15 Outubro 2025
Os palestinos na Faixa não têm ilusões sobre a possibilidade de uma paz duradoura ou sobre a reconstrução prometida.
A reportagem é de Trinidad Deiros Bronte e Joan Cabasés Vega, publicada por El País, 15-10-2025.
Fidaa al-Araj ainda não conseguiu retornar à sua casa no bairro de Al Nasr, na Cidade de Gaza, mas já sabe que a casa foi danificada pelos bombardeios israelenses. A estrutura ainda está de pé, e esta mulher palestina está planejando como "usar lonas plásticas ou pedaços de móveis quebrados para improvisar janelas, portas e cobrir as paredes" e se mudar com o marido e os seis filhos, com idades entre 16 e 4 anos. Em Gaza, não há material de construção para reparar alguns dos 92% dos edifícios completamente destruídos ou severamente danificados pelos bombardeios, segundo a ONU, justamente quando o inverno já se aproxima com as noites cada vez mais frias e muitos moradores de
Gaza não têm para onde voltar
A prioridade para esta psicóloga de 40 anos agora — ela explica por mensagens de texto de seu abrigo no centro da Faixa — é "limpar e preencher os buracos" no que resta de sua casa para ter "um espaço" para ela e sua família, "para descansar, respirar um pouco e conseguir dormir uma noite inteira em silêncio". Outro morador de Gaza, Ohood Nassar, 23, diz praticamente a mesma coisa, de Deir al-Balah, também no centro da Faixa: "Agora, todos estão tentando reconstruir um pequeno lugar para viver e encontrar um projeto que os ajude a continuar com suas vidas".
As necessidades do presente — como encontrar abrigo — são tantas e tão urgentes em Gaza que pensar no futuro é um luxo que esta população traumatizada ainda não pode se dar ao luxo de ter. Passaram-se apenas alguns dias desde que o cessar-fogo atual entrou em vigor na sexta-feira.
Quando o fizerem, ressalta Khalil Abu Shammala, ex-diretor da ONG Addameer em Gaza, eles não estarão "muito otimistas". Nem sobre o futuro, nem em relação ao plano de paz de Trump, cuja primeira fase quase superou seu principal desafio, depois que os 20 reféns israelenses ainda vivos foram trocados por cerca de 2 mil prisioneiros palestinos, e só agora o Hamas aguarda a entrega dos 20 corpos restantes de um total de 28 reféns mortos. Abu Shammala acredita que há "muitas questões sem resposta nesse plano" que pairam sobre o futuro da Faixa de Gaza.
O ativista cita "a reconstrução e como ela será realizada, dada a densidade populacional atual [a população total de 2,1 milhões está concentrada em menos da metade do território; o restante permanece ocupado por tropas israelenses]". Outras questões incluem "se as passagens de fronteira serão abertas" ou se essa "reconstrução será usada como uma ferramenta para exercer mais pressão sobre os palestinos".
Alaa Sbaih, outra palestina de 25 anos, também está pessimista. Ela não acredita que, graças à proposta de Trump ou ao seu cessar-fogo, os moradores de Gaza "estejam à beira de alcançar uma vida de paz, segurança e estabilidade".
Ela acredita que "a situação pode se acalmar por um tempo, mas inevitavelmente as coisas voltarão a ser como eram antes, e talvez até pior".
Nem Fidaa Al Araj nem Ohood Nassar, que ganhava a vida como tradutora, alimentam ilusões. Nem sobre a possibilidade de a paz trazida até agora pelo plano de Trump perdurar, nem sobre a prometida reconstrução que se seguirá, mas que já sabemos que será enorme. Jaco Cilliers, funcionário do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em Genebra, Suíça, estimou nesta terça-feira que essa tarefa, que deve levar cerca de 15 anos, custará US$ 70 bilhões (cerca de € 60 bilhões).
“Restrições e atrasos”
Al Araj acredita que Israel imporá "todos os tipos de restrições e atrasos" à entrada de materiais de construção essenciais. Desde 2007, quando estabeleceu o bloqueio da Faixa de Gaza após o Hamas assumir o poder, as autoridades israelenses exigem uma longa lista de autorizações e requisitos para a introdução desses materiais na Faixa, tanto do setor privado quanto de organizações internacionais como a Oxfam, a ONG onde este psicólogo trabalha.
Após a ofensiva militar muito menos sangrenta de 2014, Israel permitiu a entrada em Gaza de menos de 10% dos materiais de construção considerados necessários na época, através da passagem de Kerem Shalom, na fronteira sul, segundo a ONG israelense Gisha. O motivo da negação dessas autorizações foi que o Hamas poderia usar os materiais para construir seus túneis.
Ou seja, se a reconstrução começar e "Israel não enganar" os moradores de Gaza, garante Nassar. "Agora que recuperaram seus reféns, poderão retomar os ataques a qualquer momento."
Para Fidaa al-Araj, o plano de Trump tem um pecado original. Não aborda o que este palestino considera o elefante na sala: a ocupação israelense da Faixa de Gaza desde 1967 e o bloqueio imposto muito "antes dos ataques [do Hamas] de 7 de outubro [de 2023]", aos quais Israel respondeu com sua ofensiva em Gaza.
Sem o fim dessa ocupação, que o plano de Trump não menciona — se tivesse feito isso, Israel provavelmente não a teria assinado —, os palestinos de Gaza não receberão "o que merecem", enfatiza Al Araj. Ele enfatiza o "direito de escolher livremente" seu destino e seus governantes "por meio de eleições democráticas". Além disso, e acima de tudo, ele enfatiza, o povo de Gaza tem o direito de responsabilizar Israel "pelo genocídio".
"Sabemos que não é fácil e que isso não vai acontecer da noite para o dia", lamenta o palestino.
Os moradores de Gaza nem sequer sabem "qual sistema político será implementado em Gaza" se o plano de Trump for implementado, ressalta Abu Shammala. O texto descreve, em termos muito vagos, uma administração palestina tecnocrática sujeita à autoridade de uma organização internacional presidida pelo próprio Trump e da qual também participará o ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair.
Sem querer acordar
Em texto enviado ao El País, Alaa Sbaih descreve a distância entre a jovem "cheia de vida" que era antes da invasão israelense e a pessoa cansada que é agora, que "não quer acordar" de manhã. A formada em Artes e Humanidades, que aspirava estudar fotografia e cinema no exterior, descreve o mesmo cenário apocalíptico apontado por dados de organismos internacionais.
Na Cidade de Gaza — de onde ela não sai há dois anos, apesar dos bombardeios e da fome — não há "lugares adequados para morar, nem hospitais, nem escolas, nem parques, nem mesmo estradas adequadas para transporte. É uma cidade desprovida do essencial à vida". Apenas 14 dos 36 hospitais de Gaza estão funcionando parcialmente, 90% das escolas e 79% dos campi universitários foram destruídos, segundo a ONU. Além dos mais de 67 mil mortos, 170 mil pessoas estão feridas, mais de 40 mil delas com sequelas debilitantes. Pelo menos 5 mil crianças foram amputadas.
"Antes da guerra, éramos um povo que amava a vida, como todo mundo. Agora, não espero que as pessoas tenham força ou vontade de tentar de novo", diz ele.
A jovem não confia em "nenhum plano vindo de nenhum político estrangeiro". Em Gaza, "milhares de famílias perderam pelo menos um ente querido", lembra ela. "Nosso sangue foi derramado em assassinatos cometidos com métodos horríveis pelos soldados da ocupação [israelense] contra o nosso povo", conclui.
Mesmo devastada, Gaza continua sendo a terra dos palestinos que ali vivem. Ohood Nassar diz que quer morrer lá, embora, antes do fim dos ataques, tenha pensado em "sair para poder sobreviver".
Muitos palestinos como ela estão divididos entre a "tragédia" de ter que deixar Gaza, diz Fidaa Al Araj, ou permanecer em um lugar que a ofensiva israelense transformou em uma paisagem de ruínas, onde uma vida normal não será possível por muito tempo. Esta mulher pensa em seus filhos, que "perderam dois anos de escola e já estão a caminho de perder o terceiro". Por isso, para garantir a eles a educação da qual foram privados durante todo esse tempo, esta palestina diz que, em algum momento, terá que considerar deixar sua terra.
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