16 Setembro 2025
Foi um verão intenso em Roma – entre as ondas de calor e a avalanche de peregrinos que fizeram questão de visitar a “cidade eterna” neste ano de Jubileu – mas muitos esperavam que a estação tivesse sido ainda mais quente e animada, sobretudo por haver um novo bispo a ocupar a cadeira de São Pedro. Os primeiros quatro meses do pontificado de Leão XIV, no entanto, parecem ter trazido consigo uma brisa leve e morna. E no Vaticano – assim como no resto do mundo católico – muitos arriscam agora previsões para as próximas estações: haverá ventos fortes? E em que direção soprarão?
A reportagem é de Clara Raimundo, publicada por 7 Margens, 14-09-2025.
Recordemos o momento em que vimos Robert Francis Prevost pela primeira vez envergando as vestes papais, na tarde daquela quinta-feira, 8 de maio. Quando apareceu à varanda da Praça de São Pedro, Leão XIV – que celebra neste domingo 70 anos – levava a tradicional mozeta vermelha sobre os ombros e nas mãos um discurso escrito. “Que diferença em relação à informalidade de Francisco!”, pensaram de imediato alguns. Só que o conteúdo do discurso revelava mais semelhanças com o seu antecessor do que muitos poderiam (ou quereriam) imaginar.
“A paz esteja com todos vós!”, começou por dizer, sem disfarçar a emoção que lhe marejava os olhos. E essa primeira palavra, “paz”, disse-a nove vezes ao longo de toda a saudação: pediu “uma paz desarmada e desarmante, humilde e perseverante”, a “paz de Cristo Ressuscitado”, e pediu-a para “todos”, assumindo que naquela saudação “prosseguia com a bênção” que o Papa Francisco tinha feito pouco tempo antes, na manhã do dia de Páscoa. E agradecendo-lhe diretamente: “Obrigado, Papa Francisco!”, sendo logo depois interrompido pelos aplausos dos milhares que se encontravam na Praça.
Terminou, sereno, com o que poderemos interpretar como um sumário para o seu pontificado: “A todos vocês, irmãos e irmãs de Roma, da Itália, do mundo inteiro: queremos ser uma Igreja sinodal, uma Igreja que caminha, uma Igreja que procura sempre a paz, que busca sempre a caridade, que procura sempre estar próxima, especialmente daqueles que sofrem.” Se poderia ter sido Francisco a dizer isto? Certamente que sim. Alívio, pois, para tantos… e desilusão para outros.
Ao longo dos quatro meses seguintes, Leão XIV continuou a preparar os seus discursos com antecedência (raramente o vimos improvisar), os seus apelos à paz foram uma constante, as referências a Francisco também. E começou, discretamente, a cumprir o sumário que havia anunciado.
Deu luz verde a que se continuasse a percorrer o caminho sinodal, tendo aprovado a publicação do documento “Pistas para a Fase de Implementação do Sínodo”; fez seu o compromisso com a ecologia integral, pedindo que a encíclica Laudato si’, de Francisco, continuasse a inspirar todos, aprovando – e usando pela primeira vez – o novo formulário de orações para a missa “pela proteção da Criação” que começara a ser preparado durante o pontificado de Francisco, e inaugurando o Borgo Laudato Si’ por ele sonhado em Castel Gandolfo; e, precisamente nesse lugar, mostrou que também ele não se esquecia dos pobres, tendo-se sentado à mesa para almoçar com eles, como tantas vezes fez Francisco.
Comparações à parte, Leão segue o caminho traçado por Francisco
Não se trata aqui de comparar os dois Papas, que naturalmente têm a sua individualidade e – esperemos – liberdade, mas de procurar conhecer melhor o perfil e opções de Leão XIV. E se há algo que parece ser bastante claro é que, pelo menos nestes primeiros quatro meses de pontificado, a maioria dos ventos, em Roma, continuou a soprar na mesma direção dos últimos doze anos.
Isso mesmo confirma aquela que foi a primeira jornalista a entrevistá-lo, Elise Ann Allen, do jornal Crux, e que lançará em breve uma biografia do novo Papa: “Leão XIV claramente dará continuidade ao caminho iniciado pelo Papa Francisco em questões como sinodalidade e justiça social, pobreza e meio ambiente”. A vaticanista considera, no entanto, que ele “poderá ser mais moderado em outros tópicos”, nomeadamente que “será mais claro ao traçar limites em questões como inclusão LGBTQ+ e ordenação de mulheres”.
Seja como for, diz a vaticanista, “ele é muito independente e fará coisas que agradarão ou desagradarão a todos em algum momento. Só precisamos de deixá-lo ser ele mesmo, sem compará-lo demais com os seus antecessores, pelo menos não de forma ideológica”.
A verdade é que, mesmo em relação à inclusão dos católicos LGBT+, Leão XIV procurou já transmitir “a mesma mensagem” deixada por Francisco. Quem o garantiu foi o padre jesuíta James Martin, depois de ter estado em Roma, no início deste mês, para participar na peregrinação jubilar daquela comunidade e ter sido recebido pelo Papa. “Senti-me honrado e grato por me encontrar com o Santo Padre esta manhã numa audiência no Palácio Apostólico e ouvir a mesma mensagem que ouvi do Papa Francisco sobre as pessoas LGBTQIA+, que é de abertura e acolhimento: ‘Todos, todos, todos’. Achei o Papa sereno, alegre e encorajador”, partilhou.
Quanto ao papel das mulheres na Igreja, Leão XIV também segue, por enquanto, a mesma linha de Francisco, pelo menos no que diz respeito a nomeações para cargos relevantes na Cúria. Logo no início do pontificado, escolheu a irmã Tiziana Merletti para secretária do Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica (que, por decisão de Francisco, já era chefiado por outra mulher, a irmã Simona Brambilla). E recentemente nomeou mais duas mulheres para consultoras do Dicastério do Clero.
Já no que diz respeito à ordenação de mulheres ao diaconado, ainda não se pronunciou. Ou melhor, podemos considerar que, mais uma vez, está alinhado com o Papa anterior, visto que esta foi uma questão deixada em aberto no Documento Final do Sínodo e que continua a ser avaliada, nomeadamente por um dos Grupos de Estudo criados por Francisco e que o novo Papa já confirmou. Assim, como escreveu a investigadora Phyllis Zagano, “Quem procura uma resposta rápida do Papa Leão XIV, terá de esperar. É um homem muito sinodal”.
Não um “regresso ao status quo“, mas decisões tomadas com liberdade
Mas não será preciso esperar tanto para conhecer outras das suas opções, nomeadamente no que diz respeito ao local onde irá residir, ao primeiro grande texto que irá publicar, ou à primeira viagem que fará.
Leão XIV vive atualmente no Palácio do Santo Ofício, para onde se mudou dois meses antes do conclave, mas esta situação deverá ser temporária. De acordo com o jornal La Repubblica, o Papa deseja ir viver para os aposentos papais no Palácio Apostólico – que ficaram vazios durante o pontificado de Francisco e estarão agora em obras – mas não sozinho. A ideia seria mudar-se para este apartamento de dez divisões com uma “pequena comunidade de três ou quatro agostinianos” — da congregação religiosa a que pertence —, e também o seu secretário, o padre peruano Edgar Rimaycuna. Isso deverá acontecer até ao final deste mês, altura em que se prevê que as obras estejam concluídas.
A confirmar-se, esta opção de regressar ao Palácio Apostólico é encarada pelo jornalista britânico Austen Ivereigh, biógrafo do Papa Francisco, não como “um simples regresso ao status quo, mas como uma decisão tomada de acordo com as suas próprias necessidades e a sua própria personalidade”. “Francisco criou a liberdade para que cada Papa possa tomar as suas próprias decisões sobre estas coisas, e acho que Leão está demonstrando essa liberdade”, disse o vaticanista ao 7 Margens.
O mesmo se aplica, na sua opinião, ao fato de Leão XIV ter retomado a tradição de passar alguns dias de verão em Castel Gandolfo, enquanto Francisco optava por permanecer no Vaticano e a sua agenda praticamente não abrandava.
Ao que parece, os dias que Leão XIV passou em Castel Gandolfo também não foram propriamente para descansar. Como ele próprio disse aos jornalistas, pôde “mudar um pouco de ares”, mas foram “férias de trabalho” e correm rumores de que terá aproveitado esses dias para adiantar aquela que será a sua primeira encíclica, a qual poderia ser publicada em breve. Já quanto ao tema da mesma, ainda não foi oficialmente anunciado, e as “apostas” dividem-se. Francisco estaria trabalhando numa exortação apostólica sobre os pobres. Segundo informações da agência de notícias I.Media, citadas pelo jornal La Croix, Leão XIV deu continuidade a esse trabalho, o que – a ser verdade – não constitui algo inédito. Também em 2013, Francisco concluiu e publicou a encíclica Lumen Fidei, que havia sido iniciada por Bento XVI.
Há também quem recorde que Francisco anunciou, no início de fevereiro deste ano, que escreveria uma exortação apostólica dedicada às crianças. Fê-lo no final da primeira Cimeira Internacional sobre os Direitos da Criança, que ele próprio convocou no Vaticano, e não se sabe se chegou a iniciar esse trabalho, mas a ideia poderia também ser reaproveitada por Leão XIV.
“Dado o ênfase que o Papa tem dado ao tema da paz, muitas pessoas também estão a prever que ele venha a construir o seu próprio ensinamento sobre a não-violência como resposta cristã ao conflito. Trata-se essencialmente de dizer que as guerras nunca são justas, no sentido em que elas nunca conseguem atingir um objetivo positivo, e os meios de resolução do conflito devem ser sempre não violentos. Penso que já houve um movimento nesse sentido do Papa Francisco e muitos aguardavam que ele escrevesse sobre isso.. Portanto, essa é outra possibilidade a considerar”, assinala Austen Ivereigh.
Mas o jornalista crê que se pode esperar também de Leão XIV “uma encíclica social, que aborde a nova revolução industrial e digital e as suas consequências para a economia, a política e, acima de tudo, para o trabalho, além de abordar o desafio da Inteligência Artificial, que é um tema sobre o qual o Vaticano já está a trabalhar há alguns anos. Agora, se esse vai ser o seu primeiro grande documento ou se teremos de esperar dois anos, como aconteceu com Francisco e a Laudato si’, isso não sei”, conclui.
O Líbano tão perto de Gaza e um pontificado “de subtilezas”
Já confirmados parecem estar os destinos da primeira viagem apostólica. De acordo com o que adiantou o cardeal patriarca maronita Béchara Boutros Raï no passado dia 20 de agosto, uma viagem do Papa Leão XIV ao Líbano está já a ser preparada e deverá acontecer até dezembro deste ano. O líder da Igreja Católica Maronita não deu uma data específica para a visita, mas assegurou que “os preparativos já estão em andamento”. E uma fonte do Vaticano, que pediu para não ser identificada, confirmou que a visita está a ser planeada e disse que a mesma poderá integrar uma viagem mais longa que inclua também a Turquia.
Quanto à ida à Turquia, que já estava a ser planeada durante o pontificado de Francisco para assinalar os 1.700 anos do Primeiro Concílio Ecuménico de Niceia juntamente com o Patriarca Bartolomeu, estaria prevista para o final de novembro.
A teóloga espanhola Cristina Inogés Sanz vê nesta ida à Turquia “um profundo significado teológico”, tendo em conta que “a mensagem que, na altura, emergiu daquele Concílio continua a ser muito importante”. Quanto ao Líbano, “é uma terra que foi severamente punida em si mesma e, se Israel continuar a sua política de aniquilação e expansão territorial, o Líbano poderá ser a próxima Gaza”, reconhece, em declarações ao 7 Margens. “De qualquer forma, o Líbano está tão perto de Gaza…”, acrescenta.
Austen Ivereigh faz uma leitura semelhante da escolha deste destino. “Acho que o Papa está muito preocupado com o que se está a passar em Gaza e penso que o Oriente Médio será uma prioridade real para ele… A escolha do Líbano é um sinal disso mesmo”, defende o jornalista. “Ele não pode ir a Gaza, porque Israel nunca o permitiria, mas vai ao Líbano, que é um país que está em perigo de muitas formas. É uma boa escolha”, defende.
Sobre Gaza, alguns já apontavam o dedo a Leão XIV por não se fazer tão próximo da comunidade católica que ali vive quanto Francisco, que diariamente telefonava ao pároco Gabriel Romanelli. Ora, soubemos esta semana, precisamente por aquele presbítero, que Leão XIV também lhe telefonou para saber como estavam todas as cerca de 450 pessoas – católicas e não só – que ali encontraram refúgio ao longo do intensificar do conflito. Estava particularmente preocupado por causa das novas ordens de evacuação naquela zona da cidade, mas já não era a primeira vez que telefonava, percebemos. Só que isso não fora nunca comunicado ou noticiado.
Para Cristina Inogés Sanz, “é claro que, para já, Leão XIV não é um papa de grandes gestos ou de grandes manchetes…”. “Tenho a sensação, até agora, de que o seu pontificado será de subtilezas, em vez de provas espetaculares” diz ao 7 Margens. Subtilezas que “teremos de estar atentos para descobrir”… Porque o vento, esse, não deixa de soprar.
Leia mais
- Leão XIV, o desaparecido
- Leão XIV: cidadão do mundo, missionário do século XXI. Prevost concede sua primeira entrevista a Elise Ann Allen
- Guerras, abusos, finanças: a visão de Leão XIV na primeira entrevista
- "Leão XIV continuará o caminho de Francisco, mas não em questões LGBT ou femininas." Entrevista com Elise Ann Allen
- Dois novos livros sobre o Papa Leão olham em 2 direções diferentes. Artigo de Kat Armas
- Leão XIV e a ilusão conservadora: o fim de um espelho?
- Leão XIV: diretrizes semelhantes às de Francisco e um estilo diferente
- Análise do primeiro mês do pontificado de Leão XIV: “Na Igreja Católica conta cada detalhe”, diz vaticanista italiano Marco Politi
- Aqui está o programa do Papa Leão XIV: paz, unidade e uma estocada nos ultraconservadores. Artigo de Marco Politi
- “Leão XIV é um grande admirador de Casaldàliga, tal como Francisco"
- O que o Papa Leão significa para a ação climática global e o colonialismo
- Papa pacificador? Leão XIV se oferece para mediar disputas em guerras globais
- Leão XIV inicia um papado repleto de desafios que ele promete enfrentar com uma perspectiva social e "realista"
- Papa Leão XIV. Desafios e expectativas. Algumas análises
- Papa Leão XIV: primeiras impressões de um novo pontificado. Massimo Faggioli, Brenda Carranza e Luís Corrêa Lima