10 Outubro 2025
O plano desconsidera o direito internacional, priva a população de Gaza de direitos, protege a parte que comete genocídio, permite a ocupação israelense e não garante que Israel manterá a trégua após a libertação dos reféns.
A informação é de Olga Rodríguez, publicada por El Salto, 09-10-2025.
A mais breve das tréguas salva vidas e, por isso, é sempre bem-vinda. Isso não significa que o plano Trump seja simétrico ou esteja de acordo com o direito internacional. Ele contém, de fato, uma abordagem que priva a população da Faixa de direitos essenciais e protege a parte que comete genocídio.
Do outro lado do telefone, em Gaza, ouço a voz de algumas pessoas que têm sido minhas interlocutoras durante estes dois longos anos de genocídio. Há um alívio contido, prudência diante dos anúncios das últimas horas e amargura pelos assassinados, pelos que já não estão. Os lutos tiveram que ser adiados por meses em nome da sobrevivência.
O anunciado por Donald Trump é um plano de mínimos que divide em fases a possibilidade de um cessar-fogo duradouro. "Trata-se de um começo, o que é desejável, mas na realidade representa um novo tipo de ocupação permanente, pior do que a de antes de 2023, com termos vagos, com premissas para o projeto urbanístico da Riviera e com a exclusão de justiça e responsabilização", indica a advogada palestina americana Noura Erakat.
Por enquanto, estamos diante de um modo de garantir um projeto colonial na Faixa. Foi apresentado há dias como um ultimato, com ameaça incluída do presidente americano, que advertiu a parte palestina de que uma resposta negativa significaria um "inferno como nunca antes".
O plano Trump inclui um projeto de ocupação com forças internacionais e israelenses, sem prazo claro para o seu fim, sem soberania palestina nem possibilidade de autogoverno nas primeiras fases, sem garantias detalhadas após dois anos de genocídio. Não menciona a Cisjordânia nem Jerusalém Oriental, não contempla o fim do apartheid e da ocupação colonial nesses territórios palestinos nem a retirada do Exército israelense de Gaza na primeira fase, durante a qual poderá permanecer em mais da metade da Faixa.
Para que o acordo se converta em algo real e duradouro, ele precisa da adoção de outras medidas que não estão incluídas no projeto do presidente dos EUA. Estas são o cumprimento do direito internacional, o reconhecimento do direito à autodeterminação do povo palestino, o fim da ocupação colonial israelense, do sistema de segregação racial e da espoliação permitida pelas leis de apartheid, assim como a responsabilização.
Sem elas, e sem a pressão internacional para torná-las possíveis, a violência e o subjugo exercidos pelas forças israelenses continuarão, com maior ou menor intensidade, como tem ocorrido nas últimas décadas. Se ninguém o impedir, por que Israel renunciaria à sua ocupação colonial, sendo este um dos seus objetivos prioritários?
Ao mesmo tempo, enquanto a ocupação e a violência do apartheid israelense continuarem, continuará havendo resistência palestina. Assim tem acontecido nos últimos oitenta anos. "Se as causas fundamentais não forem abordadas, não haverá paz nem estabilidade verdadeiras", assinala, da Cisjordânia, Hanan Ashrawy, política, ativista e negociadora palestina aposentada. "Nossos direitos não podem se limitar a obter uma pausa para que não sejamos assassinados", adverte, de Gaza, a jornalista e ativista Bisan Owda.
Pactos anteriores
Israel assinou no passado vários acordos que descumpriu, e os governos do mundo o sabem. Na memória coletiva da população de Gaza está presente o cessar-fogo de janeiro deste ano, violado por Israel em mais de cem ocasiões e rompido definitivamente em março, quando era para começar a segunda fase do acordo. O Governo de Netanyahu encurralou a negociação para retomar o esmagamento da população palestina da Faixa.
Antes, em setembro de 2024, também houve outra oportunidade para alcançar um pacto, em termos parecidos com o atual. "O Hamas aceitou os mesmos termos. Mas, naquele momento, a resposta dos negociadores israelenses foi que 'o primeiro-ministro não concordava em pôr fim à guerra'", escreveu nesta quinta-feira o negociador israelense Gershon Baskin.
Houve outro cessar-fogo anterior, em dezembro de 2023, quando foi fechada uma troca de reféns, pela qual o Governo de Netanyahu conseguiu a libertação de 105 israelenses em troca de 280 palestinos. Israel obteve pela via negociadora o que não conseguiu através do uso da força bruta, mas depois disso retomou os ataques.
Já então, se não antes, havia indícios claros de que seu objetivo primordial não era a libertação dos reféns, mas sim um genocídio. A própria Corte de Haia advertiu desse risco 'plausível' em janeiro de 2024. No entanto, os grandes aliados de Tel Aviv continuaram a apoiá-lo. EUA, Reino Unido e União Europeia apoiaram a via militar israelense e mantiveram seus acordos preferenciais com Tel Aviv até hoje.
Desde 2007, a Faixa de Gaza tem estado submetida a um bloqueio ilegal quase contínuo, com o controle israelense de suas fronteiras, de seu espaço aéreo e marítimo, e com matanças esporádicas de centenas ou até milhares de civis ao longo dos anos. Hamas e Israel assinaram seis acordos em 2008, 2012, 2014, 2019, 2021 e 2025. Este é o sétimo. Cada pacto seguiu uma trajetória similar e Israel pôde continuar violando o direito internacional enquanto reforçava suas alianças com Washington, Londres e Bruxelas.
Antes disso, nos anos noventa, foram assinados os Acordos de Oslo entre a Organização para a Libertação da Palestina e Israel. Foram celebrados e aplaudidos pela comunidade internacional, apesar de normalizarem, de facto, o controle militar israelense de 60% da Cisjordânia. Na prática, serviram para legitimar uma ocupação ilegal e a última fase dos mesmos nunca foi alcançada. Israel os usou para impulsionar seu projeto de apartheid e de anexação de territórios.
O que o Hamas aceita
O Hamas negociou os primeiros pontos do plano em troca de um cessar-fogo e da entrada de ajuda humanitária em Gaza. Compromete-se a libertar, possivelmente entre domingo e terça-feira, todos os reféns israelenses vivos, cerca de vinte, para depois entregar os cadáveres dos falecidos. Em troca, Israel aceita libertar cerca de 250 prisioneiros com condenações e 1.700 palestinos presos em Gaza após 7 de outubro de 2023, detidos em centros de detenção israelenses como reféns.
Os nomes dessas pessoas foram objeto de negociações in extremis. Marwan Barghouti, preso e condenado em 2004, integrante da ala crítica do Al Fatah, líder com popularidade e capacidade de gerar consenso entre diferentes setores de seu povo, era uma das exigências das facções palestinas, mas Israel não o incluiu nas listas.
Após a primeira fase do plano, as tropas israelenses poderão permanecer em uma parte da Faixa e reocupar território se considerarem que o Hamas não implementa "plenamente o acordo". Assim como ocorreu no passado, uma vez cumprida esta primeira etapa, o risco de ruptura do cessar-fogo por parte de Israel será elevado. Nesta quinta-feira, o ministro das Finanças israelense, da ala ultra do Governo, pediu "não deter a guerra" após a libertação dos reféns.
Sem pressões, Israel poderá retomar os ataques ou se negar a retirar-se das zonas que ocupa, com qualquer desculpa. "Trump continuará presente depois da primeira fase para impedir que Netanyahu retome a guerra? É razoável pensar que, até então, ele terá perdido o interesse. Netanyahu confia nisso", escreveu nesta quinta-feira o colunista Raviv Drucker no diário israelense Haaretz.
A analista israelense do Crisis International Group, Mairav Zonszein, expressa assim: "Simplesmente, não se entende quem vai implementar um cessar-fogo quando as Forças de Israel têm tropas em Gaza e podem alegar à vontade que estão ameaçadas". Ninguém com um mínimo de honestidade pode extrair da equação a tendência de Israel a violar acordos e a usar desculpas para garantir sua ocupação contra a população indígena.
Renovar o relato
Os seguintes pontos do plano exigem a rendição do Hamas e de outras facções palestinas, sua desmilitarização. No entanto, não se contempla nenhum tipo de exigência neste sentido para o Exército que comete um genocídio, que poderá continuar armado em territórios palestinos ocupados nos quais aplica a violência para garantir a ocupação e a segregação racial, assinalada como tal pela Corte Internacional de Justiça.
"Onde está a segurança dos palestinos, que foram atacados sem trégua durante décadas, onde está a desmilitarização e desradicalização da sociedade israelense?", questiona a relatora de Nações Unidas para a Palestina.
Apesar de tudo isso, apesar de sua superioridade militar e sua impunidade no cenário internacional, Israel não conseguiu ganhar o relato. Esta é uma das razões que explicam a busca por este cessar-fogo por seu máximo aliado e protetor em Washington. Pela primeira vez, grandes porcentagens das sociedades ocidentais perceberam o caráter colonial e supremacista das políticas israelenses e acompanharam em tempo real seus crimes massivos.
As Cortes de Haia emitiram ordens e opiniões consultivas inéditas que não foram postas em prática pela maioria dos Estados do mundo, mas ainda assim estabelecem um precedente. E, sobretudo, os protestos sociais continuam a crescer em numerosos países, com iniciativas que não puderam ser invisibilizadas, como as flotilhas para romper o bloqueio de Gaza ou os protestos que conseguiram suspender várias etapas da Volta Ciclista a Espanha.
Dois anos após o início do genocídio, as nações aliadas de Israel estavam ficando sem desculpas perante um eleitorado que demanda suspensão de relações e medidas de boicote, como foi feito com a África do Sul do apartheid. A pressão social em países como o Reino Unido, com ações judiciais contra os envios de armamento do Governo britânico, tem aumentado. Diante disso, um plano colonial apresentado como iniciativa de paz pode servir para renovar o relato e justificar a ocupação israelense.
"A Cisjordânia continua sendo alvo do Exército e os colonos, enquanto o Governo israelense impulsiona uma intensificação dos assentamentos e da anexação territorial", recorda Hanan Ashrawy. "A ocupação permanece e a maquinaria da limpeza étnica não parou", adverte o jornalista palestino americano Ahmed Eldin.
Obrigações internacionais
Com sua dinâmica de fatos consumados, ou seja, de violações contínuas, Israel chegou até aqui. Sem reação política, diplomática, judicial e social global poderá seguir violando o direito internacional.
Por isso, os Estados do mundo, e em concreto aqueles que mantêm acordos preferenciais com Israel – a UE é o maior parceiro comercial de Tel Aviv – devem fazer o que não fizeram até agora: cumprir com o pedido da Corte Internacional de Justiça suspendendo suas relações comerciais para não contribuir para a ocupação ilegal israelense, e fazer uso de todas as vias de pressão que exige a Convenção de Genocídio, para prevenir mais genocídio.
Caso contrário, estaremos diante de outro episódio de hipocrisia internacional que será usado como distração narrativa para seguir justificando crimes de Israel, com os quais se pavimenta mais insegurança para todos os povos do mundo.
Nada começa hoje, começou há décadas com uma limpeza étnica, com um regime de supremacismo legal e com o uso abusivo da força, com o qual Israel conseguiu até hoje o que o direito internacional lhe nega.
Como lembrou a Fundação Hind Rajab, criada em memória de uma menina palestina assassinada a tiros em Gaza – cuja história foi levada ao cinema – e encarregada de reunir provas de crimes, "a mera suspensão de operações militares não põe fim a um processo genocida de natureza material e estrutural". Por isso, prossegue, é necessário "intensificar a mobilização e os esforços para que haja justiça e o povo palestino possa viver livre e seguro em sua terra natal, único caminho para a paz".
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