19 Novembro 2025
"O olhar teológico-pastoral do Papa Leão XIV convida-nos a contemplar a vida de Jesus e da sua Igreja, inteiramente compartilhadas com os mais vulneráveis. O Evangelho é a força que impele a Igreja a tornar-se frágil com os frágeis, sobretudo nas periferias existenciais da sociedade contemporânea", escreve João Claudio da Conceição, padre na arquidiocese de Aracaju, mestre em Filosofia na Gregoriana e o doutor em Ética Social no Angelicum.
Eis o artigo.
O ato de exortar implica uma tomada de decisão, uma deliberação acerca da importância de uma dada realidade que não pode ser esquecida, mas deve permanecer como elemento central, um fio condutor que norteia um ethos, ou seja, um amplo conjunto de ações pessoais, interpessoais e institucionais.
Ao publicar a primeira exortação do seu pontificado, intitulada Dilexi Te, sobre o amor para com os pobres, o Santo Padre, Papa Leão XIV enfatiza que a Igreja é Peregrina de Esperança na sociedade hodierna e não pode deixar de olhar para as pessoas vulneráveis com amor, empatia e fraternidade.
Com uma sutileza incisiva, o Papa Leão XIV expõe ao longo da sua exortação que o cuidado com os pobres sempre constituiu o núcleo central da tradição do cristianismo. Desde os primeiros passos, a Igreja, Sacramento de Cristo sobre a face da terra, soube colocar-se à disposição das pessoas mais necessitadas, sem medir esforços em prol da construção de uma vida digna.
Fixando o olhar em Jesus, a Igreja mantém a mesma prontidão e o seu estado permanente de missão em favor dos pobres. Vivenciando o verbo despojar, ela perpetua no mundo inteiro a ação redentora de Cristo que: “Sendo de condição divina, não se prevaleceu de sua igualdade com Deus, mas aniquilou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo e assemelhando-se aos homens. E, sendo exteriormente reconhecido como homem, humilhou-se ainda mais, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz” (Filipenses 2,6-8).
O olhar teológico-pastoral do Papa Leão XIV convida-nos a contemplar a vida de Jesus e da sua Igreja, inteiramente compartilhadas com os mais vulneráveis. O Evangelho é a força que impele a Igreja a tornar-se frágil com os frágeis, sobretudo nas periferias existenciais da sociedade contemporânea (1ª Coríntios 9,22-23).
Na exortação Dilexi Te, Leão XIV promove um resgate da integralidade da doutrina da Igreja Católica. Comumente, compreende-se que a doutrina contempla somente um aspecto moral familiar, como por exemplo, as relações entre homem e mulher, marido e esposa, pais e filhos e outras que acentuam um aspecto residencial, algo vivenciado apenas ao interno da minha casa (oikos), como se não olhássemos para as pessoas como o nosso próximo e, portanto, as retirássemos do horizonte do amor genuinamente cristão (cf. Lucas 10,25-37).
O ethos do cristianismo perpassa o tecido das relações familiares e conjugais, mas também abre os olhos para que enxerguemos as pessoas feridas por tantas ausências, que afetam os seus direitos fundamentais como a moradia, a alimentação, a saúde, a educação, o meio ambiente e tantos outros dons que não devem ser acumulados de forma gananciosa, mas colocados à disposição de todas as pessoas, sobretudo daquelas que foram despidas até mesmo da própria família e conhecem de perto as dores contidas na dura expressão “população de rua”.
A doutrina moral e a doutrina social são duas asas que se movimentam sincrônica e harmonicamente em busca de Deus, Pai misericordioso, que continua nos dizendo através do seu Filho Jesus Cristo: “Em verdade eu vos declaro: o que fizestes a um desses pequeninos, foi a mim que o fizestes” (Mateus 25,40).
Em todos os cantos do mundo, a Igreja é Sacramento de Compaixão, Casa de Oração e de Acolhida de tantas pessoas desesperadas, sem moradia, sem condições dignas de vida, sem orientação e sem pão.
Na exortação Dilexi Te (nº 110), o Papa declara que a Igreja não olha para o pobre como membro de uma classe social, mas como um irmão, uma pessoa que integra a família humana e divina.
A Sagrada Escritura revela que esta é a maneira como Deus olha para todos os seus filhos e filhas. Ele, o Senhor do céu e da terra, é o Pai comprometido com os oprimidos de ontem e de hoje. Por meio da sua Palavra, Deus vem em nosso auxílio, dizendo: “Eu vi, eu vi a aflição de meu povo que está no Egito, e ouvi os seus clamores por causa de seus opressores. Sim, eu conheço seus sofrimentos” (Êxodo 3,7).
A Igreja é o Sacramento do olhar amoroso de Deus que alcança a todos sem quaisquer distinções, colocando-se à disposição do faminto, do enfermo, do encarcerado e de todas as pessoas que foram descartadas por uma economia desumana (Dilexi Te, nº 92).
Os movimentos eclesiais, grupos e pastorais sociais compartilham os dramas da existência humana tolhida em sua dignidade. Todos os dias, com espírito de abnegação, homens e mulheres se colocam à disposição de Cristo solidarizando-se com as pessoas sem teto, e com os doentes que estão nas ruas e nos hospitais.
A exortação Dilexi Te, coloca todos os cristãos diante de um verdadeiro imperativo cristocêntrico, do qual não podemos abrir mão: ser uma Igreja Samaritana, capaz de debruçar-se para derramar sobre as feridas espirituais e sociais, o óleo da redenção de Cristo e da graça divina que gera fraternidade e cidadania.
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