19 Novembro 2025
Quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva incumbiu seus ministros da organização da Conferência das Partes (COP30) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), ele lhes deu uma de suas diretrizes mais importantes: “Esta COP deve ser especial; o mundo deve sentir que a sociedade civil tem um lugar para participar e que os movimentos sociais devem ter influência”, disse ele na ocasião. Tratava-se de uma estratégia política para pressionar o lobby dos combustíveis fósseis e os mercados, que estão atualmente focados nas negociações que ocorrem na Zona Azul da Cúpula do Clima, evento que entra em sua fase final esta semana.
A reportagem é de Irupé Tentorio, publicada por El Salto, 18-11-2025.
Paralelamente ao encontro oficial, entre 12 e 16 de novembro, realizou-se na Universidade Federal do Pará (UFPA) a Cúpula dos Povos, um evento de quatro dias cuja organização teve início em março de 2023 e que reuniu 1.109 organizações sociais, com o apoio do governo do estado do Pará, do governo federal brasileiro e de vinte e quatro instituições não governamentais.
Desde que Belém foi escolhida para sediar a COP30, uma enxurrada de críticas tem sido dirigida. Movimentos sociais e moradores locais apontam para a contradição: a cidade sofre com sérios problemas de infraestrutura. O sistema de esgoto é inadequado, o tratamento de águas residuais é mínimo, a água da torneira não é potável, há poucas árvores nos arredores, o calor é sufocante, a gestão de resíduos continua sendo um problema crítico e as melhorias na infraestrutura feitas para o evento não resolvem os problemas subjacentes. Mesmo assim, nesta primeira semana, a cidade parece brilhar ao receber as aproximadamente 60 mil pessoas de diversas origens que chegaram para participar da COP, e seus moradores — em sua maioria apoiadores de Lula — ofereceram uma acolhida calorosa e entusiasmada.
3 mil quilômetros de rota pela Amazônia
A ministra dos Povos Indígenas do Brasil, Sonia Guajajara — ativista emblemática e uma das vozes mais fortes do governo em questões socioambientais — visitou todos os cantos do encontro. "É assim que a democracia deve ser: com a participação do povo, ouvindo e refletindo junto com aqueles que são os guardiões deste planeta", afirmou, referindo-se às comunidades indígenas, agricultores, camponeses, pescadores e outros atores tradicionais do território presentes. Muitos chegaram por terra, por ar e também viajando por dias — até semanas — rio Amazonas acima, alguns em uma longa caravana fluvial que partiu da Amazônia equatoriana e viajou até a foz do grande rio, sob um lema direto e poderoso: "Nós somos a resposta".
O objetivo dessas 200 embarcações, transportando cerca de 5.000 pessoas de 60 países, enquanto navegavam pela bacia amazônica como parte da chamada Caravana de Resposta, era denunciar as “falsas soluções climáticas” promovidas pelos mercados do Hemisfério Norte. A marcha, porém, não parou por aí e também destacou megaprojetos prejudiciais que ameaçam populações indígenas e o meio ambiente, como a ferrovia Ferrogrão, que, segundo ativistas, ameaça territórios e ecossistemas indígenas.
A jornada começou em Sinop (Mato Grosso), percorrendo mais de 3.000 km pela chamada "rota da soja" até Belém. O maior grupo, denominado "A Resposta", reuniu mais de 300 líderes indígenas de povos como Kayapó, Borari, Tupinambá, Xipaya, Huni Kuin e Kayabi, entre outros. Entre eles, figuras proeminentes como o cacique Raoni Metuktire, histórico defensor da Amazônia, e a líder Alessandra Korap Munduruku, reconhecida por sua luta contra o agronegócio. As comunidades envolvidas são de regiões como os rios Xingu e Tapajós, áreas particularmente ameaçadas pela expansão do agronegócio, onde a infraestrutura para o cultivo e exportação de soja tem levado a graves violações de direitos territoriais e danos ambientais.
A marcha também incluiu comunidades ribeirinhas representadas pelo Movimento de Pessoas Afetadas por Barragens (MAB), criado em 1988, além de comunidades quilombolas e agricultores rurais. A iniciativa foi organizada pela Aliança Chega de Soja, uma coalizão de cerca de quarenta organizações brasileiras e internacionais.
Uma cúpula marcada pela luta contra o agronegócio
Essencialmente, a mobilização denuncia o impacto do agronegócio e de grandes projetos de infraestrutura — como a ferrovia Ferrogrão e os canais do Arco Norte — sobre territórios tradicionais e seus modos de vida. O Ferrogrão, originalmente promovido durante o governo Michel Temer, prevê uma ferrovia de 933 quilômetros ligando Mato Grosso a Miritituba, no Pará, com o objetivo de transportar grãos — principalmente soja e milho — do Centro-Oeste para a região do Arco Norte do país. O projeto ameaça áreas de conservação e terras indígenas e promete acelerar ainda mais o desmatamento da Amazônia.
Pedro Ferraracio Charbel, sociólogo, ativista do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) e membro da Aliança Basta de Soja, que acompanhou a flotilha, comentou: “Nossa luta é contra esses portos corporativos, contra as hidrovias e contra a ferrovia Ferrogrão. Mas também temos uma solução: agroecologia. Alimentos saudáveis, livres de toxinas, solidariedade com o povo, cozinhas comunitárias, distribuição gratuita de alimentos, porque comida é um direito, não uma mercadoria”, disse ele ao El Salto ao final da caravana. Para esse ativista, a infraestrutura deve vir do povo, e não servir aos bilionários do agronegócio. “Nossa proposta é de territórios vivos, terras demarcadas, florestas em pé e rios limpos com peixes saudáveis, não rios contaminados com mercúrio e soja”, destacou na antecâmara da Cúpula Popular da Universidade Federal do Pará.
Graças a essa rede agroecológica e comunitária, cerca de 3.000 indígenas alojados em escolas, conventos e universidades foram alimentados gratuitamente e de forma saudável, assim como outros 10.000 participantes da Cúpula: alimentos saborosos, saudáveis e ricos em sabores e aromas.
Uma contracúpula com seis áreas de foco
Desde a sua concepção até à sua conclusão, a Cimeira promoveu uma agenda estruturada em torno de seis temas principais. O primeiro abordou os territórios vivos, as áreas marítimas, a soberania popular e o acesso a alimentos saudáveis. O segundo centrou-se nas reparações históricas, no racismo ambiental, nas falsas soluções e no poder das empresas. O terceiro enfatizou uma transição justa, popular e inclusiva. O quarto tratou das lutas contra a opressão e do internacionalismo dos povos. O quinto focou-se no direito a cidades justas e periferias vibrantes. E o sexto foi dedicado aos feminismos populares.
Após a manifestação principal, que reuniu cerca de 70 mil pessoas em Belém, a cerimônia de encerramento da contracúpula, durante a qual a Declaração da Cúpula dos Povos para a COP30 foi simbolicamente apresentada ao Presidente da Conferência das Partes, o embaixador brasileiro André Corrêa do Lago, conclamou à continuidade da resistência contra a expansão dos combustíveis fósseis na Amazônia e defendeu uma região unida, com plenos direitos para seus povos e territórios. O cacique Raoni, que também participou da cerimônia de encerramento, declarou em sua língua nativa: “Se não nos conscientizarmos da necessidade de defender o que resta – referindo-se à floresta e à vida indígena – um grande caos poderá ser desencadeado”.
O documento, endossado por mais de mil organizações, foi entregue pelo Conselho Político da Cúpula em uma cerimônia que contou com a presença da Diretora Executiva da COP30, Ana Toni; do Secretário-Geral da Presidência, Guilherme Boulos; da Ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara; e da Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.
Embora a Cúpula dos Povos tenha terminado, diversos líderes sociais se juntarão às negociações. Como destacou Boulos, ministro com longa trajetória em movimentos sociais: “Todas as partes precisam concordar; não é fácil, mas a resposta de vocês é fundamental”. Agora, a COP30 enfrenta o desafio de ouvir todas as vozes e necessidades urgentes expressas pelos movimentos sociais, que há décadas resistem aos mercados do Hemisfério Norte, gerando respostas à destruição que eles causam globalmente.
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