Se Israel intervier na missão humanitária da flotilha, diz ativista gaúcha que está a bordo do Spectre, “o país cometerá mais um crime porque a flotilha não está cometendo nenhuma ilegalidade. Ela está amparada em todas as leis do Direito Internacional”
“Não estamos indo para Israel. Estamos indo para Gaza. Em nenhum momento queremos chegar a Israel. Se nos interceptarem e nos levarem para Israel, isso será um sequestro”, declara Gabi Tolotti, integrante da delegação brasileira a bordo da Flotilha Global Sumud.
Na manhã de ontem, 30-09-2025, quando estava próxima da costa do Egito, a uma distância de aproximadamente 370 quilômetros de Gaza, a presidente do PSOL do Rio Grande do Sul conversou com o Instituto Humanitas Unisinos – IHU por WhatsApp. Naquele momento, a flotilha estava entrando na zona crítica e em algumas horas se aproximará da área de risco máximo, chamada linha laranja, a mais de 160 quilômetros de Gaza, onde outras embarcações foram interceptadas por Israel. As próximas horas são incertas. “Não temos como saber o que vai acontecer porque, da mesma forma como pessoas já morreram em flotilhas, outras flotilhas conseguiram furar o bloqueio e chegar a Gaza. Essa é a maior flotilha de todos os tempos, mas não é só a maior: se somarmos todas as flotilhas de ajuda humanitária para Gaza, elas não chegam ao número de barcos que há desta vez. Justamente por isso ainda está muito incerto o que acontecerá”, menciona.
Apesar da incerteza, a flotilha segue rumo a Gaza. Para os integrantes da missão, relata a entrevistada, dois cenários são esperados: “sermos interceptados, sequestrados em águas internacionais e levados para Israel contra a nossa vontade, ou chegar em Gaza e conseguir entregar a ajuda humanitária”. Gabi Tolotti está a bordo do Spectre, barco atacado duas vezes por drones na costa da Grécia. Na entrevista a seguir, ela dá um breve depoimento dos últimos dias da missão, que está sendo transmitida ao vivo pelo YouTube desde 27 de setembro, e pede que todos ajudem, exercendo pressão para que a flotilha consiga furar o bloqueio israelense e entregar alimentos e remédios aos palestinos.
Gabi Tolotti (Foto: Arquivo Pessoal)
Gabi Tolotti é jornalista e relações públicas. Chefe de Gabinete da Deputada Luciana Genro (PSOL-RS), iniciou a militância no movimento estudantil, sendo uma das fundadoras do Movimento Juntos!, organização de juventude anticapitalista brasileira. É dirigente do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), militante internacionalista com organizações de esquerda nos Estados Unidos e México. Também é coordenadora executiva da Conferência Internacional Antifascista, que acontecerá no Brasil em 2026.
IHU – Onde vocês estão neste momento?
Gabi Tolotti – Estamos a 200 milhas náuticas de Gaza. Viajamos mais ou menos 100 milhas por dia e estamos a dois dias da Faixa de Gaza. Neste momento, estamos em águas internacionais, perto da costa do Egito. Para termos uma ideia, a Madleen foi interceptada a 110 milhas náuticas e a Handala, a 70 milhas náuticas. Estamos chegando no ponto crítico da nossa missão.
Imagem cedida pela entrevistada
IHU – Como estão vivendo essas últimas horas em que se aproximam da zona de risco máximo?
Gabi Tolotti – Estamos entrando na zona crítica. As próximas duas noites serão fundamentais. Temos conosco um navio que veio da Itália e está nos ajudando. Também temos navios de emergência.
No Spectre, barco onde estou, todo mundo está calmo. Viemos preparados para quatro cenários que imaginamos que possam acontecer. O mais provável deles é uma intervenção de Israel.
Gostaria de dizer uma coisa sobre isso para esclarecer aos leitores: se Israel intervier na nossa missão, o país cometerá mais um crime porque a flotilha não está cometendo nenhuma ilegalidade. Ela está amparada em todas as leis do Direito Internacional. É uma missão civil humanitária, que está carregando ajuda para Gaza. Mesmo quando se trata de uma guerra – e aqui não se trata de uma guerra, mas de um genocídio –, nenhum país pode bloquear a ajuda de outro para ajuda humanitária. Seria um crime nos interceptarem em águas internacionais. Além disso, não estamos indo para Israel. Estamos indo para Gaza. Em momento algum queremos chegar a Israel. Se nos interceptarem e nos levarem para Israel, isso será um sequestro.
IHU – Quais são os outros três cenários?
Gabi Tolotti – Desde o início da missão estamos trabalhando com quatro cenários. O primeiro deles era ter algum embargo burocrático para que não pudéssemos deixar Barcelona. Isso não aconteceu e não achávamos que seria o mais provável.
O segundo cenário era um ataque cruel, com bombas, letal para a missão. Esse tipo de ataque já aconteceu em uma flotilha anos atrás, onde morreram dez pessoas – para nós este também não era o cenário mais provável.
Os dois cenários mais prováveis até o momento são sermos interceptados, sequestrados em águas internacionais e levados para Israel contra a nossa vontade, ou chegar em Gaza e conseguir entregar a ajuda humanitária, com alimentos e remédios. Esses são os dois cenários com os quais estamos trabalhando no momento.
IHU – Qual sua expectativa ao chegar na linha laranja?
Gabi Tolotti – Não temos como saber o que vai acontecer porque, da mesma forma como pessoas já morreram em flotilhas, outras flotilhas conseguiram furar o bloqueio e chegar a Gaza. Essa é a maior flotilha de todos os tempos, mas não é só a maior: se somarmos todas as flotilhas de ajuda humanitária para Gaza, elas não chegam ao número de barcos que há desta vez. Justamente por isso ainda está muito incerto o que acontecerá.
Nos últimos dias, vimos o apoio à flotilha crescer no mundo inteiro: Espanha, Itália, Alemanha. Em Berlim, 100 mil pessoas estiveram nas ruas, e houve greve geral na Itália. Quanto mais pressão internacional houver, mais provável é que consigamos furar o bloqueio. Pedimos que todos nos ajudem, exercendo essa pressão.
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IHU – Notícias internacionais informam que integrantes da Flotilha Global Sumud desembarcaram em Creta e vão retornar para seus países. Por que deixaram a missão?
Gabi Tolotti – Não foram muitos desembarques. Houve duas questões: primeiro, a flotilha está com o cronograma atrasado por conta dos dois ataques que sofremos e por ser a maior missão da flotilha de todos os tempos. Então, é muito detalhe para organizar. Essa não é só a maior missão da flotilha; é maior do que todas as outras missões humanitárias para Gaza juntas.
Além disso, nosso maior barco, o Family, onde estavam Thiago Ávila e mais 35 pessoas, como a ex-prefeita de Barcelona, Ada Colau, teve um dano irreversível no motor e foi preciso dividir as pessoas nas outras embarcações. Pessoas que já estavam com o cronograma de suas idas atrasado tiveram a opção de desembarcar em Creta. Estamos falando de um total de 600 pessoas na flotilha e, no máximo, desembarcaram 25 delas. É um número irrisório considerando o total de pessoas na missão.
IHU – Como aconteceram os ataques ao Spectre, embarcação onde você está?
Gabi Tolotti – A nossa embarcação foi atacada por drones na costa da Grécia. Foram três ataques com quatro bombas químicas. Dois drones largaram uma bomba cada e o último drone que nos atacou largou duas bombas ao mesmo tempo. É uma bomba química: o drone vem, larga uma caixa mais ou menos do tamanho de um celular e dentro dela tem um produto químico que, se tocar em alguém, dá coceira, alergia e queima a pele.
Nós ficamos protegidos nesse momento. Nosso treinamento para drones é ficar embaixo de algum teto e, depois do ataque, precisamos nos lavar imediatamente com água salina. Ninguém encostou no produto químico, então, não sabemos a gravidade que causaria na pele das pessoas, mas a flotilha estudou o que são esses químicos e sabemos que causam queimaduras e coceira. O produto tem um cheiro horrível.
IHU – Desde quando você acompanha a situação dos palestinos em Gaza? Por que o interesse por esse povo em particular, entre tantos oprimidos?
Gabi Tolotti – Acompanho a luta do povo palestino em Gaza desde as edições do Fórum Social Mundial que aconteciam em Porto Alegre. Fiz parte da coordenação do Acampamento da Juventude e tive contato com pessoas que lutam e defendem a causa palestina. A partir disso, tomei conhecimento do que acontecia em Gaza e comecei a acompanhar esta luta.
IHU – Por que decidiu integrar a Flotilha Global Sumud?
Gabi Tolotti – Acompanho as flotilhas há muitos anos. Thiago Ávila, que é um dos coordenadores do comitê da flotilha, foi integrante do meu partido, o PSOL, durante muitos anos. Quando ele e a Greta Thunberg foram interceptados e sequestrados no Madleen, avisei minha organização, o Movimento de Esquerda Socialista (MES), uma tendência interna do PSOL, que na próxima flotilha eu gostaria de ir para Gaza. Todo mundo achou muito bom porque esta é uma luta necessária. Tem três pessoas da nossa organização aqui hoje.
IHU – Como tem sido a rotina a bordo?
Gabi Tolotti – Faz 29 dias que estamos a bordo e a nossa rotina é muito bem-organizada. Somos 22 pessoas. Precisamos lavar, cozinhar, organizar as tarefas diárias. Temos uma rotina bem estabelecida. Diariamente, fazemos algum tipo de treinamento: para ataques de drones, ataques de incêndios, de interceptação. Somos bem treinados para as coisas que podem acontecer.
Gabi Tolotti, da delegação brasileira na Global Sumud Flotilla e presidenta do PSOL/RS, relata que, nesta terça, a missão humanitária aproxima-se do seu momento mais crítico. pic.twitter.com/GLgikM3CWT
— ICL Notícias (@ICLNoticias) September 30, 2025