27 Outubro 2025
"Leão XIV, o primeiro ianque na Cátedra de Pedro, sabe que a liturgia é a alma da fé, mas também sabe que o Vaticano II não foi um capricho, mas um sopro do Espírito para aproximar a Eucaristia do povo. Sua permissão para a Missa Tridentina de Burke em São Pedro foi um risco calculado ou uma rendição às pressões tradicionalistas?"
A reportagem é de José Manuel Vidal, publicada por Religión Digital, 25-10-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
No coração do Vaticano, onde cada decisão papal ressoa como um eco nas catacumbas, Leão XIV acendeu um pavio que não passou despercebido: permitiu que o Cardeal Raymond Burke, fiel guardião da tradição e inimigo público de Francisco, celebrasse a Missa Tridentina na Basílica de São Pedro. Terá sido um simples gesto de cortesia ou um desafio ao espírito do Concílio Vaticano II, que sonhou uma liturgia viva, partilhada e encarnada no povo de Deus?
À primeira vista, não parece uma questão trivial. O Vaticano II, com a "Sacrosanctum Concilium", traçou um caminho claro: uma liturgia na qual o povo não fosse mais meros espectador, mas protagonista, com o padre de frente para o povo, não de costas; em língua vernácula, para que as palavras de fé ressoassem na língua do coração, não no latim dos eruditos; e despojada de pompa excessiva. Com menos incenso e vestimentas rendadas e mais vida cotidiana.
Permitir que Burke, com seu latim solene e liturgia pré-conciliar, elevasse o cálice ao Altar da Cátedra parece uma piscadela para aqueles que veem no "Novus Ordo" uma perda de mistério.
Vamos lembrar uma anedota que exemplifica essa tensão: em uma audiência na Casa Santa Marta, um jovem padre tradicionalista, com lágrimas nos olhos, confessou ao então Cardeal Prevost – agora Leão XIV – como a Missa Tridentina evocava memórias de sua infância em uma aldeia na Guiné, com o murmúrio das palmeiras e o calor equatorial. "Eminência, era a minha ponte para o céu", disse ele. O futuro papa, com um olhar agostiniano que lembra suas raízes em Chiclayo, respondeu: "A Igreja não é um museu, meu filho, mas o coração não esquece o seu pulsar."
Esse pulsar parece ter inspirado essa decisão, mas a que custo? Permitir essa missa em São Pedro, epicentro do catolicismo, não é meramente um gesto simbólico: é um desafio ao espírito conciliar, que quis uma Igreja em diálogo com o mundo, não encerrada em ritos que, por mais belos que sejam, podem afastar os fiéis de hoje.
Burke, com sua voz aguda como um salmo do deserto, não é um simples celebrante; ele é um porta-estandarte para os tradicionalistas que rejeitam a reforma litúrgica.
Em um mundo onde a Igreja luta para ser um farol de unidade, essa permissão poderia reacender as chamas da divisão, atraindo peregrinos vindos da Fraternidade São Pio X e aqueles que consideram o Concílio um erro.
Leão XIV, o primeiro ianque na Cátedra de Pedro, sabe que a liturgia é a alma da fé, mas também sabe que o Vaticano II não foi um capricho, mas um sopro do Espírito para aproximar a Eucaristia do povo. Sua permissão para a Missa Tridentina de Burke em São Pedro foi um risco calculado ou uma rendição às pressões tradicionalistas?
Essa decisão, portanto, não é um detalhe litúrgico: é uma palpitação para o coração conciliar da Igreja. Que Leão XIV, com a audácia de seu nome, não se esqueça de que o Espírito sopra para unir, não para dividir, e que a liturgia deve ser uma ponte para o povo, não um muro de incenso. Que o Senhor ilumine seu caminho. Amém.
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