De modo geral, e especialmente em um momento como este, é melhor que seja assim”, afirmou, desculpando-se por não poder compartilhar informações, segundo o jornal israelense Haaretz. Outros meios de comunicação hebraicos apontaram que o Executivo rejeitará a proposta.
Como já ocorreu em outras ocasiões, os parceiros mais radicais da coalizão de governo liderada por Netanyahu se opõem, em princípio, a qualquer acordo com o Hamas, porque seu objetivo declarado é a ocupação da Faixa e o restabelecimento ali de assentamentos judaicos (que Israel desmantelou em 2005).
No terreno, o Exército israelense continua os preparativos para pôr em prática as diretrizes do governo para tomar toda a Cidade de Gaza, a principal urbe da Faixa e que atualmente abriga quase um milhão de pessoas – muitas delas deslocadas do norte de Gaza, que foi arrasado e esvaziado por Israel nos últimos meses.
O ministro da Defesa israelense, Israel Katz, aprovou na noite passada os planos do Exército para conquistar a cidade, que incluem a convocação de dezenas de milhares de soldados da reserva, segundo informaram nesta quarta-feira meios locais.
Mais de 60.000 reservistas receberão hoje ordens para se apresentar nas próximas duas semanas, enquanto outros 70.000 deverão prolongar seu serviço atual por mais 30 ou 40 dias, de acordo com o jornal israelense Maariv. O plano também prevê a evacuação de toda a população da cidade.
O chefe do Estado-Maior da Defesa se reuniu com os comandantes militares na segunda-feira e lhes deu instruções para “continuar a campanha, com especial ênfase em aumentar os ataques contra o Hamas na Cidade de Gaza”. “Estamos preparando e aprovando planos”, afirmou Eyal Zamir, pedindo a todas as unidades que estejam prontas para prosseguir as operações militares na Faixa. “Continuaremos atuando e criando as condições para a libertação de nossos reféns”, disse em comunicado Zamir, que anteriormente havia se oposto aos planos do Executivo de ocupar toda a Faixa e ampliar a presença de soldados no enclave, pelo risco que isso representa para suas tropas e para os sequestrados.
Os ataques israelenses contra a Cidade de Gaza e a atividade militar nas áreas orientais já evacuadas nas últimas semanas aumentaram desde que o gabinete de segurança de Israel aprovou os planos para sua ocupação em 8 de agosto. Os tanques assumiram o controle do subúrbio oriental de Al Zeitun e não cessaram de disparar contra o bairro de Sabra, onde mataram três pessoas, segundo a agência de notícias Reuters.
“Foi uma das piores noites em Sabra e na Cidade de Gaza, com explosões que se ouviam por toda a cidade”, relatou à Reuters Nasra Ali, de 54 anos, mãe de cinco filhos e moradora de Sabra. “Pensei em sair de casa quando ouvi que poderia haver um cessar-fogo. Talvez fique um ou dois dias e, se nada acontecer, partirei com meus filhos”, disse a mulher a partir de Sabra.
No fim de semana passado, o Exército anunciou que estava se preparando para “mover os civis das zonas de combate” – ou seja, expulsá-los – para o sul da Faixa de Gaza e, para esse fim, a partir de domingo permitiria a entrada no enclave de “materiais de refúgio” (barracas, colchões, cobertores, utensílios de cozinha etc.).
As agências da ONU e outras organizações humanitárias alertaram para o que pode significar o deslocamento forçado de centenas de milhares de pessoas da Cidade de Gaza para as zonas costeiras do sul, onde os campos de deslocados já estão superlotados, pois Israel enviou para lá os habitantes de muitas localidades que foi ocupando e esvaziando desde o início da guerra (incluindo as cidades de Rafah e Khan Yunis, as mais povoadas do sul).
A ONU qualificou em comunicado como um “avanço positivo” o fato de que Israel vá permitir a entrada de alguns materiais que havia vetado desde março, “já que a necessidade de abrigos e artigos para o lar aumentou”. “No entanto, é preocupante que o anúncio das autoridades israelenses esteja relacionado com a iminente expansão das operações militares na Cidade de Gaza. Isso deslocaria milhares de pessoas, mais uma vez, para uma zona superpovoada no sul da Faixa, praticamente desprovida de infraestrutura e serviços básicos, como água, alimentos e atendimento médico”, lamentou.
As Nações Unidas e as organizações com as quais trabalha em Gaza calculam que 1,35 milhão de pessoas precisam urgentemente de moradia e 1,4 milhão carecem de utensílios domésticos básicos. Desde que Israel impôs um bloqueio total à ajuda humanitária em março passado – suspenso parcialmente no final de maio – quase 800 mil pessoas foram novamente deslocadas e precisam de abrigo, porque tiveram que abandonar o que possuíam ou este se deteriorou.
“O plano israelense de intensificar as operações militares na Cidade de Gaza terá um terrível impacto humanitário sobre as pessoas que já se encontram exaustas, desnutridas, desoladas, deslocadas e privadas do básico para sobreviver. Obrigar centenas de milhares de pessoas a se deslocarem para o sul é uma fórmula para um desastre ainda maior e pode equivaler a uma transferência forçada”, denunciou a ONU.
Mais de 200 ONGs internacionais e locais exigiram que lhes seja permitido introduzir em Gaza todo tipo de material de abrigo e outras formas de ajuda, em grande quantidade, para poder atender às necessidades dos mais de 2 milhões de habitantes de Gaza.
Um dos pontos destacados do acordo de cessar-fogo é a entrada de mais ajuda humanitária na Faixa, onde praticamente toda a população passa fome e mais de 260 pessoas morreram por causa da desnutrição, incluindo 112 meninos e meninas, segundo dados do Ministério da Saúde.